Sínodo para a América

O que é isso, companheiro?

Falta pouco para a realização do Sínodo para a América, em Roma, de 16 de novembro a 12 de dezembro deste ano. O assunto, até o momento, não despertou grande interesse, nem participação.


Heitor Frisotti


A idéia da celebração de um sínodo continental de bispos, reunindo numa mesma sala representantes de todas as nações do continente americano, é de João Paulo II. A proposta foi lançada pelo papa em Santo Domingo, capital da República Dominicana, durante a realização da Quarta Conferência do Episcopado Latino-americano, em 1992.

Bem acolhida, inclusive pelos episcopados dos Estados Unidos e do Canadá, a idéia foi ganhando peso e se articulando, nos anos seguintes, como parte do projeto católico Rumo ao Novo Milênio, em preparação ao Jubileu do ano 2000. Sínodos semelhantes vão ser realizados nos outros continentes, com exceção da África, que já realizou o seu quatro anos atrás.


TEMA E FINALIDADES - Em sua carta apostólica sobre a preparação do Jubileu do ano 2000, a Tertio Millennio Adveniente, de novembro de 1994, João Paulo II voltou a falar sobre o Sínodo para a América.

O papa manifestou o desejo de que o evento ajudasse a refletir "sobre as problemáticas da nova evangelização em duas partes do mesmo continente, tão diversas entre si pela origem e pela história".

Ainda segundo o desejo do papa, o sínodo deveria também debater questões de justiça e de relações internacionais, "tendo em conta a enorme disparidade entre o Norte e o Sul" do continente.

A partir daí foram definidos o tema da assembléia sinodal - Encontro com Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América - e suas principais finalidades:


POUCOS RESPONDERAM - A Secretaria do Sínodo elaborou então um primeiro esboço de Instrumento de Trabalho - os Lineamenta -, acompanhado de um questionário. O material foi enviado a todas as dioceses do continente no ano passado.

Ao que parece, poucos brasileiros tiveram a possibilidade de participar ativamente do processo de estudo do texto e de resposta ao questionário. O conteúdo dessas respostas teve que ser enviado de volta a Brasília até 30 de novembro de 1996.

Apenas 5 arquidioceses, 16 dioceses, 27 bispos e 2 prelazias se manifestaram. Fora isso, chegaram respostas de cinco organismos católicos (Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento - Ibrades, Instituto Teológico de Santa Catarina - Itesc e os setores Social e de Comunicação da CNBB), além de quatorze respostas pessoais.

No início de maio, a Secretaria do Sínodo se reuniu em Roma para analisar tudo o que chegou dos diferentes países do continente. Espera-se para agosto a divulgação do Instrumento de Trabalho que servirá de base para as reflexões do sínodo.


SILÊNCIOS E OMISSÕES - Os Lineamenta não foram considerados um documento muito feliz. A primeira parte, que traz uma reflexão teológica sobre Jesus Cristo, até que não desagradou muito. O restante do documento, porém, parece não ter personalidade.

A análise das questões sociais é pouco precisa, além de confusa. As questões econômicas são tratadas de maneira superficial.

Contrariamente ao desejo expresso pelo papa em sua carta apostólica sobre o Jubileu do ano 2000, não se tocam em problemas como dívida externa, armamentos, concentração de terra, neoliberalismo e exclusão, imigrações, relações internacionais e outros, de suma importância para uma compreensão da situação em que vivem os povos americanos.

Além disso, a história da Igreja no continente ficou esquecida, bem como as diferenças - e divergências - entre povos, culturas e nações.

Quando o texto toca no tema da cultura, a impressão é que se deram passos atrás em relação ao que já foi produzido por Roma sobre o assunto. Pouco se fala das outras religiões, dos conflitos entre os vários grupos étnicos, do racismo e do anti-semitismo, da situação dos povos indígenas, da situação da mulher e do seu papel na Igreja e na sociedade.


RIQUEZAS ESQUECIDAS - Há silêncios e omissões que assustam, sobre coisas que pertencem à identidade da Igreja nos países latino-americanos e constituem suas maiores riquezas.

Não se fala em Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais, na leitura popular da bíblia, nos mártires que fecundaram esse chão tão sofrido e na Teologia da Libertação que, no dizer de João Paulo II, "é, não somente oportuna, mas útil e necessária".

Também não há nada sobre as expressões da Igreja enquanto povo de Deus, mais colegial: os organimos interdiocesanos e internacionais, as conferências dos religiosos, as várias instituições ecumênicas, as associações de teólogos...

Aliás, foram esquecidas as próprias conferências episcopais dos vários países, seus documentos e, inclusive, os documentos das assembléias latino-americanas de Medellín (1968), Puebla (1979) e Santo Domingo (1992).


FALTA "IMPACTO" - É fácil compreender o peso das reações ao documento. Não foram poucos os que pensaram incialmente em levar em conta apenas o questionário final - bem diferente em tom e preocupações.

Em seguida, vieram as críticas, precisas e contundentes. Como, por exemplo, do teólogo José Oscar Beozzo, cujas posições foram assumidas e endossadas por vários outros teólogos e pastores.

A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), considerando que não bastava responder às perguntas, fez várias observações quanto ao método, conteúdo e omissões do texto enviado de Roma (veja quadro).

Os bispos brasileiros elaboraram além disso um Esboço de uma proposta para o "Instrumento de Trabalho", em que sugerem "tratar os temas do sínodo de forma mais concentrada e 'impactante', evitando as descrições do que já é ilustrado fartamente em outros documentos do Magistério".

Segundo essa proposta, a preparação do sínodo deveria ressaltar principalmente "os aspectos novos e mais questionadores" da atualidade do continente, de forma a "produzir impacto sobre a opinião pública".


"AMARGO NA BOCA" - Não é só questão de opinião pública. É de se lamentar, também, a pouca incidência que o assunto está tendo dentro da própria Igreja. Até o momento, o Sínodo para a América não tem causado "impacto", como querem os bispos, nem mesmo nas dioceses, paróquias, comunidades e movimentos eclesiais do Brasil.

O fato é que a grande maioria dos cristãos católicos nada sabe do sínodo, apesar de faltar uns poucos meses para a sua realização. Parece remota a possibilidade de envolver um grande número de pessoas na reflexão sobre os temas propostos e numa preparação do evento na base.

Para quem participou alguma vez de uma grande assembléia de comunidades cristãs, como pode ser um Intereclesial de Comunidades Eclesiais de Base (veja matéria na página 13) - e sabe o que isso significa em termos de preparação, reflexão, envolvimento e mobilização de pessoas -, fica uma sensação de amargo na boca.

Como seria diferente uma Assembléia da Igreja na América, com a participação de representantes de todo o povo de Deus, para falar de seus problemas, testemunhar sua fé e esperança na virada do século e estreitar novos e mais duradouros laços de solidariedade, alicerçados em comunidades vivas!


Opinião dos bispos

Críticas aos Lineamenta, na introdução à síntese das respostas ao questionário.

Falando de Sínodo para a América, no singular, acentuam-se os aspectos "comuns" às Américas "como uma única realidade geográfica". Mas muitos lembram a proposta do papa na Tertio Millennio Adveniente, que fala de um Sínodo para as Américas, no plural, e não simplesmente para a América.

Joga-se desta forma luz não apenas no que há de comum, mas também no que há de diferença,"pela origem e pela história", entre as Américas. Acham alguns que, tratando dos "problemas comuns", corre-se o risco de esquecer as divergências e os conflitos entre o Norte rico e o Sul subdesenvolvido. Como deseja o papa, o sínodo deveria dar conta da "enorme disparidade entre o Norte e o Sul" (cf. Tertio Millennio Adveniente, 38).

(...) Pede-se retomar a metodologia do próprio Concílio Vaticano II e sua teologia dos "sinais dos tempos" (cf. GS 1,4) e, conseqüentemente, valorizar mais a contribuição das ciências humanas (econômicas, políticas, sociais...). Assim, atender-se-ia melhor à tradição recente da Igreja na América Latina com relação ao método "ver-julgar-agir": ver criticamente a realidade, iluminá-la com a luz da Palavra de Deus e da Tradição e buscar perspectivas para o futuro.

Sobre o conteúdo dos Lineamenta, há opiniões diferenciadas. Observa-se que: não valoriza o magistério das Igrejas das Américas e, sobretudo, sua experiência no exercício da colegialidade nas respectivas conferências episcopais; não valoriza suficientemente as experiências eclesiais das Igrejas do continente; deveria aprofundar melhor a dimensão trinitária da fé cristológica; é importante colocar o fundamento cristológico da solidariedade; a temática da inculturação deveria ser tratada com mais propriedade.

Vários aspectos ou temas, importantes para a vida eclesial, não foram contemplados: a análise do sistema neoliberal; as teologias do continente; as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais; a nova consciência da mulher na sociedade e na Igreja; a vida consagrada no continente, sobretudo a vida religiosa inserida no meio dos pobres; a santidade martirial não só do passado, mas também no nosso tempo; a análise crítica das deficiências das estruturas internas da Igreja e dos ministérios.

(Volta ao texto)