Colômbia

Raio de luz
nas trevas do carvão


A vida dos pequenos trabalhadores das minas de carvão colombianas já não é só sofrimento. A iniciativa começou depois de um escândalo na imprensa inglesa.


Da Redação


Dois anos e pouco atrás, uma greve nacional de mineiros obrigou a Inglaterra a comprar carvão colombiano. Tudo teria corrido às mil maravilhas para o governo inglês, se os sindicatos do país tivessem ficado de boca fechada.

Não foi o que aconteceu. As lideranças dos trabalhadores tinham um trunfo pesado nas mãos: o carvão colombiano custava mais barato porque as mineradoras exploravam a mão-de-obra infantil. A denúncia foi parar na imprensa e acabou virando um escândalo, dentro e fora da Inglaterra.

O fato chamou a atenção dos padres salesianos da Colômbia. Eles foram conferir e viram o que pouca gente poderia imaginar. O susto logo se transformaria num convite à ação, como explica o padre Darío Vanegas, diretor da Casa Dom Bosco de Medellín.


INFERNO NA TERRA - Na bacia do Sinifaná, as características do terreno não permitem a escavação de galerias muito amplas. Isso faz com que menores sejam utilizados para transportar nos ombros os sacos de carvão.

As crianças trabalham o tempo todo encolhidas. O peso das cargas, o ar empestiado e a umidade do subsolo transformam o trabalho nas minas num verdadeiro inferno.

Problemas de crescimento, doenças respiratórias, artrose precoce, dores nas colunas e anemia são males generalizados, que os pequenos trabalhadores conhecem muito bem.

A jornada de trabalho tem início às 4 da madrugada e vai até as 11 da manhã. Mais que isso seria impossível, por causa do calor no interior das minas.

O ambiente e as condições fora das minas também não ajudam. Alcoolismo, prostituição e consumo de drogas, junto com o analfabetismo e a miséria, compõem um cenário de causar arrepios.


"OPERAÇÃO AMIZADE" - Tudo isso faz com que os pequenos mineiros sejam em geral mais problemáticos que outros menores em condições de abandono. "São mais dóceis também, ainda que, quando explodem, costumam ser muito violentos", revela Vanegas.

O trabalho inicial dos salesianos foi com as crianças de La Estación, um distrito do município mineiro de Angelópolis, a 45 quilômetros de Medellín.

O primeiro passo - conta Vanegas - foi a "Operação Amizade". Era preciso chegar perto das crianças e das suas famílias.

A primeira reação foi de espanto. "Eles se perguntavam se éramos agentes do governo, se iríamos persegui-los. Na Colômbia, o trabalho de menores é contra a lei, mas muitas famílias dependem desse trabalho para sobreviver."

Mas a operação deu resultados. Cerca de setenta menores começaram a fazer parte do projeto e logo passaram para uma segunda etapa, num centro em que recebem acompanhamento de diversos tipos.

A "Operação Amizade", porém, ainda não terminou. Outras crianças existem para ser conquistadas. Por isso, duas a três vezes por semana, os padres visitam as minas e tentam novos contatos.


AMPLIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA - No centro de treinamento, a primeira iniciativa se deu no campo da alimentação. As crianças foram sendo atraídas por um bom prato de comida, no início da tarde e também depois, até a noite.

Em seguida, foi a vez da educação. A idéia era fazer com que tivessem condições de estudar. Elas continuam em suas famílias e ainda trabalham nas minas, mas já não passam o resto da tarde sem ter o que fazer, ou pior, na vadiagem. Quando deixam o trabalho, se arrumam e vão ao centro, onde almoçam e permanecem para as atividades educativas.

Fortalecidos por essa experiência, os salesianos já iniciaram o mesmo processo em La Clarita, no município de Amagá, a 35 quilômetros de Medellín. Ali também, setenta crianças freqüentam um centro semelhante.

E se uma criança quisesse abandonar o trabalho nas minas?

O padre Darío Vanegas responde que ele e a sua equipe já se colocaram o problema. Daí a preocupação em oferecer uma preparação profissional alternativa para essas crianças, com cursos de eletricidade, marcenaria, serralheria e outros. Sessenta crianças começaram a freqüentar esses cursos, e atualmente já são 140.

O programa recebe apoio financeiro de entidades beneficentes da Suíça e da Bélgica. O governo colombiano também ajuda, com verbas e pessoal.


SUCESSO DA INICIATIVA - As meninas viram o que os meninos faziam e não quiseram ficar de fora. "Um fenômeno novo e inesperado", segundo Vanegas.

Ele conta que elas, de início, ficaram olhando, curiosas. Hoje estão sendo organizados grupos semelhantes, de setenta meninas, nos dois municípios. Como no caso dos meninos, o processo inclui acompanhamento alimentar, educacional e profissional, com cursos de corte-e-costura.

Vanegas atribui a três fatores o êxito da iniciativa. É verdade que os salesianos chegaram às minas de carvão devido ao escândalo patrocinado pelos sindicatos ingleses na imprensa. Mas o fato é que a iniciativa responde "a uma verdadeira necessidade social".

Em segundo lugar, os salesianos se fazem presentes a semana toda, de segunda a sábado, nos locais onde a experiência se desenvolve. As atividades organizadas oferecem às crianças uma alternativa, uma visão diferente da vida.

Por fim, o projeto conta com o trabalho e a assessoria de pessoal qualificado, tanto na fase do contato quanto na de acompanhamento, nos centros, e de formação profissional, nas oficinas.

E aonde vai parar tudo isso? "É difícil prever", responde Vanegas.

Pensar mais longe, segundo ele, significa ter que levar em conta o envolvimento de diversos níveis da sociedade em mudanças de tipo estrutural. Mudanças que, "como ondas sucessivas, vão se estendendo sempre mais longe".

COM INFORMAÇÕES DE JUAN PABLO PEZZI