Mundo plural: Karamojong

Um povo capaz
de celebrar a alegria


Somam cerca de 400 mil e vivem em Karamoja, um território de 30 mil quilômetros quadrados no nordeste de Uganda, na fronteira com o Sudão e o Quênia. Região semi-árida, falta chuva e sobram plantas espinhosas... e também alegria!

Os Karamojong dedicam-se exclusivamente à criação de gado e ao pastoreio. Altos e fortes, devem sua constituição física ao clima seco e saudável das regiões semi-áridas, bem como à vida semi-nômade de pastores.

Mas não é só isso. Têm também uma alimentação substanciosa, à base de farinha de milho, manteiga e carne, enriquecida por uma bebida típica, feita com cevada e lúpulo fermentados.

A terra onde vivem é inóspita, com falta de água e, conseqüentemente, de produtos agrícolas. Mas os Karamojong têm conseguido superar as adversidades. Graças a seu estilo de vida e à criação de gado, vêm bravamente vencendo a batalha da sobrevivência - e isso há séculos.


TOPETES DE PLUMAS
E COLARES MULTICOLORIDOS


Suas aldeias, de um formato quase circular, são rodeadas por estacas de galhos espinhosos com aproximadamente um metro de altura. Ao centro estão dispostas as cabanas, cuja construção é tarefa das mulheres. Pequenas e redondas, com uns dois metros de diâmetro e tetos em forma de cone, são feitas com paus, espinhos, palha e barro. O chão é de terra batida.

Os rapazes, depois da puberdade, deixam o cabelo crescer, formando uma espécie de topete que é preso com tiras de cortiça. Assim que o cabelo cresce bastante, são feitos pequenos buracos no penteado e neles se fincam plumas de avestruz, um adorno usado especialmente nas cerimônias.

O penteado das mulheres é bem mais discreto, com diminutas tranças. Em compensação, os enfeites usados no corpo são exuberantes. Elas se cobrem de colares e usam brincos em abundância, além de argolas e gargantilhas.

Esses adornos adquirem todo seu resplendor durante a solene festa da atuwa, ou festa da alegria.

Na véspera da celebração, chegam de todas as partes grupos de homens vestidos com peles de leopardo, trazendo grandes penachos de plumas de avestruz na cabeça e sininhos de metal nas pernas e nos braços.

As mulheres, por sua vez, se enfeitam com vários colares de pérolas multicoloridas no pescoço e na cintura.

As manifestações da vida religiosa são variadas. Algumas são de caráter público e solene, enquanto outras são privadas.

Os Karamojong crêem em um ser supremo, ao qual oferecem animais em sacrifício. Os motivos são inúmeros: para implorar por chuva, afastar as enfermidades, arrumar esposa ou, simplesmente, para agradecer por dons e graças recebidos.


GADO É TRABALHO E VIDA
PARA OS KARAMOJONG


A vida social e econômica está centralizada na criação de gado, que constitui o trabalho, a vida e o amor desse povo. O nome escolhido para um bebê, a iniciação à vida adulta, a chegada da velhice, o matrimônio e toda sorte de ritos têm sempre alguma relação com o gado. Para eles, as vacas ocupam uma categoria intermediária entre o ser humano e todos os outros animais.

Os Karamojong nascem pastores e levam essa prática no sangue. A tarefa de cuidar dos animais, que desempenham desde a infância, está reservada ao homens. Às mulheres cabe a agricultura, que é escassa. Costumam cultivar milho e sorgo, mas a falta de chuva e de instrumentos adequados, na maioria das vezes, não permite que se obtenha os frutos desejados.

Os Karamojong são um povo orgulhoso de sua cultura e tradições. Um exemplo significativo é a festa da alegria (atuwa), que celebram no período que vai da lua de setembro até a de novembro, ao final da estação das chuvas. Normalmente, essa festa se repete a cada cinco ou dez anos, mas também pode ser diferente. Além disso, é feita em sistema de rodízio, sendo celebrada cada vez por uma das sete tribos que compõem o mesmo povo.

Para celebrar a atuwa, é necessário antes de tudo dispor de bois grandes que, de tão velhos, já não conseguem mais se movimentar direito. Se um jovem tem um boi assim, deve comunicar a seu pai, que lhe mandará ver se há outros da tribo dispostos a dar um fim nos animais nessas condições. Mas só pode oferecer bois quem pertence aos clãs sagrados dos Ngitaruk, Ngikaala e Ngimailoko.

Quando tudo está acertado, durante um mês, os organizadores se reúnem várias vezes no bosque, debaixo de uma grande árvore, para discutir sobre a época exata e as modalidades da celebração. Tomadas as decisões, os jovens anunciam aos anciãos, homens e mulheres: "Lancem o sorgo na água para que fermente. Quando os bois forem mortos, distribuam a bebida. Virão muitos convidados".

Assim que aparece a lua durante a qual a tradição manda que seja celebrada a atuwa, os jovens informam oficialmente ao chefe e ao subchefe da tribo. O chefe, então, congratula-se com os organizadores e lhes pede uma soma em dinheiro como pagamento pela utilização da praça do povo. Dessa forma, todos ficam sabendo que deverão se reunir naquele lugar para a festa da alegria.


CARNE E BEBIDA À VONTADE:
POVO EM FESTA


Chegado o dia, os numerosos convidados avançam alegremente, como bandos de pássaros rumo ao palco da festa, dançando, cantando e tocando a típica corneta, um instrumento feito com chifre de antílope. Parentes e amigos se saúdam, e todo mundo se dirige ao lugar estabelecido.

Quando todos estão acomodados, os jovens do lugar trazem dois ou três bois para o centro da praça e os matam com suas lanças. Depois, cortam-nos em pedaços e distribuem a carne aos presentes, sem distinção.

O brilho das chamas das fogueiras complementa, bastante sugestivamente, o cenário da festa. As mulheres do lugar oferecem bebida. Homens, mulheres e crianças se misturam no banquete que dá início à celebração.

De repente, durante a noite, o som agudo de uma corneta desperta a todos, convidando para a primeira dança. Em meio a muitos agitos e tropeços, a multidão finalmente consegue se reunir, formando um só grupo.

Alegria geral. Todos dançam ritmicamente, entoando o solene canto do akimwomwor, ao som das cornetas e acompanhados pelos gritos das mulheres.

E assim vai a noite toda, entre cantos e danças, com apenas pequenas pausas para comer.


NEM POBREZA NEM DOENÇAS
PARA O POVO


Ao amanhecer, os organizadores juntam num mesmo lugar todos os bois doados para a festa. Por volta das oito horas, os animais são empurrados em direção à árvore onde estão reunidos os anciãos. Soa um disparo, e os jovens se atiram sobre os bois, matando-os com suas lanças. A cena causa grande alvoroço e frenesi, devido ao número de bois sacrificados - cerca de quinze ou vinte.

Os organizadores oferecem então um boi a cada grupo de convidados, subdivididos por regiões. Os demais bois são para a assembléia dos anciãos do lugar onde é celebrada a atuwa. Os que mataram os animais ficam com a parte dianteira dos mesmos, incluindo cabeça, pescoço, costelas, coração, fígado e pulmões.

Antes do novo banquete, os homens já iniciados na vida adulta se juntam debaixo de um grande tamarindo ou figueira silvestre, onde a assembléia está reunida para os grandes discursos oficiais.

Esses discursos são uma mescla de conjuros e invocações à divindade, e repetem todos o mesmo refrão: "Os Karamojong estão aqui, estão suas mulheres, estão suas vacas, seus estábulos! Os Karamojong são ricos e poderosos! Que venha a chuva! Que o milho amadureça! Que as enfermidades fiquem longe das pessoas e dos animais!", etc., etc.


CARNE REPARTIDA:
FILÉS PARA OS ANCIÃOS


Depois disso, celebra-se o banquete oficial, segundo o costume tradicional. Os jovens da classe dos Ngignetes realizam todos os serviços necessários. Embora a carne oficialmente pertença aos anciãos, estes, bondosamente, a repartem com jovens e mulheres. Mas não sem antes reservar para si os músculos e os filés.

Moças e rapazes ainda não iniciados sabem que são pessoas de segunda categoria na sociedade karamojong. Sabem também que não podem acompanhar os homens ao lugar do banquete. Assim, formam pequenos grupos e se retiram para comer à sombra das árvores, sempre calados ou falando em voz baixa.

Quando termina o banquete dos diversos grupos, escuta-se o sonido prolongado da corneta. Rapidamente, então, homens, mulheres e anciãos se reúnem para a dança oficial exigida pelo cerimonial, de uma solenidade quase sagrada. Essa dança - o akimwomwor - é bastante longa. Através do canto e do movimento, expressa maravilhosamente os sentimentos comuns de fraternidade e alegria.

Ao entardecer, já exaustos por causa da dança, os convidados se dispersam pelas aldeias, nas casas de amigos e parentes, para tomar a bebida local numa atmosfera de serenidade e descontração. À noite, a dança se repetirá, podendo durar até bem tarde. E durante dez dias, de manhã à noite, haverá danças sem fim. É a alegria transbordante da atuwa!

Ao fim de dez dias, farto de comer e dançar, o povo começa pouco a pouco a se dispersar, regressando às suas respectivas regiões e aldeias. Carrega consigo a felicidade de haver renovado, ou consolidado, vínculos mais fortes de fraternidade e de parentesco.

Para os Karamojong, atuwa significa celebrar a amizade e a grande alegria, despreocupada e comunitária, que une os componentes de um pequeno núcleo familiar ao grupo regional e étnico a que pertencem.

E a todos que ofereceram os bois para a festa, os votos são um só: "Que sejam cada vez mais felizes e ricos!"