Conselho Mundial
de Igrejas
Conferência Mundial sobre
Missão e Evangelização


PRESS RELEASE No. 2
25 de novembro de 1996

SITUACAO DO MUNDO E "CRITICA" NO POS-GUERRA FRIA, DIZ ORTODOXO RUSSO, NA CONFERENCIA DE SALVADOR

O mundo vive uma situacao critica, com guerras localizadas e com o agravamento da miseria e o fim da guerra fria nao veio representar o comeco de uma nova era de paz para a humanidade.

E o que disse hoje de manha, em Salvador, o dirigente ortodoxo russo, metropolita Kirill, de Smolensk e Kaliningrad, em palestra na Conferencia Mundial sobre Missao e Evangelizacao, que o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) esta realizando desde ontem, no Hotel Othon Palace, com a participacao de 600 delegados de Igrejas Cristas de 90 paises.

Em sua opiniao, a principal causa da atual crise civilizatoria esta ligada a falta de prioridade para a transformacao das personalidades. "Tenho a profunda conviccao - disse Kirill - qye a vida humana depende menos, hoje, das mudancas militares e politicas, das reformas economicas, dos esforcos para derrubar os regimes totalitarios (que desapareceram, quase todos eles) ou para melhorar o sistema social,do que do estado espiritual e moral da pessoa".

O metropolita definiu como "profundamente simbolico" o tema "Uma so esperanca", escolhido pelo CMI para a Conferencia de Salvador. Ao falar sobre o sub-tema "Evangelho e Cultura", afirmou que a humanidade aproxima-se do seculo 21 "com angustia e esperanca".

A visao angustiada, disse, provem da constatacao de que milhoes de seres humanos "vivem numa situacao desesperada, tanto espiritual, quanto materialmente". Destacou que o mundo "enfrenta, de um lado, uma monocultura agressiva que tenta impor-se por toda parte, absorvendo outras identidades culturais e nacionais e, de outro, manifestacoes nacionalistas, a tribalizacao e o desmoronamento da familia humana".

A esperanca, em sua opiniao, baseia-se - apesar de toda a realidade negativa - na fe em Jesus Cristo e na realizacao dos preceitos evangelicos.

Conjuntura - A reflexao de Kirill sobre a missao a Igreja no mundo de hoje foi precedida por uma analise da atual conjuntura do mundo.

Para ele, o mundo pacificado do pos-guerra fria nao passou de uma ilusao. "Durante decadas - disse -, o mundo foi dividido em dois campos hostis e toda a civilizacao humana entrou no quadro dessa rivalidade entre os dois gigantes militares e politicos. Durante a guerra fria, gastava-se, diariamente, um bilhao de dolares em armamentos e o arsenal acumulado era suficiente para destruir muitas vezes todo o planeta. Muitos, no Ocidente, acreditavam que, desaparecida a ameaca sovietica, o proprio mal desapareceria da face da face da terra e comecaria uma era de prosperidade, paz e harmonia universais".

No entanto, perguntou, "a humanidade esta mais feliz hoje? A paz tao esperada foi instaurada?". Em resposta, afirmou que, pelo contrario, a Europa "mergulhou no caos" e guerras "fratricidas" destruiram a ex-Iugoslavia, a Chechenia e outras republicas da antiga URSS. Observou que a crise militar e politica foi seguida pela recessao economica, com populacoes inteiras situadas abaixo do limiar de pobreza.

No caso da ex-Uniao Sovietica, Kirill afirmou que nao e de admirar que a populacao tenha saudade do regime socialista. "As pessoas eram talvez miseraveis, estavam cortadas do mundo exterior e privadas de muitos direitos e liberdades civis. Mas tinham pao, um teto e uma certa seguranca social e tambem uma certa confianca no futuro", afirmou, acrescentando que "hoje, milhares de refugiados perambulam nas cidades e aldeias do antigo e outrora poderoso imperio sovietico.As pessoas vivem do nada e os empregados e funcionarios nao recebem ha meses o salario que lhes e devido.A criminalidade aumenta e, nas grandes cidades, as pessoas temem sair a noite, aterrorizadas".

O metropolita criticou, depois, "o ideal da sociedade super-consumista" e a destruicao do meio ambiente, afirmando que a humanidade esta prestes a "sofrer uma catastrofe planetaria".

Conclamou, a seguir, as Igrejas a um "esforco pelo renascimento espiritual e moral da humanidade, citando a frase de um dos personagens de Dostoievski: "Se Deus nao existe, tudo e permitido".

Evangelho e Cultura - Na segunda parte de sua palestra, Kirill falou sobre a interacao entre Evangelho e cultura. Defendeu a tese de que "a aceitacao ou a nao aceitacao crista de uma cultura particular, deveria basear-se em alguns criterios". Estes criterios evitariam que o ecumenismo fosse invadido pelas" forcas do mal que dormem em muitas culturas do nosso mundo contemporaneo".

Sobre a situacao religiosa especifica da ex-URSS,apresentou, depois, dados que indicam a retomada da pratica crista. Em Moscou, durante o regime sovietico, havia 46 igrejas; hoje, ha cerca de 400. Os seminarios teologicos eram tres; hoje,ja sao 45. Os mosteiros passaram de tres para 325.

Proselitismo - O metropolita citou, contudo,como um perigo, o proselitismo, exercido na ex-URSS por grupos religiosos de origem ocidental, cristaos e nao cristaos. "Assim que foi permitido o trabalho missionario - afirmou - comecou uma cruzada contra a igreja russa, precisamente quando comecava a se recuperar de uma larga doenca...hordas de missionarios irromperam, crendo que a extinta URSS era um vasto territorio de missao.Comportaram-se como se nao houvesse igrejas locais, como se nao tivesse sido proclamado nenhum Evangelho.Comecaram a pregar sem fazer sequer um esforco para familiarizar-se com a heranca cultural russa ou aprender a lingua russa".

Kirill denunciou, a seguir, que "os missionarios vieram do exterior com dolares, comprando as pessoas com a chamada ajuda humanitaria e com promessas de envia-los a outros paises para estudar ou descansar...Comecaram a lutar com nossa Igreja, como boxeadores em um ring, com seus musculos inchados, atirando golpes. O orcamento anual de algumas das organizacoes missionarias invasoras sobe a dezenas de milhoes de dolares.

Compraram tempo de radio e televisao e utilizaram seus recursos financeiros ao maximo para comprar as pessoas".

Ao condenar o que chamou de "colonizadores espirituais", o metropolita disse que ecumenismo e proselitismo "sao incompativeis", afirmando que a cooptacao de cristaos russos ortodoxos e feita nao so pelas seitas, mas tambem por algumas igrejas membros do CMI, sem citar nomes.

Em favor das mulheres - Na outra palestra de hoje,a queniana Musimbi Kanyoro enfatizou o contraste entre a busca da esperanca, motivada pela fe crista e a realidade de um "mundo de desesperanca", simbolizado, por exemplo, pela situacao de guerra na Africa Central, com a imensa legiao de refugiados. Falou tambem da situacao dramatica dos meninos e meninas empobrecidos do Brasil e da Africa. Disse que a escolha do Brasil para sediar a conferencia foi oportuna porque oferece elementos adequados, a partir da realidade, para o debate sobre Evangelho e cultura.

A partir de sua experiencia com grupos femininos populares, na Africa, com base no metodo que chama de "hermeneutica cultural", fez um apelo as igrejas para que "ultrapassem a teologia da inculturacao e submetam a cultura ao crivo da justica, da vida, da paz e da libertacao, verificando se ela escraviza e desumaniza". Definiu a "hermeneutica cultural" como a pratica de "analisar e interpretar as praticas culturais para distinguir o que e libertador do que e opressivo".

Apontou, por ultimo, seis desafios a acao missionaria com vistas ao seculo 21: ler a Biblia; celebrar a diferenca e a diversidade; concretizar novos modelos de parceria; ouvir as novas vozes que vem das comunidades em luta; enfrentar os problemas de nossa epoca e alimentar-se da esperanca dos empobrecidos.

"Creio - concluiu - que as pessoas do Sul, pela sua experiencia de sofrimento e sede de Deus, tem uma oportunidade de compartilhar essa esperanca com o mundo. E a Africa que me da essa conviccao...Com o odor de morte que se sente nos recentes acontecimentos em Ruanda,Burundi e na Liberia, essa regiao parece um lugar de desolacao. Contudo, e precisamente em momentos como esse, em que buscamos Deus no sofrimento, que a fe crista nos convida a nos aproximarmos da esperanca".



O Conselho Mundial de Igrejas é uma comunidade de igrejas, atualmente
330, presentes em mais de 100 países de todos os continentes, a
maioria das quais pertencentes às tradições cristãs. A Igreja
Católica Romana mantém laços de cooperação com o CMI, embora não seja
uma das igrejas membros. O principal organismo de direção do CMI é a
Assembléia Geral, que se reúne aproximadamente a cada sete anos. O
CMI foi constituído oficialmente em 1948, en Amsterdam (Holanda). O
Secretário Geral do Conselho é o pastor Konrad Raiser, da Igreja
Evangelica de Alemanha.

Fique ligado Índice Home Page Zumbi