Chico Mendes

Memória e compromisso


Sete anos sem
Chico Mendes

Assassinado em dezembro de 1988, os sentimentos e ações que foram a memória de sua vida não morrerram. O que não se sabe direito é por que os assassinos de Chico mendes não foram até hoje recapturados.

Sete anos atrás, a morte de Francisco Alves Mendes Filho, ou Chico Mendes, causou forte indignação dentro e fora do Brasil. O líder sindical e defensor da floresta amazônica e de sua gente foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 por Darci Alves Pereira, filho de Darly Alves da Silva, fazendeiros, proprietários de 30 mil hectares de terras em Xapuri (188 quilômetros a sudoeste de Rio Branco), no Acre.
O assassinato ocorreu poucos meses após Chico Mendes ter denunciado à Polícia Federal os fazendeiros Darly e seu irmão Alvarino Alves da Silva por ameaças à sua vida e pelo assassinato do delegado sindical Ivair Higino, em junho de 1988. Além dessas acusações, Chico Mendes fez chegar às autoridades do Acre um pedido de prisão de Darly Alves, acusado de ter matado o corretor de imóveis Acir Urizzi, em 1973, na cidade de Umuarama/PR. O antigo pedido de prisão tinha sido expedido pela Justiça paranaense.

"CIDADÃO DO MUNDO" - O atentado que eliminou o líder sindical ocorreu por volta das 18:30 horas, quando os dois policiais que cuidavam de sua segurança jantavam na cozinha de sua casa, em Xapuri. Ao abrir a porta para ir ao banheiro, que ficava do lado de fora, ele foi atingido no peito por um tiro de escopeta calibre 22. "Desta vez me acertaram" - foram suas últimas palavras.
Por sua luta, Chico Mendes alcançou reconhecimento internacional. Foi o primeiro brasileiro a receber da Organização das Nações Unidas (ONU) o Plano Global 500, prêmio conferido a pessoas que se destacam na defesa do meio ambiente, e a Medalha do Meio Ambiente, da entidade ambientalista "Better World Society", em 1987.
"Ao receber esses prêmios, Chico tornou-se um cidadão do mundo, representando a luta de todos nós brasileiros e, em especial, dos povos da floresta." Abrahim Farhat Neto, autor da frase, 54 anos, quatro filhos e três netos, é ativista dos movimentos dos trabalhadores rurais do Acre e um dos companheiros do líder assassinado.
Junto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, (BID), Chico Mendes estava desenvolvendo um projeto extrativista na Amazônia destinado a provar que a floresta pode sim ser explorada, mas não precisa ser destruída. Por esse projeto, além do Plano Global 500, ele foi homenageado com o título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro.

ASSASSINOS SOLTOS - Após a morte de Chico Mendes, mais de trinta entidades - entre sindicatos, associações de direitos humanos, partidos políticos, diocese de Rio Branco e Igreja luterana - reuniram-se para formar o Comitê Chico Mendes. Exigiam a prisão e condenação dos criminosos, segurança para as pessoas ameaçadas e fim da impunidade. A iniciativa surtiu resultados, com mobilização nacional e internacional pela prisão dos principais suspeitos, os irmãos Darly e Alvarino Alves da Silva. Quatro dias após o assassinato, Darci Alves Pereira entregou-se à polícia e confessou o crime. Seu pai, Darly, acusado de ser o mandante, entregou-se em 7 de janeiro de 1989. Alvarino se escondeu da polícia e até hoje continua em liberdade. A mesma sorte não tiveram seu irmão e sobrinho, que, em 15 de dezembro de 1990, sob o olhar atento da imprensa e de observadores estrangeiros, foram condenados a dezenove anos de reclusão.
Dois anos e dois meses depois do julgamento, em 15 de fevereiro de 1993, Darly e Darci fugiram da Penitenciária Estadual do Acre. "De nosso presídio só não foge quem não quer", comentou na época o secretário interino da Segurança, Américo Carneiro Paes, em alusão à precariedade do sistema penitenciário do Estado.
Recentemente, Alvarino Alves declarou à imprensa que seu irmão está na Bolívia, e seu sobrinho, no Paraguai. "Logo depois que Darly fugiu, veio a Xapuri, na minha fazenda, dizendo que estava bem e que iria desaparecer." Na versão de Alvarino, o irmão tinha medo de ser transferido para o Paraná, onde responde por outro assassinato.
Passados quase três anos da fuga, os criminosos continuam em liberdade. "Temos grande suspeita de que há muita autoridade importante do Acre envolvida na morte do Chico", afirma Abrahim. "Os assassinos continuam soltos porque estão acobertados, e isso é uma vergonha para o Brasil."

TAREFA DE TODOS - Se a intenção de matar Chico Mendes era interromper a luta, o resultado não foi alcançado. Para Abrahim, "a luta de Chico é a luta de todos nós". Ao celebrar uma missa em homenagem à luta dos povos amazônicos, em setembro, na Catedral da Sé, o cardeal-arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, lembrou a importância do sindicalista martirizado. "Ele simboliza a Amazônia, cujas riquezas devem ser preservadas para as próximas gerações." Mas não só isso. Segundo o cardeal, Chico Mendes é também um símbolo para todos os trabalhadores sem emprego e sem terra, para todos os que se empenham pela transformação da atual sociedade.
De fato, a luta não parou. Osmarino Amâncio Rodrigues, Raimundo de Barros, Gumercindo Rodrigues e Júlio Barbosa sucederam Chico Mendes na liderança dos trabalhadores. O Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que reúne mais de 15 mil seringueiros espalhados pela Amazônia, é um exemplo dessa continuidade. Osmarino Amâncio, um dos fundadores, é hoje reconhecido internacionalmente, sendo recebido pelo Parlamento Europeu - em nome da floresta e do meio ambiente.
Sindicatos e cooperativas formam a base da organização dos povos da floresta. É o caso da Cooperativa Agroextra-tivista de Xapuri, fundada há quatro anos com o objetivo de comercializar a castanha-do-pará. A castanha recebe um tratamento que une o conhecimento tradicional do seringueiro e uma tecnologia que respeita e conserva as características e propriedades do produto.

ALTERNATIVAS À DESTRUIÇÃO - Uma alternativa para salvar a produção de derivados de látex - com a queda da procura pela borracha no mercado internacional - é a fabricação de couro vegetal. Apesar de pouco conhecido no Brasil, o produto tem boa saída no exterior, onde é utilizado na confecção de bolsas, sapatos, mochilas e casacos.
Através da marca "Empate", a cooperativa exporta seus produtos para os Estados Unidos e a Europa. O termo "empate" lembra o principal instrumento de luta organizado por Chico Mendes: a concentração de um grande grupo de seringueiros numa determinada área da floresta com o objetivo de impedir o desmatamento. Um dos últimos empates realizados pelo sindicalista foi no seringal Equador, cuja propriedade é reclamada pelo fazendeiro que encomendou a sua morte, Darly Alves.
Abrahim explica o significado das iniciativas que estão sendo levadas em frente pelos continuadores da luta de Chico Mendes. "Além do resultado econômico, que representa uma alternativa de renda para os seringueiros, há o aspecto político: garante a permanência do trabalhador na terra e, com isso, a proteção do meio ambiente."
Representando o Comitê Chico Mendes na celebração pelos povos da Amazônia em São Paulo, Abrahim fez questão de acentuar que a preservação da Amazônia não é só responsabilidade de quem vive lá, mas de todo o povo brasileiro. "O destino da terra está nas mãos de todos nós." (Ademir Munhoz, p. 19)