Sonho de Deus

Marcelo Barros


Todo ano, entre 18 e 25 de janeiro, nos países da Europa e da América do Norte, comunidades de diversas Igrejas cristãs se unem para celebrar a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos. No Hemisfério Sul, neste ano, a semana é celebrada de 24 a 31 de maio. Como sempre, nos dias que vêm antes da Festa de Pentecostes.

Por que dedicar uma semana do ano especialmente à oração para a unidade das Igrejas – e, hoje, poderíamos acrescentar, para o diálogo e a busca de comunhão entre as diferentes religiões e culturas?

A iniciativa teve origem, no início deste século, em ambientes cristãos convencidos de que a unidade verdadeira e profunda só pode acontecer por obra e graça de Deus.

Hoje, a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos é preparada em conjunto por um organismo do Conselho Mundial de Igrejas e um secretariado da Igreja Católica Romana.


Em setembro de 92, em Quito, capital do Equador, um grupo numeroso de pessoas de toda a América Latina, não só cristãs, ao final da primeira Assembléia do Povo de Deus, deixou registrado que "Deus tem um sonho: reunir toda a família humana a partir da lei suprema do amor".

Será isso possível? Ou é coisa que só acontecerá no fim dos tempos?

A bíblia fala da "paz perfeita" como bem messiânico, dos fins dos tempos: "O lobo habitará com o cordeiro, o leopardo deitar-se-á com o cabrito, o bezerro e o leãozinho alimentar-se-ão juntos".

Entretanto, há mediações e etapas para se chegar lá. Jesus proclamou felizes as pessoas que constroem a paz – já hoje, neste mundo. Para Jesus, também a unidade dos discípulos não é coisa só para o fim dos tempos...

Um número cada vez maior de pessoas se dá hoje conta da responsabilidade das religiões, e particularmente do cristianismo, nesse trabalho de construção da paz.


Em 25 de janeiro de 1959, o mundo ficou sabendo de uma notícia surpreendente. Quando participava do encerramento da Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos na Basílica de São Paulo, em Roma, o papa João XXIII anunciou o desejo de convocar um novo concílio ecumênico. Um concílio que preparasse a Igreja para a unidade visível de todos os cristãos.

Parece que a idéia, no início, era reunir católicos, evangélicos e ortodoxos num concílio verdadeiramente ecumênico, para uma grande reforma espiritual da Igreja. Durante a preparação, o papa teve de ceder.

Iniciado em 1962, o Concílio Vaticano II ficou restrito aos bispos católicos. Representantes de outras Igrejas cristãs participaram como observadores.

Mas não há dúvida de que o concílio representou um novo Pentecostes para a Igreja católica. E também um importante passo no caminho da unidade e do diálogo do cristianismo com o mundo. Nenhum dogma foi proclamado. Ninguém foi condenado.


Quem conheceu a Igreja antes do Concílio, sabe que só uma ação do Espírito poderia realizar tamanha mudança. Algumas conquistas são irreversíveis: maior atenção à bíblia, espiritualidade mais centrada no Cristo Ressuscitado e na vida do Espírito, pastoral fundamentada no serviço, valorização da Igreja como comunidade...

Outros aspectos tiveram ali um início. Como dependiam de uma mudança de espírito, não puderam ser aprofundados, ou fracassaram. Por exemplo, uma compreensão mais evangélica dos ministérios e um modo não pecaminoso de exercer o poder dentro da Igreja.

Nesse campo, vamos ter que esperar um novo concílio. De preferência, que seja feito longe do Vaticano e que não se contente em oferecer critérios vagos sobre o assunto. Um concílio que retome o mandamento de Jesus sobre a humildade de quem exerce o serviço. Que fale do sacerdócio real dos batizados e da igualdade absoluta do homem e da mulher no plano da fé.



___________
Marcelo Barros é monge beneditino em Goiás e escritor. Tem vinte livros publicados, dos quais o último é o romance A secreta magia do caminho (Record/Nova Era, 1997).