II Consulta de Teologia e Culturas
Afro-americanas e Caribenhas

São Paulo, 7-11 de novembro de 1994

A “Sexta Oficina”

CELEBRANDO O DEUS DA VIDA


Zélia Soares de Souza,
São Bernardo do Campo, SP
(Brasil)


O primeiro passo a ser dado na elaboração de uma liturgia é saber qual grupo estará celebrando e onde será realizada a celebração. Na II Consulta Ecumênica de Teologia e Culturas Afro-americanas e Caribenhas não foi diferente. Éramos um grupo heterogêneo e apesar de princípios cristãos estarem presentes em cada um, nem todos eram cristãos e portanto não celebrávamos da mesma forma. Mas isto não nos impediu de celebrar. Ao contrário, nossa fé em um Deus da Vida que é capaz de se manifestar das mais variadas formas permitiu que tivéssemos momentos celebrativos de grande inspiração.

Considerando nossa unidade na diversidade, as celebrações levaram em conta as diversas formas de se cultuar e invocar a Deus, que passaram por gestos, sons, odores e sabores distintos, presentes em alguns e adormecidos em outros.

No coração de todos a certeza de que celebrávamos a Vida. Na comida oferecida, recebida e repartida, a esperança do alimento para todos e o prazer de nos sentirmos alimentados. Nas músicas, nas bebidas e nas cores, o desejo e a manifestação da alegria sempre presente em cada povo ali representado. Nos gestos, danças e palavras, a liberdade sonhada, conquistada e a conquistar.


Árvores por testemunhas

Refletir sobre qualquer ponto relacionado às comunidades negras sem passar pela questão celebrativa é praticamente impossível. Isto não foi diferente na II Consulta. Iniciamos celebrando, celebramos no decorrer do encontro e encerramos com uma festa celebrativa onde não faltaram os ingredientes principais: corpos em movimento, comida, bebida, cores, cheiros, sons, palavras e um forte desejo de continuar a caminhada sem nunca se esquecer de celebrar.

No início, eram rostos conhecidos, outros nem tanto, e alguns nunca vistos. Mas todos ali eram corpos amados e amantes! Nosso objetivo era um só: celebrar a vida com todas as nossas forças, nossas emoções, todos os sentidos. E no meio das pessoas que se encontravam, e outras que se reencontravam, o som dos atabaques nos fazia um só corpo com a natureza que nos rodeava e nos envolvia por todos os lados: árvores irmãs e amigas que se faziam cúmplices de nossa alegria.

O sabor dos alimentos repartidos era uma força a mais que recebíamos e oferecíamos uns aos outros e à terra, mãe de todos. O cheiro dos incensos fazia com que nos sentíssemos mais leves, mais puros e, mesmo para quem não era íntimo desta prática, a experiência foi significativa. Não faltou o compromisso de cada um, testemunhado por todos e selado em uma árvore que ficou enfeitada com fitas coloridas. Foi o início de tudo.


Solidários com as vítimas

No meio da Consulta, após um tempo necessário para muita reflexão, dar e receber, beber um pouco da experiência que cada pessoa trouxe, nos encontramos novamente para ‘soltar as bruxas presas durante séculos’ em nossas consciências. E o medo se transformou em força, vitalidade e verdades, antes escondidas atrás de preconceitos, afloraram por todos os lados.

Este foi o Ritual das Bruxas, onde os elementos da natureza foram convidados a participar como testemunhas, recebidos como companheiros e companheiras da caminhada de hoje e outrora, quando homens e mulheres - principalmente mulheres - foram mortos e mortas por ousarem ser diferentes e acreditarem numa vida abundante para todos. Ao bebermos a poção mágica, o vinho que alegra, o mel, as frutas e outros condimentos, nos fizemos solidários com aqueles e aquelas que estavam em nossas lembranças ou cujos nomes foram proclamados. Homens e mulheres que acreditaram e acreditam na vida. Um beijo dado e recebido selou este momento.


E no último dia...

Infelizmente, chegou a hora da partida e lá estávamos celebrando novamente aqueles dias tão marcantes, tão plenos de esperanças, ansiedades, saudades e compromissos com a volta. Já não éramos as mesmas pessoas que ali haviam chegado dias antes. Alguma coisa havia mudado. Muitas coisas mudaram. Novas descobertas, novo ânimo, constatações do quê e de quem somos, pistas para o que podemos fazer.

Ecumenismo ou macroecumenismo? O termo e seu sentido foi pouco relevante. O importante é que nos sentimos cada vez mais parte de um povo que a cada dia vai redescobrindo sua beleza, seu amor pela vida, suas contradições, suas raízes e sua vontade de continuar sempre, de nunca se entregar e caminhar resistindo, vivendo, brincando, celebrando essa força maior que é a vida. Renascendo a cada momento, renovando sua força na solidariedade, no canto, na dança, no alimento repartido "para que não se estrague".

Com estes sentimentos caminhamos para o salão que nos esperava, todo ornamentado de verde, flores e frutos, luzes e sombras. Ali celebramos nosso último momento de convivência. Ao som dos atabaques, das línguas de origem, do verde das plantas, do colorido das frutas, do sabor do vinho oferecido à companheira ou companheiro do lado, fortalecemos nossa alegria e compromisso amarrando, uns nos outros, nossa fita colorida, símbolo da nossa presença e da união de todos.

Comemos, bebemos, nos abraçamos, nos beijamos, na certeza de que saíamos dali mais solidários, mais comprometidos uns com os outros, com a causa do nosso povo e com a Vida plena. Voltamos cada um a seu lugar, mas a caminhada ainda não acabou. Com certeza nos veremos, em breve, pelos caminhos a que nosso compromisso nos leva.


Participaram da Equipe de Liturgia

Alfredo Souza Dorea
Eliad Dias dos Santos
Marlene Moreira da Silva
Robson de Oliveira Lage
Vilson Caetano de Souza jr.
Wilmar Varjão Gama
Zélia Soares de Souza




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