Conselho Mundial
de Igrejas
Conferência Mundial sobre
Missão e Evangelização


PRESS RELEASE No. 13
30 de novembro de 1996

MEMORIA, ARREPENDIMENTO E COMPROMISSO MARCAM
CULTO DO CMI NO SOLAR DO UNHAO, UMA ANTIGA SENZALA

No mesmo espaco e nas mesmas pedras em que,no seculo passado,milhares de negros e negras chegaram como escravos - o Solar do Unhao, em Salvador (BA) -, os participantes da Conferencia Mundial sobre Missao e Evangelizacao, do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) reuniram-se na manha deste sabado (30 de novembro) para um culto marcado pela memoria historica da escravidao, pelo arrependimento e pelo compromisso em favor da justica e da dignidade humana.

Durante uma hora e meia - das 7h30 as 9h -, misturaram-se, ao lado do mar e em frente a Ilha de Itaparica, o som dos tambores do Olodum, a musica religiosa africana e afro-americana e as preces dos representantes das 330 igrejas cristas filiadas ao Conselho. Eles estao reunidos em Salvador, desde o ultimo dia 23 e ate 3 de dezembro proximo, para uma ampla reflexao sobre os desafios missionarios que este final de seculo e a proximidade do novo milenio colocam para o Cristianismo.

A primeira parte do culto, presidente pelo ortodoxo Labi Kwame, de Gana, foi marcada por uma meditacao em silencio. Os homens e mulheres participantes foram convidados a caminhar ate a muralha e a olhar para o mar. "Esse e o lugar - dizia o texto da celebracao - onde os primeiros africanos trazidos, a forca ao Brasi, desembarcaram em 1550. No periodo posterior, durante 300 anos, uma multidao estimada entre 6 e 12 milhoes de pessoas, foi transportada pelos barcos de traficantes de escravos vindos da Africa para a America".

A caminhada silenciosa continuou ate a porta do salao onde os escravos eram classificados, de acordo com a idade, a saude e a estrutura do corpo. A seguir, foi visitada a frente da igreja, onde eram lavados os escravos para serem, depois, revendidos.De volta ao cais, de frente para o mar, foi lembrado que "a agua deste oceano trazia os escravos da Africa ao Brasil e o mar recolhia suas lagrimas". Todos foram chamados a provocar a agua salgada e a molhar o rosto, para sentir como o sal seca, em memoria do trabalho forcado e suado dos negros e negras escravizados.

A cancao negro spiritual "Deep River" introduziu, a seguir, a confissao de fe, presidida pelo camarones Aaron Tolen, um dos oito presidentes do Conselho Mundial de Igrejas. Foram recitados pedidos de misericordia a Deus, "quando criancas inocentes sao assassinadas a sangue frio ou estao famintas por causa de nossa indiferenca e nos passamos ao largo; quando descendentes de escravos continuam sendo oprimidos e tratados com desprezo; quando nos recusamos a reconhecer nossa responsabilidade na perpetuacao de estruturas injustas; quando fechamos as portas de nossas igrejas para aqueles que buscam refugio e asilo; quando nossas igrejas se refugiam em documentos, analises e ate na Biblia, em vez de enfrentar a falsidade da justica; quando nos, como igrejas, justificamos leis e tradicoes que nos separam e oprimem e quando nos alegramos em nosso batismo e ignoramos o batismo de nossas irmas e irmaos".

Na origem da trafico escravagista para as Americas, havia, evidentemente, a colaboracao de senhores e intermediarios africanos. Porisso o culto continuou com uma confissao de fe africana: "Temos ouvido palavras de arrependimento - dizia o texto -. Porem, aqueles que nos trouxeram aqui nao foram os unicos que criaram esta tragedia. Nos, os africanos, tambem temos responsabilidade. Temos nos degradado quando vendemos nossos irmaos e irmas como objetos. E e pelo motivo de que nunca tivemos a coragem de reconhecer isto e para nos arrependermos, que continuamos fazendo a mesma coisa, o que tem contribuido para a vergonhosa situacao a qual esta submetida a Africa hoje. Nos nos arrependemos e pedimos perdao, pedimos a misericordia de Deus".

Um dos momentos mais simbolicos e emocionantes do culto foi vivido em seguida. Mulheres e homens das igrejas cristas de Gana entregaram a representantes das igrejas e da comunidade afrobrasileira uma pedra - que foi batizada como "pedra de lagrimas" -, trazida do muro externo do Castelo da Costa do Cabo, nesse pais africano. O Castelo era um forte onde eram depositados os negros e negras, capturados e comprados pelos traficantes, ate serem trazidos para o Brasil nos navios negreiros, transformados em sucursais do inferno e descritos no poema de Castro Alves.

"Esta pedra - disseram os africanos, nesse momento do culto - representa 358 anos de degradacao. Que possa nos ajudar a nao esquecermos de que nunca mais poderemos voltar a fazer isto com o nosso proprio povo".

Depois de uma oracao, pedindo perdao a Deus, por tudo isso, foi feita a bencao da agua. Vasilhas com agua do mar foram distribuidas no espaco do culto para que todos pudessem lavar o rosto "como sinal de cura, reconciliacao e esperanca". Enquanto isto,foram cantadas a musica sacra sul-africana "Ewelina mandla", da tradicao xhosa e a afro-americana "O rio que cura". Dada a absolvicao, foi recitado o compromisso: "Somos chamados nao so a nos confessarmos, mas a nos convertermos, a repararmos o dano que fizemos durante seculos e, alem disso, a lutar contra tudo o que produz a morte".

Outro gesto simbolico foi feito, logo depois. Os participantes amarraram, nos pulsos uns dos outros, a tradicional fita do Senhor do Bonfim, tipica da cultura socio-religiosa baiana. Depois de amarrada a fita, a tradicao manda que nao seja retirada ate se acabar.

Nesse momento, comecou a se espalhar, por toda a area do Solar do Unhao, o som da banda mirim do Olodum. "Que som e este? Qual forca e esta? Que resistencia e esta que se sobrepoe a anos de opressao? Este e o som de uma cultura que se recusou a morrer. Esta e a forca que vem de um povo dinamico. Esta e a resistencia daqueles que constroem uma nova comunidade".

De modo altamente significativo, o som dos tambores misturou-se, no final do culto, a musica "Momento Novo": "A forca que hoje faz brotar a vida, atua em nos pela sua graca. E Deus que nos convida para trabalhar, o amor repartir e as forcas juntar".



O Conselho Mundial de Igrejas é uma comunidade de igrejas, atualmente
330, presentes em mais de 100 países de todos os continentes, a
maioria das quais pertencentes às tradições cristãs. A Igreja
Católica Romana mantém laços de cooperação com o CMI, embora não seja
uma das igrejas membros. O principal organismo de direção do CMI é a
Assembléia Geral, que se reúne aproximadamente a cada sete anos. O
CMI foi constituído oficialmente em 1948, en Amsterdam (Holanda). O
Secretário Geral do Conselho é o pastor Konrad Raiser, da Igreja
Evangelica de Alemanha.

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