Mundo Plural: Tuareg

Poder e rebeldia
dos "homens azuis"


Suas origens parecem perdidas no tempo. Uns lhes atribuem ascendência egípcia. Outros, iemenita. Alguns ainda os consideram descendentes de uma antiga tribo européia. Mas a maioria acredita se tratar de um povo berbere, os antigos habitantes do Saara.


Tuareg: esse nome evoca fantásticas imagens de maravilhosos cenários no deserto do Saara.

Imagens de intermináveis e vagarosas caravanas de camelos entre dunas de areia avermelhada.

De fogosos esquadrões de cavalos montados por bandidos com turbantes de um azul inconfundível.

De esbeltas figuras femininas com seus belos rostos emoldurados por longos cabelos finamente trançados.


DISPERSOS EM CINCO PAÍSES
DO NORTE AFRICANO


Hoje, no entanto, os Tuareg são sinônimo de minoria oprimida e de povo perseguido por sua rebeldia. Já foram "senhores do deserto", e agora se vêem condenados a exibir seu aspecto folclórico para turistas que percorrem livremente seu antigo reino.

A falta de um censo oficial torna impossível determinar o número dos "homens do deserto". Calcula-se que são 1 milhão, distribuídos em cinco países: Níger, Mali, Líbia, Burkina Fasso e Argélia. A metade vive na Argélia. Outros 300 mil, no Mali.

Os vestígios de suas origens se perderam, mas se sabe com certeza que, durante muito tempo, dominaram enormes extensões do deserto. Viviam do pastoreio e do comércio, atacando caravanas e os povoados à sua volta.

Os Tuareg não se distinguem por traços físicos comuns. Costumam ser altos e delgados, de pele clara, rosto alargado, olhos escuros e cabelos ondulados e negros.


LINGUAGEM SECRETA
NOS NEGÓCIOS E NO AMOR


O nome "Tuareg" lhes foi dado pelos europeus, a fim de distingui-los de outros povos. Sua verdadeira designação, porém, é kel tamashek - aqueles que falam o tamashek, sua língua comum.

Sua escrita original, o tifinarh, de origem fenícia, tem sido objeto de intensos estudos. Ainda hoje encontramos seus caracteres gravados nas figuras rupestres tão abundantes no Saara. No passado, só as mulheres tuaregues sabiam escrever.

Existe também uma "linguagem muda", usada para transmitir mensagens secretas. Os Tuareg a empregam tanto em transações comerciais quanto nas relações amorosas. Nela, o dedo indicador traça complexos ideogramas na palma da mão daquele a quem se dirige a mensagem.


PODER DE VIDA E MORTE
SOBRE OS SÚDITOS


A organização social dos Tuareg é típica dos povos pastores e guerreiros: dá-se muita importância à nobreza de sangue.

Tradicionalmente, as tribos tuaregues formavam uma confederação sob o comando de um chefe supremo, o amenokal, que tinha poder de vida e morte sobre seus súditos. As decisões mais importantes eram discutidas por um conselho dos chefes, o arrollan.

A insígnia do poder é o tobol, o grande tambor real de 80 centímetros de diâmetro.

Depois das independências nacionais, o amenokal foi eleito para a assembléia nacional argelina, da qual foi também vice-presidente.


SOCIEDADE FEUDAL
COM CLASSES FECHADAS


A estrutura hierárquica da sociedade tuaregue tradicional sofreu consideráveis mudanças neste século.

Antes, a sociedade era claramente feudal. Estava dividida em cinco classes sociais fechadas, e não se podia passar de uma para outra.

Os nobres, os imuhar, proporcionavam os guerreiros e garantiam a proteção dos vassalos, os imrad.

Os imrad, por sua vez, que cuidavam do pastoreio e da condução das caravanas, confiavam os trabalhos mais pesados à casta dos servidores, os iklan, que geralmente eram escravos.

A casta inferior era a dos verdadeiros "servos da gleba", os bella ou harratin, de pele negra.

Por último estavam os "fora de casta", os inaden, isto é, os artesãos que trabalhavam o ferro e o couro. Estes não eram nômades, mas iam de um acampamento a outro, quando lhes era solicitado, para oferecer seus serviços.


MULHERES DE ROSTO VERMELHO
E LÁBIOS AZUIS


A alimentação dos Tuareg, tanto agora como antes, tem sua base no leite e seus derivados. Só se abatem animais por ocasião das grandes festas.

Por causa de sua resistência, o camelo é o animal preferido nas viagens pelo deserto. Possuem também ovelhas e cavalos. Há ainda muitos asnos, que vivem em liberdade e não têm valor comercial.

Diferentemente de outros povos berberes, os Tuareg não usam tatuagens. Homens e mulheres pintam os olhos com o kohl, pó negro de sulfato de antimônio.

Os rapazes raspam a cabeça, deixando apenas uma espécie de crista no centro. Segundo acreditam, isso servirá para que Alá os "arraste" ao paraíso.

As mulheres têm longas cabeleiras presas em tranças. Em ocasiões especiais, pintam o rosto de vermelho ou amarelo e os lábios de azul, formando uma espécie de máscara que serve de enfeite e de símbolo mágico.


MISTURA DE ISLAMISMO E
CRENÇAS ANCESTRAIS


Em geral, os Tuareg vivem em tendas - imahan -, ou em cabanas transportáveis.

Mas há também diversos tipos de casas fixas, feitas com blocos de terra e palha misturadas, os tub. A zeriba é uma habitação provisória de folhagens. O dahamus, uma casa fresca para o verão, é parcialmente escavado no terreno.

Os Tuareg praticam a monogamia, embora um homem que faça uma longa viagem possa ter concubinas de castas inferiores.

As mulheres gozam de mais consideração do que em outras sociedades muçulmanas. Inclusive, pode ser da mulher a iniciativa de pedir o divórcio.

A religião é uma mistura de islamismo e crenças ancestrais, relacionadas com o juun, o espírito da natureza.


INDEPENDÊNCIA DOS PAÍSES
GERA CONFLITOS


A independência das antigas colônias africanas deu origem a uma verdadeira tragédia. Os novos governantes não se impuseram através do triunfo guerreiro e, por isso, sua autoridade se tornou insuportável, quase um verdadeiro insulto para os "homens azuis".

Ademais, os chefes dos países que se formaram na região pertenciam às etnias agrícolas e sedentárias do sul do Sahel, que sempre haviam servido aos Tuareg como depósito de escravos e de gado. Compreende-se assim o desejo dos novos chefes de se vingarem dos antigos "bandidos".

As grandes secas que atingiram a região do Sahel nos anos 70 abateram ainda mais os Tuareg, empurrando-os para o sul. Ali se depararam com a hostilidade dos povos agrícolas africanos, cujos pastos não eram suficientes para alimentar também os imensos rebanhos dos nômades.


EXOTISMO DOS "HOMENS AZUIS"
ATRAI TURISTAS


A maior parte do povo tuaregue foi parar nas grandes cidades africanas da região. Os ricos formaram uma nova classe: a burguesia urbana. Os pobres se viram obrigados a mendigar ou vender objetos de madeira e couro nas entradas dos hotéis.

Muitas jovens caíram na prostituição. Alguns descobriram profissões mais modernas, como as de mecânico ou guia de turismo.

A imagem dos "homens azuis", que nunca mostram o rosto e têm a pele tingida de azul, é um mito para o turista ocidental em busca de exotismo.

O estilo de vida dos Tuareg mudou por completo. Hoje, os arrogantes guerreiros nômades se encontram deslocados de seu hábitat natural. Além disso, sofrem uma verdadeira perseguição em um mundo que não compreende sua forma de ver a vida.


SEM PÁTRIA EM TERRITÓRIO
ANTES TODO SEU


Os problemas enfrentados atualmente pelos Tuareg nascem de sua recusa em aceitar as fronteiras de cinco Estados - Argélia, Mali, Líbia, Níger e Burkina Fasso -, estabelecidas nos tempos coloniais em territórios que sempre lhes pertenceram.

Expulsos da Argélia em 1986 e obrigados a sair da Líbia em 1990, os Tuareg se refugiaram no Níger e no Mali. Ali criaram vários distúrbios, e por isso sofreram a dura reação dos governos locais. Houve matanças e verdadeiros genocídios.

Para os povos sedentários, é muito difícil compreender a vida nômade dos Tuareg.

Não se pode esquecer que esses nômades ainda não tiveram a chance de encontrar um território para si, numa imensa região que pertenceu a eles durante séculos.

Um território onde possam se estabelecer e conservar o estilo de vida que lhes é próprio, desde tempos imemoriais.


Charles de Foucauld,
irmão dos Tuareg

Nasceu em Estrasburgo em 1858, um ano em que a imprensa só falava no imperador Napoleão III e os cristãos, sobre as aparições de Lourdes.

De família rica e nobre com uma galeria de antepassados famosos, é filho de Eduardo de Foucauld, inspetor de florestas, e neto do senhor de Morlet, coronel aposentado da Cavalaria, do qual recebe uma rica herança.

Respira os ares do agitado clima de ateísmo da época e abandona o catolicismo. Freqüenta a Escola Especial Militar de Saint Cyr e chega ao posto de segundo-tenente. Demitido da Cavalaria por mau comportamento, começa uma viagem pelo deserto do Marrocos - na época, colônia francesa - na qualidade de cartógrafo.

Em contato com a religião muçulmana, vive uma profunda experiência mística e recupera a fé em Deus, retornando à Igreja católica.Visita os lugares sagrados da Palestina. Em Nazaré, encontra o "tesouro escondido" do chamado à vida religiosa. Renuncia à sua herança e vira monge trapista, fundando, mais tarde, a Congregação dos Pequenos Irmãos de Jesus.

Aos 43 anos de idade, é ordenado padre na França, ou melhor "sacerdote dos mais pobres que vivem no deserto", como ele diz.

De novo no Marrocos, a partir de outubro de 1901, anuncia o evangelho a soldados franceses, a árabes e berberes. Trabalha em favor da paz entre franceses e guerrilheiros tuaregues. No pequeno eremitério que constrói para si em Tamanrasset, recebe várias vezes a visita de Moussa Ag Amastan, chefe dos nômades e simpatizante da religião professada pelo padre Charles.

Quando estoura a Primeira Guerra Mundial na Europa (1914-1918), a Itália declara guerra à Turquia e ocupa a Líbia. Por vingança, os turcos incitam os árabes a combater os europeus.

Na noite do dia 1º de dezembro de 1916, Sarni Ag Tohra, um muçulmano fanático, junto com outros assaltantes, arrasta Charles para fora do eremitério e o fuzila.

Debaixo da cabeça despedaçada pelos disparos, a areia se avermelha de sangue. O sangue do mártir do deserto, que tanto fez para que os Tuareg fossem respeitados em sua dignidade. - Enzo Santângelo.