SUDÃO

UMA GUERRA SEM FIM


A televisão e os jornais ficam calados. Não interessa a ninguém o drama do Sudão, um país da África centro-oriental. Na indiferença geral, milhões de pessoas estão perdendo a vida numa guerra absurda e estúpida.

Peter, apesar de sua perna enfaixada, pedala com força. Em vima de seu velho triciclo, corre ao nosso encontro. Não tem medo. Está acostumado às reportagens. Pede para ser filmado, enquando dá algumas voltas pelo pátio.

Está internado no hospital da Cruz Vermelha Internacional de Lokichokio, uma aldeia do norte do Quênia, na divisa com o Sudão. São quatrocentas vagas amontoadas em enormes barracas, para hospedar quatrocentos feridos da guerra civil que aflige o Sul do Sudão e que, de 1993 até hoje, já provocou a morte de mais de um milhão e meio de pessoas.

O trabalho principal dos médicos do hospital é a amputação de braços e pernas e a aplicação de próteses. No pátio há dezenas de jovens de muletas que tentam se acostumar às novas pernas construídas pelas mãos generosas dos profissionais do hospital. Os principais responsáveis pelas mutilações são as minas, os tiros e os golpes de facão. De fato, as tropas do governo central de Cartum, empenhadas na tentativa de acabar com a resistência do Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA, na sigla em inglês), costumam cortar os tendões dos tornozelos para impedir a fuga dos prisioneiros. Nesse conflito que opõe o regime islâmico do Norte do Sudão às populações do Sul que, pertencendo às religiões tradicionais ou cristãs, recusam a imposição da lei islâmica, quase sete milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas. Um milhão de refugiados vivem nos países próximos. Cerca de três milhões de pessoas estão amontoadas nas periferias das cidades do Norte do país. O resto anda continuamente à procura de algo melhor. Sem terra para semear e plantar, são homens e mulheres destinados a morrer de fome.


BISPO CIGANO


É nessa situação que vive dom Páride Taban, bispo da diocese de Torit, uma das zonas mais castigadas nessa guerra. Em suas andanças, já cansou de ver povoados inteiros destruídos pelas chamas. As tropas governamentais praticam a estratégia da "terra arrasada", para deixar marcas bem visíveis de sua presença e evitar que a população duvide de suas capacidades bélicas.

Desde que Torit caiu nas mãos do exército do governo de Cartum, dom Taban anda muito para poder ficar do lado de seu povo sofrido. Sua casa é uma barraca, dessas de armar, que sempre traz no carro. Dorme três ou quatro horas por noite e depois viaja. Esforça-se para construir comunidades feitas de gente que vem e que vai, que foge o tempo todo do terror e das ameaças contra a vida.

"O meu povo está à beira da falência e da morte", diz o bispo. "Alguns dias atrás estava viajando de carro quando encontrei um cego, uma velhinha e um grupo de pessoas feridas durante um bombardeio. Cada um deles trazia no corpo os sinais da violência, da fome e do sofrimento. Não pude dar carona para todos, porque meu carro é muito pequeno. Aquele grupo representava bem o meu povo cansado, sofrido, humilhado, obrigado a fugir para salvar a pele."

A fala de dom Taban é dura, mas não há nada de inventado nela. O bispo pára um ins-tante para beber um pouco de água e depois continua o relato. "Atravessando a fronteira do Sudão, fui até a aldeia de Chukudum. Tive que parar, porque no chão havia restos de um corpo, comido pelos bichos. Desci do carro e rezei. Não pude enterrá-lo, pois não tinha nada para cavar. Mas desde aquele dia, peço a todos que andem com pás e enterrem os mortos encontrados pelo ca-minho."


CATEDRAL DE PALHA


A catedral de dom Paride é uma pequena cabana. Ao redor dela existem muitos buracos para se esconder, em caso de ataque por parte do exército do governo. "Infelizmente não vejo existir nenhuma possibilidade de que o conflito acabe logo.

A comunidade internacional não se interessa, porque não ganha nada se metendo nessa guerra. Diante do silêncio de todos, o meu povo morre. As principais vítimas são as crianças, por serem o lado mais fraco do conflito. Como diz um provérbio de meu povo, 'quando os elefantes brigam entre si, é a grama que sofre ao ser pisoteada'."

No hospital de Lokichokio é hora do café da tarde. Dezenas de crianças de muletas e cadeiras de rodas se aproximam para receber um lanche. Apesar da aparente alegria, o rosto delas não esconde a dor de quem já sofreu bastante por uma guerra que destruiu suas aldeias, os separou de seus pais e os deixou mutilados para o resto de suas vidas.

Federica Margheritora
Popoli


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