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Quilombo do Ivaporunduva
Vale do Ribeira (São Paulo)

Contra a corrente
da exploração


A briga no Vale do Ribeira é dura. Além da hidrelétrica de Tijuco Alto, da CBA, a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) projeta construir mais três barragens (Batatal, Funil e Itaoca). A região, uma das mais pobres e subdesenvolvidas do Estado de São Paulo, tem cerca de 250 mil habitantes, a maioria trabalhadores rurais sem titulo de propriedade que lutam contra a baixa fertilidade e acentuada declividade da terra e a falta de infra-estrutura para escoar a produção.


Com a construção da hidrelétrica de Tijuco Alto, orçada em 250 milhões de dólares, a Companhia Brasileira de Alumínio pretende aumentar sua produção anual de 2l0 mil para 360 mil toneladas de alumínio para exportação. Estima-se que, além da energia de Tijuco Alto, a CBA deverá utilizar ainda mais da metade do que for produzido pelas três outras usinas previstas pela Cesp.


CUSTOS AMBIENTAIS E SOCIAIS - Um negócio e tanto. Lucros para alguns, prejuízo para muitos. O complexo hidrelétrico inundaria 111 mil hectares, incluindo as terras mais férteis. Deste total, 40% são áreas de preservação ambiental e permanente, abrangendo partes significativas da Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar, do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, do Parque Estadual de Jacupiranga (SP) e do Parque Estadual das Lauráceas (PR). O custo ambiental subiria ainda mais, se considerados os efeitos sobre a qualidade das águas e os peixes, a impossibilidade de controlar cheias e os tremores de terra decorrentes da acomodação do terreno sob o peso das águas, por causa das muitas cavernas existentes na região, como a Caverna do Diabo.


Entretanto, o custo maior seria de caráter social. Somente a hidrelétrica de Tijuco Alto desalojaria 4 mil famílias que moram nos municípios de Cerro Azul, Adrianópolis, Barra do Chapéu (PR) e Ribeira (SP). Muitas já venderam suas terras. Os grandes proprietários ainda esperam a valorização fundiária. Ou, o que é pior, especulam. Como fez o prefeito da cidade de Ribeira, Antônio Luiz Batista, que comprou a preço de banana pequenos sítios e os vendeu, com lucro, para Antônio Ermírio.


Entre os moradores do Vale do Ribeira há cerca de duzentas famílias remanescentes de quilombos, comunidades fundadas por negros que escapavam dos seus senhores nos tempos da escravidão. São vinte comunidades, e a maior delas é a de Ivaporunduva, no município de Eldorado, com 88 famílias que vivem da colheita de banana, do peixe e da agricultura de subsistência. Com a construção das barragens, as roças, casas, a igreja de pelo menos dois séculos, a cultura e a história dessa gente iriam por água abaixo.


GARANTIA DA LEI - Lideranças da comunidade de Ivaporunduva participam ativamente da luta contra as hidrelétricas, coordenada pelo Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (Moab). Há um longo processo tentando suspender a licença obtida por Antônio Ermírio no último dia do governo Sarney, em 1986, para a construção da barragem de Tijuco Alto. Mas os remanescentes dos quilombos guardam na manga uma carta que pode mudar o jogo: o reconhecimento do direito de posse legal de suas terras, conforme manda o artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, de 1988.


Em agosto de 94, o advogado Luís Eduardo Greenhalg entrou com o pedido de titulação das terras de Ivaporunduva diretamente no Ministério Público, sem passar pelo Incra. Se a lei for cumprida, não só os descendentes de quilombos mas, toda a população da região poderá respirar aliviada, acredita Silvani Cristina Alves, da secretaria executiva do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB), no qual representa o Vale do Ribeira. As terras dos negros são de seus antepassados, imemoriais. Os títulos de propriedade serão definitivos, e ninguém poderá mexer.


NAS MÃOS DA JUSTIÇA - Os protestos surtiram efeito. No dia 16 de setembro de 1994, a juiza Ana Scartezzini, da 3ª Região do Tribunal Regional Federal, suspendeu a licença de construção da hidrelétrica de Tijuco Alto, concedida em junho pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente de São Paulo e Paraná. A juiza baseou-se no artigo 10º da lei 6938/81, que cancela obras que causam danos ao meio ambiente.


Derrotado, Antônio Ermírio voltou à carga e joga pesado: gastou cerca de 4 milhões de dólares em projetos de preparação da obra e afirma já ter comprado perto de 35 quilômetros quadrados de terras, de um total de 2 mil alqueires que seriam alagados. Circulam comentários de que investiu alto na campanha de Mário Covas a governador do Estado e conseguiu que o tucano prometesse, em reunião com prefeitos da região, que construiria as barragens, “sinal de progresso para todo o Vale”.


O embate na Justiça entre o Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (Moab), do qual participam as lideranças das comunidades negras, e o poderoso grupo de Antônio Ermírio de Moraes arrasta-se lentamente. Com pressa de aumentar a sua produção de alumínio, Antônio Ermírio faz de tudo para provar que o projeto da sua usina irá beneficiar o Brasil e todo mundo na região. Só não conseguiu convencer as comunidades negras, que têm mostrado uma vontade de ferro de fazer valer os seus direitos e conquistar as terras onde, desde os tempos da escravidão, sempre viveram e trabalharam.

Bernardete Toneto



DEPOIMENTO





REMANESCENTES ESPERAM
DEMARCAÇAO


Alegria, esperança, incerteza, tudo está sendo compartilhado pelas 88 famílias de Ivaporunduva. Os negros remanescentes de quilombos conversam muito, se encontram com pessoas de outras comunidades, recebem visitas em suas casas simples. A todos falam da expectativa do reconhecimento de suas terras, cujo processo está em tramitação na Procuradoria Geral da República.

O processo de legalização das terras de filhos e netos dos quilombolas do Vale do Ribeira, onde existem pelo menos outras dezenove comunidades semelhantes, anda devagar. Foi entregue na Procuradoria Geral da República em agosto de 1994, depois de um ano e meio de trabalho. São documentos históricos provando que a área foi um quilombo, um mapa elaborado pelo topógrafo João Máximo e registros de propriedade encontrados no cartório da cidade de Eldorado. O calhamaço de papéis inclui também um laudo antropológico elaborado pelo etnólogo baiano Guilherme dos Santos Barbosa, membro da União Internacional de Ciências Etnológicas da Universidade de Viena, na Áustria.

A documentação foi entregue em Brasília pela advogada Michael Mary Nolan. Vez por outra, ela volta ao Distrito Federal para esclarecer dúvidas sobre o processo, como fez no final de outubro de 1994, em um encontro de comunidades remanescentes de todo o país e a Fundação Palmares, da Secretaria de Cultura. Como o tipo de processo é único no Brasil, Michael cerca-se de cuidados ao falar do reconhecimento, uma incógnita para procuradores e juizes. (B. T.)


Textos extraídos da Revista
SEM FRONTEIRAS
(N. 225, dez. 94, p. 19-21,
e n. 231, ago 95, p. 23)