Mundo plural: Pokot

Filhos do sol
e da chuva

Os etnólogos os chamam de Suk, mas são mais conhecidos como Pokot. Sua origem é pouco explorada, ficando difícil saber de onde vêm. É possível que sejam o resultado da fusão de várias tribos vizinhas.


Etnicamente, os Pokot descendem dos povos que viviam às margens do Nilo, mais exatamente, do grupo Kalenjine. Somam cerca de 200 mil e estão concentrados numa faixa de 10 mil quilômetros quadrados no nordeste do Quênia, em duas regiões muito distintas em termos climáticos e geográficos.

Em geral, os Pokot são pequenos de estatura. Em muitos aspectos, são parecidos com seus vizinhos, os Karimoyón, povo de Uganda com o qual mantêm relações hostis. Não raro, se enfrentam em lutas armadas, quase sempre por questões de roubo de animais.

Parte dos Pokot vive num pequeno planalto, onde as chuvas são abundantes. Outra parte habita uma região de terras planas e secas. O fato de viverem em lugares assim diferentes faz com que o estilo de vida dos dois grupos, pelo menos em alguns pontos, seja bastante diverso.


GRUPOS DISTINTOS DE
UM POVO ÚNICO


Os Pokot que habitam as chamadas terras altas são agricultores, sedentários e constroem suas moradas ao lado dos campos cultivados. Preferem viver em pequenos grupos familiares, espalhados ao longo dos vales e montanhas.

Suas residências são construídas dentro de um cercado de espinhos e arbustos, com apenas duas entradas: uma para as pessoas e outra para os animais. Há ainda um celeiro e, ao centro, um lugar onde se recolhe o rebanho durante a noite.

A cabana onde vivem é circular, pequena, sem janelas e com uma minúscula porta. As paredes são feitas com uma mistura de barro e fezes de animais.

Já os Pokot que habitam as terras planas vivem num vale chamado Karapokot, uma região seca e sem vida que se estende por uns 150 quilômetros de extensão, contrastando com o verde das terras altas das montanhas.

Esses Pokot são pastores, dedicando-se à criação de vacas e cabras. São semi-nômades, pois se deslocam bastante em busca de pasto para os rebanhos, o que os impede de construir núcleos habitacionais estáveis.

Suas cabanas são simples e fáceis de desmontar, pois precisam ser transportadas de um lugar para outro. O grupo extrai dos animais os alimentos essenciais para sua subsistência.

Os horizontes de vida desse povo pastor não vão muito longe. Passam os dias cuidando dos rebanhos, num ritmo calmo e lento, interrompido apenas quando seus vizinhos, os Karimoyón e os Turkana, aparecem para roubar seus animais durante a noite.

Apesar das diferenças, tanto os Pokot dos montes quanto os da planície se consideram um único povo. Os dois grupos mantêm, essencialmente, os mesmos costumes sociais e os mesmos ritos religiosos.


CLÃ É TIDO COMO
A VERDADEIRA FAMÍLIA


Os Pokot se dividem em clãs. Seu conceito de família é muito amplo, já que o clã é tido como a verdadeira família de cada um. Assim, por exemplo, uma criança sente que tem muitas mães: a mãe verdadeira e as outras esposas e irmãs de seu pai. Da mesma forma, considera como pais tanto o seu pai biológico como os irmãos dele.

A divisão tradicional das tarefas é por gênero. As mulheres estão destinadas a ser mães, e a elas também cabe construir e manter limpa a casa, cozinhar, cuidar das crianças e da criação, ordenhar as vacas e buscar água nos rios. Os homens, tanto os garotos quanto os adultos, cuidam dos rebanhos e dos negócios.

Quem combina o casamento é o pai do noivo, que faz o trato com a família da noiva. O dote de uma mulher varia de grupo para grupo. Entre os pastores, costuma ser de vinte vacas e vinte cabras. Já entre os agricultores, o dote é bem menor.

Nos povoados mais desenvolvidos dos Pokot agricultores, as crianças têm a opção de frequëntar a escola. Nas aldeias mais distantes e entre os Pokot pastores, no entanto, não existem escolas. As crianças passam boa parte do tempo trabalhando no campo, ajudando a construir cabanas e cuidando dos animais.

Os Pokot têm um sentido de justiça muito desenvolvido, assim como um grande respeito pelos seus direitos e os direitos dos demais. Os anciãos são objeto de um especial respeito, embora sejam poucos os que conseguem chegar à velhice.


RITUAL EM NOITE
DE LUA CHEIA


Muitas cerimônias fazem parte da vida desse povo. A circuncisão é a mais importante para os jovens, já que é a base da sua iniciação. Os rapazes são circuncidados entre os quinze e os vinte anos e as moças, depois dos doze. Através da circuncisão, os jovens passam oficialmente a fazer parte da sociedade.

Outra cerimônia muito importante para os rapazes é a sapana, já que eles só podem se casar depois de ter passado por esse rito. Na sapana, o jovem precisa matar um touro para, em seguida, ser abençoado com o conteúdo do estômago do animal.

Para uma jovem esposa, a cerimônia central é o parpara, garantia de que dará à luz sem problemas a seu primeiro filho. Através desse ritual de purificação - acredita-se -, lavam-se todas as faltas cometidas pelos clãs dos pais do bebê que vai nascer. Dessa forma, evita-se que as conseqüências desses pecados recaiam sobre a futura mãe, o que tornaria o parto difícil e doloroso.

O parpara acontece numa noite de lua cheia, com a presença do avô paterno, da avó materna e de uma comitiva da família da esposa. Duas crianças cumprem um papel importante na cerimônia: um garotinho e uma garotinha, ambos com menos de quatro anos, considerados incapazes de cometer qualquer mal.

A cerimônia se estende desde o entardecer até boa parte da manhã, e consta de dois ritos principais.

Durante o primeiro rito, o presidente da cerimônia, chamado porporin, mistura em uma gamela água, terra, raízes de figueira silvestre, cerveja e mel. Enquanto mexe tudo isso com uma das mãos, em movimentos lentos e rítmicos, recita uma ladainha. A cada invocação, os presentes respondem "ye".

A ladainha é rezada uma segunda vez, de forma que vare a noite. Nela se narra toda a história do clã, desde suas origens. São relatadas também as faltas cometidas pelos seus membros durante esse período.


PARTO SEM DOR
E FILHOS SAUDÁVEIS


Pela manhã, começa o segundo rito. O porporin chama o casal e se coloca em frente à gamela preparada durante a noite. Volta então a revolver seu conteúdo, enquanto cospe dentro dela. O gesto é imitado por todos os presentes - cuspir é um sinal de bênção.

Em seguida, a mãe do marido e a mãe da esposa se aproximam, pegam um pouco do conteúdo da espécie de bacia e, com ele, untam o próprio rosto e também os peitos com os quais amamentaram os futuros pais.

A essa altura, o casal está sentado na entrada da cabana, de frente para o sol, porque dele vêm a luz e a vida. As duas crianças que os acompanham na cerimônia estão ao seu lado.

Depois de rezar pela terceira e última vez a ladainha dos pecados, o porporin acrescenta ao conteúdo da gamela algumas raízes de figueira silvestre e cospe novamente. Todos os presentes fazem o mesmo. Com a mistura, unta o casal e uma das crianças, sendo mais uma vez imitado pelos participantes. O que resta é derramado com abundante cerveja sobre o chão, como oferenda aos antepassados.

Por fim, o porporin se dirige às crianças e pergunta a cada uma - segundo as obrigações tradicionais que correspondem aos homens e às mulheres - se vão obedecer, cuidar da criação, ordenhar as vacas, cuidar da casa, etc.

A cada pergunta, o pequeno casal responde "owoy" (sim). As crianças representam os futuros filhos do novo matrimônio, e com suas respostas garantem que estes serão saudáveis e nascerão sem dificuldades.

Caso venha a acontecer um parto difícil, isso significa que o parpara não funcionou. A cerimônia terá então que ser repetida antes de a jovem esposa dar à luz novamente.


IDENTIDADE EM RISCO:
VENTOS DE TRANSFORMAÇÃO


Os Pokot são bastante ligados ao seu sistema religioso. Têm uma remota idéia de Deus, um ser supremo a quem chamam de Tororoty e de quem se aproximam através de sacrifícios expiatórios. Dão muita importância aos elementos da natureza - yion (o céu), ilat (a chuva) e asis (o sol) -, dos quais dependem para seu sustento cotidiano.

Além disso, os Pokot professam o totemismo. Julgam-se descendentes de animais como a rã, o lagarto e o leão, os quais teriam a missão de protegê-los.

Apesar de grandes apreciadores da vida, acreditam que esta termine definitivamente quando a pessoa morre. Por isso, têm muito medo da doença e da morte, que para eles representam o fim de tudo.

Os Pokot resistiram firmemente à influência colonial britânica, que obteve pouco êxito nas várias tentativas de penetrar em seus territórios.

A independência do Quênia, em 1963, não trouxe grandes modificações à sua situação sócio-cultural, já que permaneceram alheios às novas mudanças políticas. Só depois de 1979, com a abertura das estradas que levam de Nairóbi, capital do país, a Kapenguria, sede administrativa regional, os ventos de transformação começam a sacudir a indiferença desse povo.

Isso porque, além da administração central estar presente em todo o território, outras etnias - os Kikuyo, os Luo e os Luya - invadiram a região onde vivem os Pokot agricultores, apossando-se das terras mais férteis e introduzindo o cultivo extensivo do milho, feijão, batata e hortaliças.

Beneficiados pela natureza e pressionados pela chegada de outros grupos, os Pokot das terras altas estão modificando seu estilo de vida. Cabanas com muros de terra batida e tetos de zinco tomam o lugar das tradicionais choças feitas de galhos e capim. Os vestidos de pano substituem as roupas de costume, feitas com peles de animais.

Os Pokot pastores, ao contrário, continuam olhando com desconfiança para essa invasão do novo. Até quando conseguirão resistir?