Imprensa na África

Liberdade condicional

Exercício da profissão de jornalista sofre sérias restrições no continente.


Norberto Imbosa

ASSASSINATOS DE JORNALISTAS
EM ALGUNS PAÍSES LATINO-AMERICANOS (1970-1997)


	 País		Vítimas
	México		  90
	Colômbia	  81
	Guatemala	  51
	El Salvador	  44
	Argentina	  27
	Chile		  25
	Peru		  25
	Brasil		  10

FONTE: FELAP/NOTICIAS ALIADAS


A liberdade de imprensa, uma das mais evidentes expressões da democracia, é fato consumado em alguns dos países africanos. É que, de mãos dadas com o surgimento de plataformas democráticas, veio também o desejo de pensar, bem como o de dizer e escrever o que se pensa.

Não é sempre o caso, infelizmente. Em 1995, um relatório publicado pelo Instituto Internacional de Imprensa falava de "mudanças cosméticas" introduzidas por governos africanos "para criar a ilusão de progresso no caminho da democratização".

Alguns governos, com o objetivo de mostrar uma atitude mais liberal, autorizam publicações independentes. Entretanto, não é raro haver punições, por meio de taxas e regulamentos que incidem sobre todos os níveis do processo de produção de informações, incluindo a distribuição.

Mas não há dúvida de que os ventos de liberdade que sopraram fortemente sobre o Leste Europeu, no final da década de 80 e início dos anos 90, atingiram também a África.

Até então, desde o fim do colonialismo, muitos líderes africanos levaram em frente a política de partido único, suprimindo qualquer oposição. Com as mudanças, tentou-se resgatar o idealismo que inspirou originalmente os movimentos africanos em prol da independência.


DECLARAÇÃO DE WINDHOEK - Em maio de 1991, mais de cem delegados, a maioria africanos, participaram de uma conferência em Windhoek, a capital da Namíbia. O encontro durou cinco dias e nele foi debatida a necessidade de se promover uma imprensa independente e pluralista na África.

O resultado foi a chamada Declaração de Windhoek. O documento cobrava dos governos africanos garantias constitucionais de liberdade de imprensa e associação, porque "essas liberdades são fundamentais para a realização das aspirações humanas".

Desde então, muito progresso tem sido feito.

Em nosso país, por exemplo, a África do Sul: os incontáveis regulamentos e proibições impostos à imprensa durante a era do apartheid têm sido revogados, e não há nenhuma ameaça de peso ao exercício da profissão de jornalista, por parte do governo ou de qualquer instância legal.

Até mesmo na República de Gana, o vento democrático de mudança, que vem soprando sobre o continente negro desde 1990, transformou o sistema de partido único virtualmente em coisa do passado. A imprensa privada veicula informações dos grupos de oposição, enquanto a mídia oficial continua a refletir o ponto de vista governamental. Mas existe, também neste caso, um certo espaço para um leque maior de opiniões.

Também no Senegal a liberdade de imprensa está garantida, mesmo com a persistência da crise econômica que o país atravessa. De acordo com Alain Agboton, um jornalista senegalês, "é mais uma questão de ampliar essa liberdade do que de conquistá-la, de lutar por ela". O mínimo que se pode dizer é que o pessoal de imprensa não está sendo mandado para a prisão por causa do que publica, nem jornais têm sido forçados a fechar.


IMPRENSA SITIADA - A nova era de tolerância e liberdade está sendo experimentada em muitos países africanos. Cresceu, com isso, o número de jornalistas que têm a coragem de ser mais francos e objetivos ao reportar o que vêem e ouvem.

Infelizmente, essa tendência é encarada por alguns líderes políticos como uma ameaça às suas administrações e ao seu modo de governar. Não são poucas as publicações que foram forçadas a fechar, e é também relevante o número de jornalistas arbitrariamente demitidos, processados, presos e até assassinados.

Em meio à euforia pela liberdade conquistada com a Conferência Nacional de fevereiro de 1990, cinqüenta jornais independentes surgiram em Benin. Seis anos depois não passavam de dez os que continuavam existindo, e apenas cinco apareciam regularmente.

"É um escândalo!", desabafa Maurice Chabi, um jornalista local. Ele conta que o pessoal de rádio e televisão recebe ordens do Ministério das Comunicações, que repassa para os profissionais as diretrizes da política governamental no campo da informação.

Essas diretrizes não podem ser modificadas, sob ameaça de demissão. Um dos poucos jornais independentes é o La Croix, pertencente à Igreja católica, que ainda consegue resistir ao aumento da pressão para manter toda a imprensa do país sob o guarda-chuva do governo.

No Zaire [o autor escreve antes da queda do ditador Mobutu], a liberdade de imprensa é oficialmente reconhecida, mas está continuamente sob ataques. Ser jornalista significa ser um freqüentador de prisões.

"As autoridades, o estado político atual, a situação sócio-econômica, tudo isso está causando a ruína de uma verdadeira imprensa livre, destinada a informar as pessoas", diz o correspondente Louis Kalonji Kalantanda . Ele prossegue: "Tudo age contra os jornalistas que trabalham com honestidade e lealdade. É impossível, para eles, apresentar os fatos como são".


GÂMBIA E BURUNDI - A sensação geral é que os governantes não querem uma imprensa livre. Nessa situação, ética e profissionalismo jornalístico são simplesmente pisoteados.

Na Gâmbia, desde a derrubada do governo democraticamente eleito de Dawda Kairaba Jawara, em julho de 94, há uma lista sem fim de jornalistas detidos e presos, além de correspondentes internacionais deportados pela junta militar.

Situação muito peculiar é a do Burundi, onde um tipo de jornalismo sensacionalista estimula freqüentemente o ódio e incita ao assassinato, nos conflitos entre as duas grandes etnias do país, a dos Hutu e a dos Tutsi.

Na edição de 8 de março de 1995, Le Carrefour des Idées publicou os nomes de Hutu que deveriam ser mortos, acusando-os de serem extremistas. E alguns deles foram de fato assassinados.

Outro jornal, Le Patriote, segue mais ou menos a mesma linha editorial, publicando coisas que apenas ajudam a destruir o espírito dos leitores.


VOZ DOS SEM-VOZ - Não é fácil lidar com a situação generalizada de hostilidade política e de fortes crises econômicas no continente africano. Mais do que nunca, é necessário que as leis sejam revistas, para incluir cláusulas que protejam efetivamente os jornalistas no cumprimento de suas tarefas.

Respeito pela liberdade de imprensa é essencial para se dar "voz aos que não têm voz", àqueles cujos direitos têm sido negados.

Afinal, o Artigo 9º da Carta Africana de Direitos Humanos declara que "todo indivíduo deve ter o direito de ser informado e o direito de expressar e difundir suas opiniões de acordo com a lei".

É fundamental que os cidadãos tenham condições de fazer com que suas opiniões sejam ouvidas, num clima de tolerância e diálogo.


Ruim também na banda de cá

O tema dos ataques contra jornalistas, incluindo o assassinato, voltou a ganhar atualidade na América Latina com a morte, no dia 26 de janeiro deste ano, de José Luís Cabezas, fotógrafo da revista argentina Noticias.

Dados da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) indicam que, nos últimos oitos anos, foram 170 os jornalistas assassinados na região.

A Federação Latino-Americana de Imprensa (Felap), com sede no México, informou que, com a morte de Cabezas, somam 392 os jornalistas latino-americanos assassinados desde 1970, enquanto os desaparecidos, até 1994, totalizavam 150.

O de Cabezas é o primeiro caso de assassinato de um jornalista na América Latina desde o final de 1995, quando morreram três (dois no México e um na Guatemala). Também é o primeiro caso comprovado na Argentina desde o retorno do país à democracia, em 1983.

A União de Trabalhadores de Imprensa de Buenos Aires informou porém que, desde o início do governo Carlos Menem, mais de 720 jornalistas, operadores de câmeras e fotógrafos sofreram "agressões físicas, ameaças, intimidações e processos na Justiça".

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), com sede na França, em seu relatório de maio do ano passado sobre a situação da imprensa no mundo, informou que uma das formas hoje mais comuns de controle da imprensa, em nível internacional, é o recurso à Justiça.

Como ocorreu recentemente na Venezuela, por exemplo: o autor de um livro que nomeia juízes corruptos foi condenado a um ano de prisão, acusado de difamação por dois dos juízes citados.

"A impunidade e a injustiça são um segundo crime contra a memória das vítimas", assinala RSF. - IPS/NOTICIAS ALIADAS