Maranhão

Cláudio morre e
deixa saudades


Missionário ensina como viver um grande amor à multidão dos excluídos.


Da Redação


O trabalho junto ao povo sem terra e a formação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram duas coisas que ninguém jamais conseguiu tirar da cabeça - e do coração - do missionário italiano Cláudio Bergamaschi, 59 anos .

Um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Maranhão nos tempos difíceis da ditadura militar, Cláudio faleceu em janeiro último, vítima de um acidente automobilístico.

Deixou saudades, sobretudo no povo das comunidades de São Mateus, onde trabalhou nos últimos vinte anos. Fica também desfalcada a equipe de preparação ao Nono Encontro Intereclesial de CEBs - que se realiza em julho próximo em São Luís -, da qual Cláudio participava.


AMÉRICA LATINA CHAMA - Ordenado em 1966, esse italiano de Mantova vive um período de profundas transformações na Igreja, estimuladas pelo Concílio Vaticano II (1962-65). Na paróquia onde trabalha, incentiva os leigos a assumirem a dianteira nas atividades pastorais.

Inspira-se na experiência de vida do italiano Lorenzo Milani e do francês Charles de Foucauld para viver uma espiritualidade encarnada e atuar de modo simples e anônimo no meio dos excluídos.

Em 1970, atraído pelas idéias e opções proféticas que fervilham na Igreja latino-americana da época, deixa a terra natal para trabalhar no Brasil. Identifica-se com a opção pelos pobres e com o ideal de uma Igreja mais perto do povo.

É com essa Igreja que Cláudio decide partilhar a vida até a morte. De espírito contemplativo, passa horas e dias num silêncio calmo e sereno em companhia da bíblia. Ao mesmo tempo, é um homem de ação.

No Maranhão, colabora com o bispo Hélio Campos, que se aventurava nas primeiras experiências de CEBs na diocese de Viana.

Claúdio vê nele um mestre. Com ele aprende a mergulhar na vida do povo empobrecido. À frente da paróquia de São Vicente Ferrer, não mede esforços na formação e acompanhamento das comunidades.

Sete anos depois, com a morte do amigo e a chegada do bispo substituto - um ferrenho opositor da pastoral de libertação -, Claúdio deixa a diocese. É acolhido pelo bispo de Coroatá, no mesmo Estado, onde assume a paróquia de São Mateus.


CONSCIÊNCIA E CIDADANIA - Cláudio prioriza com entusiasmo a formação de animadores de comunidades e de movimentos populares. Íntimo com a bíblia e conhecedor das formas de se trabalhar com o povo, ajuda na formação de lideranças em outras dioceses maranhenses.

Para Cláudio, conscientização é fundamental na construção da cidadania. Por isso, junta-se com amigos que pensam como ele para fundar a Escola Diocesana de Formação Política.

O drama da terra o incomoda e desafia. Daí a criação da CPT do Maranhão, em 1978, para acompanhar a luta dos lavradores ameaçados de despejo e morte por latifundiários e grileiros.

Onde havia uma área em conflito, lá estava Cláudio, defendendo os lavradores, acompanhando processos na Justiça, consolando víuvas e órfãos.

O seu nome logo passa a figurar na lista dos "cabras marcados para morrer", ao lado dos nomes de sindicalistas e animadores de comunidades.


PRESENTE DE MÃE - Em 1986, perde o amigo e colaborador padre Maurício Maraglio, morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Cláudio não alimenta dúvidas: o amigo foi vítima da vingança dos latifundiários.

Perde também mais dois companheiros de luta: Alonso e Pedro, líderes de comunidade assassinados por pistoleiros a mando de grileiros da região.

Cláudio agora repousa na igreja de São Mateus, ao lado do amigo e conterrâneo Maurício. A mãe quis que o filho ficasse no meio do povo que tanto amou.

A mesma atitude da mãe de Maurício. Ela um dia revelou a Cláudio que o corpo do filho devia permanecer onde tinha estado o seu coração.