Paulo Evaristo Arns,
o bispo da esperança


Paulo Evaristo é corintiano fanático. Quando era pequeno, sonhava ser jogador de futebol. Lá na sua cidade, chamada Forquilhinha (na verdade era uma aldeia com 80 famílias, no Estado de Santa Catarina), gostava de brincar com um amigo chamado Peteca. Só que o colega era negro e os outros moleques, descendentes de alemães como ele, achavam melhor não se "misturar". Paulo, que não tinha nenhum tipo de preconceito, só queria saber de bater bola com o amigo.

Os dois cresceram e até hoje, de vez em quando, se encontram. O Peteca continua lá em Santa Catarina. Paulo viajou pelo mundo. Estudou na Europa. Fala fluentemente cinco idiomas e até dizem que pode pronunciar frases em 58 línguas diferentes. Você sabe lá o que é isso?

Ele ganhou prêmios no mundo todo e foi o primeiro brasileiro a ser indicado oficialmente para o Nobel da Paz. É recebido por presidentes e autoridades e, quando dá uma palestra, centenas de pessoas se acotovelam para ouvi-lo. Mas não perdeu a humildade: o Paulo – ou melhor, dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo – é um dos bispos mais queridos do Brasil e ficou conhecido por um nome até bem legal: "amigo dos pobres".

Mas por que a gente está contando a história do bispo Paulo Evaristo Arns agora? É que, no dia 14 de setembro, ele completa 75 anos. E no dia em que estiver apagando as velinhas do bolo, ele apresenta ao Papa o seu pedido de renúncia, que é um tipo de pedido de aposentadoria que os bispos velhinhos são obrigados a fazer, conforme manda o Código de Direito Canônico. Só que, com a tal renúncia, ele só deixa a Arquidiocese de São Paulo. Continua sendo bispo e cardeal – que é um título que ele ganhou em 5 de março de 1973, do Papa Paulo VI – e já prometeu que vai trabalhar com os pobres, especialmente os velhinhos.


O colono em Paris


Para quem não o conhece, vai aí um "retrato falado" do cardeal Arns: ele é baixo, rosto redondo, olhos castanhos. Está sempre rindo. Tem a voz mansa, mansa, que de uma hora pra outra fica tão potente, grossa, que até assusta quem desrespeita os direitos humanos. Vive apressado, mas sempre arruma um jeitinho de dar um beijo em uma criança, uma bênção, uma palavra amiga para quem está do lado. Quando fala, o que mais se ouve são as palavras paz, justiça e amor.

Essa preocupação com a justiça Paulo Evaristo tem desde quando era pequeno. Ele lembra que a melhor lição que recebeu na vida veio da mãe, a dona Helena Arns, que um dia foi arrumar a casa e cuidar de um doente de tuberculose, que naquela época era doença que não tinha cura. "Eu era bem pequeno e estranhei ela trabalhar na casa dos outros, tendo tanta coisa para fazer na nossa casa. Aí ela respondeu: meu filho, as pessoas precisam ser ajudadas", conta ele. O pai também deu importantes lições de vida. Era dono de uma venda e foi vereador. Ele queria que todo mundo estudasse sério e fez tanto esforço, que na família de 13 irmãos apenas um não terminou o curso superior.

Paulo Evaristo gosta de falar da família. E também das aventuras que viveu. E olha que foram muitas! A primeira foi a Segunda Guerra Mundial. Quando o conflito começou ele era noviço, isto é, ainda estudava para ser padre franciscano. Quando acabou a guerra, o jovem Paulo ordenou-se padre e, um ano depois, foi mandado para a Europa, a fim de viver outras aventuras: na França – onde se licenciou em Letras pela Sorbonne e em Pedagogia pelo Instituto Católico de Paris – ele ficou cinco anos. Passou fome, viajou de carona por vários países e conheceu gente de todo o mundo. Ufa!


Sujo de barro


Ele costuma dizer que nunca pensou em ser bispo. Gostava mesmo era do trabalho que fazia em sete favelas de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. O pessoal de lá era bem pobre. Era comum ver Paulo Evaristo todo sujo de barro, subindo e descendo os morros, sempre acompanhado da criançada. "Nunca me senti tão livre como entre eles. Era uma sensação física de liberdade. Isso durou belos 10 anos".

Em 1966 ele foi nomeado bispo auxiliar de São Paulo. Começou aí a organização dos cristãos nas comunidades de base. Acabou se tornando uma espécie de "bispo dos presos", pois cuidava de uma região onde está localizado o maior complexo penitenciário do país, o Carandiru.

Paulo Evaristo assumiu a Arquidiocese de São Paulo em 22 de outubro de 1970. Era um trabalho para leão, pois essa foi a maior arquidiocese do mundo até sua divisão, em 1989. Ele chegou a chefiar 2.100 padres, 300 paróquias, 4 mil freiras e oito bispos. Já imaginou a trabalheira?


Nas prisões


Mas trabalho mesmo o cardeal Arns teve com os militares. Desde o golpe militar, em 1964, corriam boatos de tortura em prisões e aparelhos paramilitares. Só que ninguém conseguia provar nada. Quando tornou-se bispo de São Paulo, Paulo Evaristo passou a ser o porta-voz, o defensor dos torturados. Não tinha medo: ia aos porões onde homens e mulheres, grande parte deles jovens, eram perseguidos porque queriam um país mais justo. Peitudo como ele só, botava o dedo no nariz de delegados, generais e ministros. Fazia até o impossível para libertar presos políticos.

O cardeal Arns conta que, pelo menos durante sete anos, não passou uma noite sequer sem que alguém o procurasse. Era uma mãe querendo notícias de seu filho, um pai que tinha procurado em todas as prisões e só ouvia não como resposta, jornalistas, advogados, operários, estudantes perseguidos. Era tanta violência que ele assumiu, no final da década de 70, o audacioso projeto "Tortura Nunca Mais", uma investigação minuciosa nos arquivos militares que comprovaram a tortura entre 1964 e 1978. O livro, com o mesmo nome, foi um sucesso de vendas.

Por causa de sua coragem em denunciar, Paulo Evaristo foi muito perseguido. Pelas costas era chamado de "bispo vermelho", de "subversivo". Em 1973, por apoiar as mulheres que reclamavam da carestia, recebeu um "castigo" duro: os militares cassaram a rádio 9 de Julho, da Arquidiocese (que foi devolvida, neste ano, no meio de muita festa). O jornal O São Paulo foi o último a deixar de ser censurado no país, em 1978. Foi ele quem criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, que por muito tempo teve os telefones grampeados. Até mesmo do Vaticano veio um puxão de orelhas: em 1989 a Arquidiocese foi dividida para a criação de quatro novas dioceses. Perdeu em tamanho mas não em força.


Ele mora em casa emprestada


Tem gente que até hoje não gosta do cardeal Arns. Dizem que ele defende bandidos e não os direitos humanos. Ele nem liga para as críticas. Afinal, tem coisas mais importantes para fazer do que ouvir fofocas maldosas. Mas uma coisa é certa: todos reconhecem que ele é um homem extremamente inteligente: é jornalista, escreveu 48 livros, 5 deles traduzidos no exterior, além de dezenas de artigos para revistas e programas de rádio. Além disso, é o grão-chanceler da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, uma espécie de diretor de honra. Haja fôlego, hein!?

Paulo Evaristo é, com certeza, o representante da Igreja Católica no Brasil mais premiado no país e no exterior. Recebeu mais de 60 títulos, prêmios e diplomas de doutorado por tudo quanto é canto do mundo. Em 1982 foi o único religioso em todo o planeta eleito para a Comissão Internacional Independente para Questões Humanitárias, da ONU. E o primeiro e único brasileiro com chances reais de ser eleito para ganhar o Nobel da Paz. Perdeu para o Dalai Lama, em 1990.

Você sabia que tem bispo que vive em mansão? Mas o cardeal Arns não. Quando assumiu a Arquidiocese, ele vendeu o palácio episcopal, tão grande e luxuoso que rendeu 5 milhões de dólares. Esse dinheiro todo foi usado na compra de dois mil lotes da periferia, para a construção de centros comunitários. Hoje ele vive num imóvel emprestado no bairro da Luz, onde tem um jardim e horta que ele gosta de olhar todos os dias.

O cardeal Arns mantém uma rotina admirável para a sua idade. Ele todos os dias reserva um tempo, sagrado, para a oração e a reflexão. Todas as terças e quintas-feiras, contudo, atende pessoas que procuram sua ajuda na Cúria Metropolitana. A todos dá uma atençãozinha especial, encaminha, assina documentos...

No ano passado a cidade de São Paulo fez uma grande festa para Paulo Evaristo Arns. Também, pudera: ele completava 50 anos de padre, 25 anos de bispo e a Arquidiocese fazia 250 anos de existência. O cardeal recebeu prêmios do governo federal e estadual, diplomas e homenagens de universidades. Teve uma cerimônia no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e foi bonito ver aquelas 10 mil pessoas que resolveram passar o domingo rezando pelo seu bispo. Mas o mais bonito mesmo foi o presente que os moradores de rua entregaram para Paulo Evaristo: objetos domésticos que eles fazem com a sucata que catam por aí. O cardeal ficou com os olhos cheios d'água.

Em São Paulo tem muita gente triste com a saída de Paulo Evaristo. Mas ele, que vive falando em esperança, não quer ver ninguém chorando. Vai continuar morando na cidade, fazendo palestras, recebendo os amigos e prometeu que, depois da aposentadoria, vai trabalhar com as pessoas de sua idade, que são tão esquecidas. Ele avisa: "Quero continuar sendo o bispo dos pobres".

Bernadete Toneto



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