Estados Unidos

Combustível para a
indústria da morte

Clinton libera a venda de armas avançadas para a América Latina.


No primeiro dia de agosto, o presidente Bill Clinton levantou a proibição da venda de armas sofisticadas (aviões de combate, por exemplo) para a América Latina, que vigorava há vinte anos.

O embargo teve início em 1977, no governo Carter, quando a região vivia ainda sob o peso de ferozes ditaduras militares, a maioria implantada com o incentivo e o apoio do Grande Irmão do Norte.

Com a democracia sorrindo novamente na maior parte da América Latina, a "colaboração" entre os Estados Unidos e os países latino-americanos teria alcançado um novo nível de "maturidade, cooperação e diálogo". É o que pôde ser lido num comunicado oficial da Casa Branca, a sede do governo, a respeito do assunto.


OUTRA LÓGICA - Tudo será feito de acordo com os objetivos de "promover a estabilidade, a moderação e a cooperação na região", disse Mike McCurry, porta-voz de Clinton.

Mas ninguém duvida que, ao levantar o embargo, Clinton cede às pressões da poderosa indústria bélica do país, que nunca gostou da idéia de não poder vender armas para quem quer que seja.

A deputada nova-iorquina Nita Lowey, do Partido Democrata - o mesmo de Clinton -, disse isso com todas as letras. Segundo ela, a decisão vai causar uma corrida armamentista no subcontinente e tirar verbas dos orçamentos nacionais que poderiam ser empregadas na área social.

A indústria bélica, porém, aposta numa outra lógica: a venda de armas para um determinado país induz os seus vizinhos a se armar também, num caminho que não tem fim, e isso é bom. Significa dólares, montanhas de dólares - qualquer coisa entre 1 bilhão e 5 bilhões anualmente, segundo avaliam os especialistas do mercado de armas na América Latina.


"MUNDO MAIS SEGURO" - O Chile já anunciou a intenção de comprar até duas dúzias de caças F-16 dos Estados Unidos. No ano passado, segundo notícias da imprensa, a Força Aérea Brasileira andou sondando a possibilidade de comprar, num futuro próximo, algumas dezenas dos mesmos aviões.

"Ainda que tendo encolhido cerca de 40% em relação ao recorde mundial de 1987, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos calcula em 811 bilhões de dólares os gastos militares mundiais em 1996", escreveu Gilberto Dupas, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, em artigo para O Estado de S. Paulo.

A indústria de armas dos Estados Unidos não está a fim de perder a dianteira no domínio do grandioso negócio. Das dez líderes mundiais do setor, cinco empresas estadunidenses detêm 72% das vendas.

O objetivo da venda de armas "é tornar o mundo mais seguro", declarou recentemente Alan Mulally, que é diretor encarregado da área de armamentos da Boeing, uma das campeãs estadunidenses.


PAZ DIFÍCIL - Na opinião de Dupas, "trata-se de uma tentativa assustadora de ressuscitar a ética do 'equilíbrio do terror'", que vigorou na época da Guerra Fria, que opunha os Estados Unidos e a União Soviética de então: "Vamos estabelecer a paz vendendo, em toda parte, armas cada vez mais poderosas para todos!".

Dupas comenta que "é fascinante e macabro como se constroem valores e princípios no mundo atual".

Ele lembra o cerco cada vez maior que o governo dos Estados Unidos faz, por exemplo, contra a indústria do fumo. "No entanto, as indústrias de armamentos querem ser vistas com a mesma benevolência de quem vende um inocente refrigerante."

A conclusão é que, "realmente, sendo tão importante o negócio das armas, não vai ser fácil construir a paz".