IX Intereclesial
CEBs: Vida e Esperança nas Massas
São Luís, MA - 1997


Cartilha


CULTURA DE MASSA

João Maria Van Damme
Assessor do Secretariado do 9º Intereclesial


  1. Há muitos anos, as CEBs estão discutindo e estudando sobre as diferentes culturas que convivem no nosso planeta. Nem todas as pessoas, povos e nações se comportam igualmente. Há muitas crenças, formas de trabalhar e de viver espalhadas por este mundo afora. Até perto de nós, podemos observar maneiras diferentes das pessoas agirem e se situarem na vida. Há diferentes culturas e cada um de nós aprende desde pequeno o que pode e deve fazer e como o deve fazer.

  2. O muçulmano aprende desde pequeno que deve rezar prostrado em direção à sua cidade santa, Mecca. Os cristãos rezam com as mãos entrelaçadas, em pé, de joelhos ou sentados. Os budistas se sentam com as pernas cruzadas. Para o homem cristão, entrar num templo ou numa igreja com a cabeça coberta é uma falta de respeito, enquanto o judeu deve ficar com a cabeça coberta ao entrar numa sinagoga. O católico faz imagens, pinturas, quadros para lembrar de figuras ou fatos importantes de sua religião. É uma forma de ensinar a fé para quem não domina bem a leitura e ajuda a recordar seu conteúdo. Para outras religiões, no judaísmo, no Isla e para diversas Igrejas Evangélicas, não é permitido fazer imagens de realidades sagradas.

  3. Vimos assim que, ficando apenas no campo da religiosidade, há uma variedade muito grande de comportamentos, atitudes e crenças, todos em nome da seriedade e do respeito.

  4. A diversidade cultural não se limita apenas a hábitos e práticas religiosas. Existem grandes diferenças nas maneiras das pessoas, povos e nações se alimentarem, se cumprimentarem, organizarem sua vida cotidiana individual e social. Falamos por exemplo sobre diversas formas de agricultura. A maneira de trabalhar a terra e tirar dela o sustento é muito diferente de um povo para outro.

  5. Diferentes hábitos, comportamentos, formas de pensar demostram que há diferentes culturas. Temos sempre a tentação de achar que nossa maneira de se comportar, de pensar, de rezar, de viver, é a mais correta. Somos levados a pensar que quem vive e age diferente do que nós, está errado e que nós temos sempre razão.

  6. As CEBs descobriram ao longo dos últimos anos, que não apenas existem muitos padrões culturais diferentes, mas perceberam ainda que há culturas dominantes e culturas oprimidas. O padrão cultural que domina impõe as pessoas que vivem, pensam, rezam, trabalham, se relacionam de forma diferente, os seus pontos de vista e maneiras de se comportar. As pessoas da cultura dominante dizem que elas são melhores, sempre agindo certo.

  7. No mundo ocidental, ao qual muitos de nós fomos incluídos no decorrer da história, a cultura que predomina há séculos, é a cultura cristã. Esta forma de viver, de se comportar foi sendo construída ao longo dos tempos. Não foi Jesus que a inventou. Jesus vivia conforme a cultura judaica e até fez muitas críticas diante do modo de vida de muita gente desonesta, que pensava ser exemplo para os outros. Tratava, por exemplo, de forma extraordinária uma prostituta, que pelos costumes da região devia ser apedrejada.

  8. A cultura cristã foi se formando com a incorporação de elementos culturais gregos, romanos e de outras populações européias, chamadas de bárbaros. Esta mistura de crenças, comportamentos e atitudes formou ao longo dos anos uma cultura cristã, que hoje por muitos está sendo questionada e criticada.

  9. Durante muitos séculos, esta cultura cristã européia chegou a dominar o mundo ocidental e tentou se impor em outras partes do mundo. Povos que nada tinham a ver com esta cultura, que tinham uma história diferente, que tinham outros comportamentos, outras crenças, outras maneiras de comer, de trabalhar, de organizar-se, se viram obrigados a adotar padrões culturais que não eram as deles. Nem sempre aceitaram esta imposição. Resistências costumavam, no entanto, ser reprimidas com muita violência. Em nome de um deus de amor, os europeus têm cometido as maiores atrocidades e crimes, matando e torturando mulheres, homens, velhos e crianças. Desta forma, o cristianismo conseguiu se impor como uma cultura para a grande massa das pessoas que viviam sob o reinado dos "reis católicos" de Portugal e da Espanha.

  10. A dominação cultural, a imposição de uma forma de vida igual para todo mundo, foi feita através de diversos instrumentos. O principal deles foi sem dúvida o uso da violência militar. Muitos missionários também deram sua contribuição. Proibindo a vivência da cultura nativa com castigos, tirando os filhos do meio dos seus pais para educá-los de forma diferente, às vezes conseguiram mudar as atitudes das pessoas - indígenas ou africanas - porém no interior da alma desta gente a chama da sua cultura oprimida continuava viva. Muitos valores e atitudes, esta dominação não conseguiu apagar ou destruir.

  11. Desta forma, a maneira de se mostrar para fora não correspondia ao mais profundo sentimento das pessoas. Elas não estavam mais vivendo conforme as suas convicções. Tornavam-se uma grande massa Todos eram obrigados a se comportarem de maneira igual, sem saber porque deviam agir assim, sem mesmo ter certeza de que desta forma se vivia melhor, com ética e com justiça.

  12. Nos últimos trezentos anos, novas mudanças na cultura mundial estão acontecendo. Com a implantação do capitalismo, valores antigos, comportamentos tradicionais estão sendo substituídos por outros. Trata-se novamente de uma imposição. Muita gente nem sabe porque muda seu padrão cultural. O individualismo está sendo pregado acima do companheirismo, do coletivo, da solidariedade. O consumismo prevalece, até de coisas inúteis ou desnecessárias. O imenso desejo do capital de aumentar seus lucros, está conseguindo se impor na população, que esquece de fazer sua própria avaliação para saber o que é bom, agradável, construtivo para a pessoa humana.

  13. Os mentores e representantes do capitalismo tentam impor suas opiniões, tentam obrigar as pessoas a viveram da forma que o capital quer. Para conseguir isto, nem sempre utilizam as tradicionais formas de violência. Trabalham as cabeças das pessoas, pesquisam os seus pontos fracos e, sutilmente, infiltram na sociedade o que beneficia só a eles próprios. O povo é um detalhe. A grande massa de pessoas deve adotar os padrões de vida que farão a nova cultura em construção triunfar. Por isso, por exemplo, a maioria da empresas adota estratégias "agressivas" para abordar o seu público, os seus clientes. É uma nova forma de violência, que demostra claramente o desejo de impor, de passar por cima daquilo que é benéfico. O objetivo é levar a pessoa a fazer alguma coisa (comprar), mesmo que para ela não seja a coisa mais importante, nem necessária. É claro que as empresas não declaram essa sua atitude frente aos seus fregueses. Elas têm todo interesse em se apresentar como muito preocupadas com o bem-estar dos seus clientes, oferecendo só coisas boas e úteis.

  14. Cada vez mais, os comportamentos de todas as pessoas no mundo estão sendo reduzidas a comportamentos de compra e venda. A cultura da modernidade, que o capital mundial pretende impor a toda a população, é marcada por uma atitude comercial, mercantilista. Até a religião entra nessa onda: algumas práticas religiosas afirmam que se pode até comprar um terreno no céu e que quanto mais se paga, maior será a benção do deus.

  15. Esta nova cultura dominante, que pretende se impor a toda a população mundial, está sendo propagada e difundida com meios que, cem anos atrás, estavam a disposição de ninguém. Nos séculos anteriores, para quem queria expandir seu ponto de vista e os comportamentos conseqüentes, tinha que ter um exército de gente: soldados, missionários, funcionários, todos contribuindo para divulgar e impor o que se queria. A descoberta da imprensa, a publicação em massa de folhetos, livros, jornais e revistas veio facilitar estas pretensões. A rápida expansão das idéias e novos comportamentos religiosos reformistas (protestantes) nos séculos XVI e XVII, certamente, foi facilitada pela descoberta das artes gráficas.

  16. No século XX, outros meios de difusão, que atingem cada vez maiores grupos de pessoas, conseguem mais rapidamente apresentar novidades e convencer o seu público a mudar de comportamento, crença, opinião. Estamos muito distantes dos discursos em praça pública dos oradores romanos, ou das pregações nos púlpitos das igrejas, sem microfones, sem alto-falantes. Com aparelhos de som sofisticados, redes de rádio e de televisão, material gráfico de toda ordem, ao mesmo tempo a comunicação atinge mais gente, mas ao mesmo tempo o acesso a estes meios é controlado por um seleto grupo de pessoas, que sabe que dominar a comunicação é ter poder de levar a massa a fazer o que lhe interessa. Por exemplo, votar em seu candidato, comprar o produto que é apresentado ou acreditar naquilo que melhor lhe convém. As pessoas precisam de uma consciência crítica bastante desenvolvida e de muitas informações, hoje pouco acessíveis, para que possam tomar distância desta cultura imposta e decidir por sua própria conta seus comportamentos e suas idéias.

  17. Por ocasião do 9º Intereclesial, temos a oportunidade de refletir melhor sobre a nossa cultura, sobre os nossos comportamentos, sobre as nossas crenças, ideais, valores. A maioria das pessoas que estão nas CEBs tiveram em tempos remotos sua culturas originais oprimidas. Mas também foram influenciadas pela atitude crítica e revolucionária de Jesus. Por esses dois motivos temos uma responsabilidade todo o povo do mundo. Junto com todos aqueles que pensam e vivem diferente, temos que procurar os valores humanos que podem orientar a convivência de todos os povos com as suas respectivas culturas. Queremos liberdade, sim. Mas qual liberdade? Justiça! Que justiça? Igualdade! Que igualdade?



PERGUNTAS PARA REFLETIR:


  1. Descubra formas de comportamento diferente das pessoas que vivem no seu povoado, rua ou município.

  2. Como nós pensamos de pessoas que têm comportamentos (sociais, religiosos, políticos) diferentes dos nossos? Como tratamos estas pessoas?

  3. Na nossa maneira de viver, há influência dos meios de comunicação (rádio, televisão)? Em que estes MCS conseguiram nos mudar?

  4. Que valores você acha fundamentais e devem portanto ser defendidos hoje?


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IX Intereclesial

Memória



Colaboração: Missionários Combonianos, Salvador, BA