Diário de Missão

Aventura em Chiapas

Maria Isabel Flores

Com certeza, vocês estão a par do conflito que, desde 1994, acontece no estado mexicano de Chiapas. É uma guerra de baixa intensidade, conduzida pelo governo, que traz muita dor, sofrimento e morte para os indígenas. Como é possível ficar indiferentes?

No final de novembro e início de dezembro do ano passado, tive oportunidade de participar da Missão Civil Nacional e Internacional de Observação pela Paz em Chiapas.

Éramos 44 representantes de organizações não-governamentais, jornalistas, quatro parlamentares e quatro religiosas. O objetivo era alcançar as zonas de conflito e ver de perto o que de fato acontece, para depois denunciar ao país e ao mundo o que os indígenas estão sofrendo.


Participamos de uma reunião em San Cristóbal de las Casas, no centro de direitos humanos da diocese, e nos dividimos em três grupos. Um foi para Chenalhó, outro para Misopa e um terceiro seguiu para Sabanilla. A idéia era chegar até San Marcos, um lugar perdido no meio das montanhas, com centenas de refugiados.

Fiz parte do grupo que foi para Sabanilla. Éramos nove pessoas, cinco homens e quatro mulheres. Partimos de San Cristóbal de las Casas às 6 da manhã de 30 de novembro com o plano de chegar a San Marcos antes de escurecer, passar o dia seguinte com o povo do lugar e regressar no terceiro dia.

Encontramos muitas dificuldades pelo caminho, devido à chuva. O máximo que conseguimos foi chegar até Tila, lá pelas 4 da tarde, depois de muitos sustos. Quase que a camioneta virava. Levamos umas três horas para tirá-la do atoleiro.


Em Tila, que é um povoado grande, tivemos que passar a noite, porque o trecho de estrada até San Marcos era ainda pior.

Num encontro com o padre do lugar, ficamos sabendo da situação difícil em que vive a população: a insegurança, o temor, as ameaças. Ele contou que não pode visitar metade das comunidades, por causa das ameaças e do cerco militar nas estradas. Alguns catequistas foram falsamente acusados e detidos pelos militares. Nem trabalhar na roça as pessoas conseguem. Elas se sentem ameaçadas.

Também conversamos com o prefeito e um vereador. Parece difícil acreditar, mas o prefeito nega a presença de grupos paramilitares na região. Na opinião dele, tudo corre bem. O vereador parece mais honesto. Reconhece que existem problemas e que muita gente perdeu suas casas. Também falou do grupo paramilitar "Paz y Justicia", o mais conhecido e violento.

No dia seguinte, partimos de Tila às 5 da manhã em direção a Sabanilla. Luciano, um indígena do lugar, foi nosso guia durante o resto da viagem. Só conseguimos avançar uns poucos quilômetros de camioneta. Depois de atravessar vários atoleiros, encontramos a estrada interrompida por um deslizamento de terra. Quem pôde, seguiu a pé.


Foi uma aventura. Caminhamos umas oito horas na lama, cruzando rios e córregos, subindo e descendo despenhadeiros. O caminho era difícil, mas contamos com o incentivo de Luciano. À noite, chegamos a um lugar chamado San Rafael, com fome, cansados, molhados e com lama até na cabeça. Mas estávamos felizes.

Fiquei emocionada ao ver a ansiedade e a esperança com que o povo do lugar nos esperava. Valeu a pena chegar até lá para encontrar aquela gente. Logo nos ofereceram uns "frijolitos", uma caneca de café e umas tortilhas quentes.

Enquanto comíamos, as crianças foram se aproximando de nós. Cortava o coração ouvi-las contar tudo o que tinham passado, a dor, a tristeza e a confusão na hora da fuga, a ameaça constante e a insegurança, depois de terem visto morrer vizinhos e conhecidos.

Depois da janta, tivemos uma reunião. Participaram mais de setenta pessoas, que tinham vindo de vários lugares só para conversar com a gente. Primeiro tomaram a palavra as mulheres, depois as crianças e, por último, os homens.

Falaram da dor, da angústia, do medo, do sentimento de impotência, das necessidades... Contaram como tiveram que fugir às pressas, sem poder levar nada. Os paramilitares dispararam contra as casas. Depois as saquearam e queimaram.

As pessoas não têm roupa, comida, remédios, água. Falta tudo. As crianças estão sem escola, e os enfermos não têm como se tratar. Todos pediram muito que não sejam deixados sozinhos. Querem que falemos do que estão sofrendo para o mundo inteiro.


Dou graças a Deus por ter participado dessa missão. Me ajudou a ver de perto o sofrimento dos indígenas de Chiapas, seu desejo de paz e de justiça. Vi a luta dessa gente em defesa de sua dignidade. Querem ser respeitados como homens e mulheres com valores e riquezas próprios.

Fiquei impressionada ao ver a fé e a esperança de todos. A situação em que vivem é terrível. Mesmo assim, são capazes de sentir que Deus está com eles. É isso que os anima a seguir em frente.