Mundo Plural: Iorubá

Povo de comerciantes e artistas


Os Iorubá habitam o sudoeste da Nigéria, onde são entre 12 e 14 milhões, e o sul do Benin (cerca de 1 milhão). A maioria vive em cidades com mais de 20 mil habitantes.
Uma das mais importantes civilizações da história africana.


Manariho Etienne


Os reinos iorubás floresceram ao sul do rio Níger. Suas origens encontram-se numa antiga população indígena que tinha como centro a cidade de Ifé. Depois chegaram os conquistadores, guiados por Oduduwa, o legendário antepassado fundador.

Os filhos de Oduduwa iniciaram as diversas dinastias iorubás que se instalaram na região entre os anos 600 e 900 da nossa Era, provenientes provavelmente do Alto Nilo.

Alguns especialistas afirmam que a cultura iorubá tem parentesco com a egípcia, e outros, com a da Núbia. Ambas as opiniões consideram também a possibilidade de que, através da Abissínia (região onde fica a atual Etiópia), a cultura iorubá tenha parentesco com a helenista.

Há, por fim, os que sustentam que Ifé, cidade santa dos Iorubá, seja Ufa, a cidade mencionada na bíblia onde os fenícios adquiriam ouro a pedido do rei Salomão.

Até hoje, no entanto, nenhuma das hipóteses foi comprovada.


MUNDO COMEÇA EM IFÉ,
A CIDADE SAGRADA


Capital do primeiro reino, Ifé alcançou rapidamente um notável desenvolvimento religioso e político, desempenhando numerosas funções no seio dos diversos reinos iorubás, especialmente no campo espiritual.

Ifé atingiu o auge do resplendor entre os séculos 12 e 14. Seu apogeu foi no século 13. A partir do século 14, deixa de ser o centro político da potência iorubá, mas continua a exercer o papel de cidade santa.

O rei de Ifé é considerado o pai de todos os reis iorubás. A cidade é ainda capital do reino originário e, segundo se acredita, constitui o centro da terra. Ali, a terra teria começado a se formar e ali teria descido a divindade pai - ou mãe - de todos os viventes para fundar e reinar sobre "sua" primeira cidade.

De fato, um mito mesclando história e lenda afirma que Oduduwa, o ancestral divino de todos os Iorubá, desceu do céu e depositou sobre as águas um pouco de terra e uma galinha. Esta, ao ciscar, lançou terra em diversas direções. É assim que, ao redor de Ifé, o mundo começou a ser criado.

Não é de se estranhar, portanto, que os Iorubá tenham como centro de sua religiosidade um Deus criador e que possuam um forte sentido da constante presença divina em sua vida cotidiana. O que não os impede, no entanto, de seguir uma religião politeísta, com sociedades iniciáticas secretas nas quais se celebravam festas com sacrifícios humanos.

Isso explica também o motivo de, ainda hoje, os Iorubá serem muito religiosos, embora pluralistas no que diz respeito a que religião praticar. Há, por exemplo, famílias nas quais o pai é muçulmano, a mãe segue a religião tradicional e os filhos são católicos ou protestantes.

OBRAS DE ARTE
DA MELHOR QUALIDADE


A história da região ocupada pelos Iorubá é particularmente interessante. Estados e impérios se formaram na faixa entre o deserto e a grande selva, favorecidos pela abundância de água e de outros recursos naturais. E também pelo fato de ser rota obrigatória de pessoas e mercadorias provenientes dos desertos do norte em direção ao oceano.

Ifé, ainda em tempos antigos, logo se transformou em terra de intensos intercâmbios comerciais e em berço de uma civilização florescente. Seus artistas utilizavam a arte para celebrar e transmitir valores considerados essenciais.

A arte de Ifé, tipicamente ligada à corte, cria máscaras, cabeças e figuras de bronze, latão ou barro cozido, carregados de valor vital e modelados com tal sensibilidade, habilidade técnica e forma que chegam quase a atingir a perfeição absoluta.

Numerosos estudos arqueológicos da região oferecem testemunhos artísticos que não ficam devendo nada às culturas clássicas de qualquer outra região do mundo. As cabeças de bronze e as peças de cerâmica de Ifé, bem como os soldados de bronze de Benin - reino antigo que não deve ser confundido com o país que hoje leva este nome -, figuram entre as obras-primas da arte mundial.

Tudo leva a crer que as peças de bronze sejam retratos mais ou menos idealizados de grandes personagens, feitos após a sua morte e utilizados em cerimônias fúnebres ou comemorativas.

A arte iorubá se desenvolveu a partir do século 14, tendo seu momento de máximo esplendor entre 1575 e 1650.


MODELO DE ORGANIZAÇÃO
DURA SÉCULOS


Os tecidos de ráfia e algodão, as jóias de ouro, as cerâmicas decoradas e as grandes e populosas cidades eram características de uma civilização eminentemente urbana. Seu eixo econômico e militar estava assentado sobre o uso do cavalo, que foi introduzido a partir do norte do continente.

A unidade política da região se baseava na suposta unidade mítica originária de todos os Iorubá. Estes constituiriam, assim, uma grande família, dirigida por chefes religiosos e sociais.

Na sociedade, cada Iorubá tinha seu lugar respeitado e sua função definida, sem problemas. Prova disso é que esse modelo de organização social durou séculos.

Sem dúvida, os distintos Estados iorubás possuíam diferenças em termos de formas de governo. No Estado de Oyo, considerado modelo das estruturas político-militares iorubás, o rei - Alafin - governava com poderes semelhantes aos de uma divindade. Era escolhido entre os sucessores por um conselho de sete sábios - os Oyo Mesi -, que exerciam a função de ministros.

Em Ifé quem mandava era o rei - Oni -, assessorado pelos Obá (chefes). A posição que cada chefe ocupava dependia da suposta data de fundação de sua respectiva comunidade.

O Oni representava o ponto mais alto de toda autoridade política e religiosa, por ser descendente direto do Herói Primeiro, Oduduwa, que era, por sua vez, instrumento do Ser Supremo. Mesmo tendo vida autônoma, as diversas comunidades tributavam homenagens à supremacia de Oni.

Em Benin houve um período de administração republicana e, em seguida, uma dinastia de reis originários de Ifé. Por volta de 1485-86, sob o reinado de Oba Ozolua, chegou a Benin um português, Alfonso de Aveiro, o qual, ao retornar a Lisboa, levou consigo um embaixador de Oba. Tiveram início, assim, relações comerciais estáveis entre os dois países.


POVO HÁBIL NA ARTE
DE COMPRAR E VENDER


Sendo a cultura iorubá tipicamente urbana, a organização do Estado repousa sobre as cidades.

A casa iorubá possui planta retangular, com uma entrada simples que dá acesso a um pátio interior, ao redor do qual há várias habitações. Os pátios cobertos sustentam-se sobre pilares, geralmente decorados. Nas casas dos chefes e nos palácios, os pilares são esculturas de figuras humanas.

O vestuário dos homens é formado por três peças: calça, camisa e uma espécie de túnica, usada como capa. Já as mulheres vestem blusa e envolvem as costas com uma peça de tecido. Tanto mulheres como homens cobrem a cabeça. As mulheres, com lenços muito vistosos. Os homens, com gorros típicos.

A vida social é um dever do qual ninguém imagina ser possível escapar. Famosos por seu grande tino para negócios, os Iorubá são mercadores natos, que compram e vendem de tudo. Moram na cidade, mas voltam sem problemas a seus férteis campos na época do trabalho agrícola.


CULTURA IORUBÁ
SOBREVIVE À DESTRUIÇÃO


A decadência da civilização iorubá teve início no final do século 17 e começo do 18, com guerras fratricidas, a chegada dos europeus, o tráfico de escravos e a pressão exercida pelo povo peul. De religião muçulmana, os Peul acabaram com a prosperidade agrícola e comercial da região.

Em 1897, os soldados britânicos arrasaram a cidade de Benin e se apoderaram das melhores obras de arte.

Tendo sido arrancados de sua terra para trabalhar como escravos no Novo Mundo, os Iorubá trouxeram consigo toda a enorme riqueza de sua cultura. Foi assim que legaram como herança a este continente a música afro-americana, o blues dos Estados Unidos e o carnaval do Brasil.

Escreve Kevin Carrol: "Os estudiosos afirmam que uma arte não pode ser adaptada a outra fé, já que cultura e religião formam um todo unitário. Trata-se de uma visão muito estreita. As grandes culturas africanas não são plantas frágeis, que morrem ao serem tocadas. Podem, pelo contrário, adaptar-se e absorver novas influências".

A cultura iorubá demonstrou toda sua força ao aceitar a fé cristã e produzir arte, ritos e músicas que, sem deixar de ser iorubás, são também profundamente cristãos.


Raízes das religiões afro-brasileiras

As religiões afro-brasileiras têm suas raízes em duas importantes culturas africanas: banto e nagô.

A cultura banto predomina em grandes espaços do território africano. Um terço da população negro-africana é banto. Como grupo lingüístico e cultural, o banto se estende da República dos Camarões até o sul do continente, incluindo Angola e Congo.

Dos antigos territórios desses dois países foi trazido um grande número de escravos para o Brasil, sobretudo para o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Moçambique e toda a região sul da África é também de cultura banto.

Os elementos fundantes das religiões afro-brasileiras, porém, procedem das culturas sudanesas, sobretudo nagô. A contribuição nagô constitui praticamente a base dessas religiões.

Os Nagô - ou Iorubá - fazem parte do grupo cultural sudanês, que ocupou tradicionalmente a região do Daomé, Nigéria e Sudão, toda uma área que vai do Oceano Atlântico, a chamada Costa dos Escravos, até os limites do Egito.

Entre os sudaneses se destacaram, além dos Nagô, os Gêge, os Fanti-ashanti (negros-mina) e os Haussá, de culto islamizado. Todos contribuíram para a confecção desse vasto tecido religioso, ainda que os Haussá tenham sido fortemente reprimidos no século passado, chegando quase à extinção.

Sudaneses e banto, entrando no Brasil, misturaram-se em consideráveis proporções, resultando em cruzamentos biológicos, culturais e religiosos.

Já os Nagô reconstruíram suas práticas religiosas de origem com grande sucesso e fidelidade. O culto nagô - a religião dos orixás - está presente sobretudo na Bahia, onde mantém e preserva suas raízes africanas. - Antônio A. da Silva