Mulheres do Terceiro Mundo

Imagens
do cotidiano


Em setembro do ano passado, em Beijing (ou Pequim), capital da China, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a sua Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher. Durante o encontro, as mulheres dos países pobres – o chamado Terceiro Mundo – denunciaram a situação de negligência e injustiça a que são submetidas no dia-a-dia. Reivindicaram também coisas muito concretas, como o acesso a água potável, saúde de base, escolas e comida para os filhos.

Não obtiveram grande sucesso. Temas como aborto, contracepção e direitos das lésbicas foram transformados nas grandes vedetes dos debates ocidentais e obtiveram muito mais repercussão na imprensa internacional.

Aos olhos das mulheres do Terceiro Mundo, a luta feminista ocidental aparece muitas vezes como agressiva e individualista. Para elas, os valores coletivos têm um peso bem mais elevado na balança. A maioria sente-se protegida pela estrutura familiar e aprende a fazer valer os seus direitos de mulher. Elas têm consciência do importante papel que desempenham em suas respectivas sociedades.

É a mulher quem deve prever, calcular e organizar tudo. Em seus ombros pesam a responsabilidade pela cozinha, a educação dos filhos, determinados trabalhos no campo, a comercialização dos produtos. Vista como pilar da família, como mãe e esposa, ela se sente guardiã dos valores comunitários e cuida para que cada tarefa seja cumprida do melhor modo possível.

Por outro lado, a maioria das mulheres do Terceiro Mundo denuncia um sistema econômico que marginaliza, a pobreza escandalosa, as situações de carência cada vez maior.

Elas estão dispostas a lutar ao lado dos homens contra tudo isso. Sabem que devem se organizar e trabalhar em benefício da comunidade. Querem que filhos e filhas tenham condições de estudar e se instruir para conquistarem uma vida mais digna e humana.

A dimensão espiritual – tão ausente em muitas discussões nos países ricos do Ocidente – é muito visível no Terceiro Mundo. A grande reserva de esperança, a coragem extraordinária e a dedicação sem limites das mulheres vêm sempre carregadas de sabedoria cristã, muçulmana, budista, hinduísta ou das religiões tradicionais de cada país.

Aqui e nas páginas seguintes, detalhes desse cotidiano em alguns dos muitos países do Terceiro Mundo (NdR: na revista, encontrará também fotos de cada país).


EGITO
Boa parte da população que chega do interior é constituída por mulheres pobres (sozinhas ou acompanhadas dos filhos) que acabam sendo obrigadas a se instalar com muitas outras pessoas e famílias em alojamentos desse tipo, verdadeiros cortiços.


PERU
Famílias que moram no galpão de uma usina abandonada estão sendo ameaçadas de expulsão, e as mulheres protestam. A progressiva tomada de consciência e a conseqüente organização levam as mulheres a fazer uma "insurreição" em plena praça pública. É a revolta da base. Bairros periféricos da capital peruana reivindicam água potável há anos, enquanto a grama continua sempre muito bem verde nos bairros ricos.


NEPAL
Aproximadamente 80% da mão-de-obra feminina é empregada na agricultura. É preciso sustentar a família. Crenças e costumes hinduístas representam um pesado fardo nos ombros da mulher. Ela não tem direito a possuir terra. A nora está a serviço da sogra. Se ela não consegue ter filhos (herdeiros), o marido pode arranjar uma segunda mulher.


MÉXICO
Atraídas pelos baixos salários, empresas estadunidenses implantam filiais na região. Sempre que a produção é feita de modo semi-artesanal, como no caso dessas bobinas, as empresas "deslocam" o trabalho para países onde o custo da mão-de-obra seja mais baixo.


CHILE
Sem título de propriedade, as famílias correm risco de ser despejadas a qualquer momento. Quando os moradores dos bairros populares falam de luta por melhores condições de vida, não se referem a parques públicos, praças, viadutos e avenidas, mas a moradia, água, rede de esgoto, saúde, escola, dignidade...


ARGÉLIA
Na maior parte dos países islâmicos não existe divisão entre política e religião. O Corão (livro sagrado dos muçulmanos) e a lei muçulmana determinam um lugar bem preciso à mulher. É raro que ela tenha alguma chance, ou até mesmo a idéia, de violar a tradição. Baseando-se numa intepretação primária dos preceitos muçulmanos, os radicais da Frente de Salvação Islâmica ameaçam de morte a mulher que trabalha como jornalista, enfermeira ou professora. Se ela se nega a usar o véu, corre o risco de ser agredida.


LESOTO
Sensíveis ao problema da destruição ambiental e preocupadas com o futuro dos filhos, mulheres se mobilizam para lutar contra o desmatamento. Em boa parte das tradições africanas, o homem encarrega-se de limpar e preparar o terreno para o cultivo, enquanto a tarefa de plantar fica por conta da mulher.


MALAVI
Ser mãe é o principal traço da identidade feminina nos países ao sul do Saara. A fertilidade ocupa um lugar de destaque dentro da sabedoria tradicional. Nos anos 70, a maior parte dos governos defendia o aumento da população. Hoje, o êxodo rural e as condições miseráveis nas favelas das cidades africanas levam as autoridades a incentivar medidas de controle. Enquanto isso, o vírus da Aids provoca estragos, sobretudo nos centros urbanos.


VIETNÃ
O budismo ensina sobretudo a renúncia e, como tal, não se preocupa em primeiro lugar com a emancipação feminina, nem com o desenvolvimento no sentido ocidental. No entanto, não impede que a mulher ocupe o seu lugar ao lado do homem. As sacerdotisas têm forte influência sobre a massa dos fiéis.


GUATEMALA
A grande maioria da população da região é indígena. Dos anos 60 para cá, a Igreja católica tem feito um grande esforço para promover a formação de comunidades entre os pobres, gente sem poder econômico ou político. A repressão sangrenta deixou milhares de vítimas, mártires do seu povo. Pela primeira vez em quinhentos anos, os empobrecidos sentiram-se protagonistas de sua história. A Igreja se fez voz dos sem-voz.


ÍNDIA
Embora o sistema de castas tenha sido abolido pela Constituição e a lei estimule o ensino dos "intocáveis" (os párias), tradições seculares em geral falam mais alto. Oprimidas e desprezadas, mulheres da etnia munda, que não puderam freqüentar uma escola, tentam recuperar o tempo perdido.


ARGENTINA
Recentes estudos revelam que a violência contra mulheres e crianças aumenta quando a situação econômica piora. Os indígenas estão entre os mais pobres do país. A tradição machista e a crise econômica conduzem a verdadeiros dramas sociais.