Neoliberalismo na África

Duro de carregar


Os programas ditados pelo FMI e o Banco Mundial empobrecem ainda mais quem já é pobre. O peso maior recai sobre as costas das mulheres.


Albert Mori, do Quênia


Quase sempre, quando falamos dos mais pobres entre os pobres, estamos pensando na mulher. É que homens pobres têm esposas e filhos ainda mais pobres. E não há dúvidas de que os efeitos da recessão econômica, da dívida externa e, agora, dos chamados Programas de Ajuste Estrutural (SAPs, na sigla em inglês) pesam muito mais sobre as costas das mulheres. Mulheres já pobres, que não ganham quase nada, não possuem quase nada, não controlam quase nada.

A pobreza está aumentando na África, e as mulheres são castigadas de forma particularmente dura. A condição em que elas hoje se encontram é pior do que há dez anos, desde quando os SAPs – a menina dos olhos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial – adquiriram uma popularidade sinistra.


VERDADE É OUTRA – Para o Banco Mundial e o FMI, esses programas são um sucesso. A verdade, porém, é outra. Vítimas maiores desse processo, as mulheres africanas começam a erguer a voz, exigindo uma mudança radical nos rumos da economia. Querem o fim dos SAPs, que obrigam cerca de quarenta países ao sul do Saara a efetuar cortes no consumo interno para favorecer a produção de bens destinados à exportação.

Ditados pelo FMI e o Banco Mundial, os SAPs impõem a redução de gastos governamentais, através da privatização de empresas estatais e da diminuição do número de funcionários. A idéia é colocar a economia dos países pobres nos trilhos, promover o desenvolvimento, aliviar a pobreza e reduzir a carga da dívida externa.

Não é bem o que acontece. Entre 1990 e 1993, a região pagou anualmente 13,4 bilhões de dólares aos credores internacionais, uma quantia muito maior do que os governos planejaram gastar com saúde e educação. Entretanto, a dívida africana continuou a crescer, de forma assustadora, atingindo a cifra de 312 bilhões de dólares em 1994.

O primeiro grande impacto da crise econômica se faz sentir na economia doméstica, afetando diretamente o poder de compra das mulheres, que são as primeiras responsáveis pela manutenção da casa. O resultado é que estão havendo drásticas mudanças nos hábitos alimentares. Além disso, a falta de dinheiro força as mulheres a cortar gastos com saúde e educação para dar de comer aos filhos.


LÁGRIMAS NOS OLHOS – Chilufya Mulenga, uma dona-de-casa do Zâmbia, não encontra palavras para expressar o que sente em relação às medidas econômicas adotadas pelo governo do seu país. A desvalorização da moeda local – o cuacha –, em 1990, fez o preço das mercadorias subir lá nas nuvens. De repente, o preço de um pãozinho saltou de 15 para 350 cuachas.

Mulenga, que é mãe de seis filhos, acha que é como se o governo zambiano estivesse roubando o dinheiro das mulheres. Ela já perdeu duas crianças, simplesmente porque não estava em condições de procurar um médico. Os hospitais públicos estão em falta de tudo, a começar pelos medicamentos. "O hospital só tem aspirina, para qualquer tipo de doença", lamenta Mulenga, com lágrimas nos olhos.

Com menos dinheiro para comprar comida e as coisas mais básicas, sem poder contar com serviços públicos e outros benefícios sociais, a situação de Mulenga tornou-se insuportável. Por isso, chora ao falar da vida que leva. Ela representa o lado humano do programa de austeridade do FMI, introduzido para "salvar a economia".


DESPROPORÇÃO – As mudanças no mercado de trabalho tornam ainda mais dramático o problema da exploração da mão-de-obra feminina. As mulheres constituem hoje cerca de 40% da força de trabalho do mundo, mas recebem salários muito menores que os dos homens. Desvalorizadas pelas tarefas que executam dentro de casa, repetem a mesma experiência quando conseguem arranjar um emprego no disputado mercado de trabalho.

A mulher africana é vista tipicamente como insignificante, tanto em termos econômicos quanto políticos. Nunca é incluída como parceira igual na hora em que são tomadas decisões importantes, nos níveis nacional e internacional.

Na onda dos SAPs, uma gama muito grande de serviços sociais – nas áreas de educação, saúde, proteção à criança, nutrição e outras – ganha um espaço cada vez menor na agenda de prioridades nacionais. Isso ocorre no exato momento em que os programas do FMI e do Banco Mundial reduzem o poder aquisitivo dos pobres, a maioria dos quais são mulheres.

Em Gana, faz alguns anos, o governo lançou o chamado Plano de Ação para Mitigar os Custos Sociais do Ajuste. O objetivo primordial era aliviar o impacto negativo do ajuste econômico sobre as mulheres. O plano não alcançou resultados significativos. Ficou o reconhecimento de que a carga maior de sofrimento recai sobre as mulheres.

"Em resumo, a aplicação dos SAPs contribuiu para aumentar em muito o sofrimento dos pobres, e as mulheres carregam uma parte desproporcional dos sacrifícios", escreve um jornalista ganense, Edzodzinam Tsikata.


RITMO IMPOSTO – Quando o assunto são os programas de ajuste estrutural, existem três grupos distintos de pessoas – analisa um grupo de mulheres do Mali. Há o grupo dos que comandam, o grupo dos que aplaudem e o dos que dançam.

"Nós somos o grupo dos que dançam", disseram as mulheres. "Desde a implantação dos SAPs, apenas uma coisa mudou em nossa vida: estamos dançando num ritmo diferente." A situação só vai mudar no dia em que as mulheres deixarem de dançar no ritmo que lhes é imposto para assumirem um papel decisivo na condução das políticas econômicas – acreditam as mulheres.

A África deixa evidente que a carga maior da recessão econômica mundial está sendo repassada para as costas de quem tem menos condições de carregá-la – as mulheres. Exatamente elas que, sem vez e sem voz, não são responsáveis pela desordem econômica, nem pela conseqüente angústia que hoje reina no continente.

Como aponta um recente relatório do Unicef – o Fundo das Nações Unidas para a Infância –, o fato é que o mundo comandado por homens tem muito a responder às mulheres. Tradicionalmente, na África, elas é que produzem os alimentos que a população consome. Hoje, foram transformadas nas mais tristes vítimas da fome e da escassez de alimentos. – NPFs



Ajuste estrutural

É a receita prescrita pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para os países com economia em crise.

Na África (mas não só), os Programas de Ajuste Estrutural ("Structural Adjustment Programs", ou SAPs) partem do pressuposto de que a desordem econômica tem origem em causas internas: erros técnicos, corrupção, erro na escolha de prioridades, calamidades naturais (secas) ou humanas (guerras).

De acordo com esse tipo de pensamento econômico – hoje em voga nos quatro cantos do planeta –, o que as economias doentes precisam, em primeiro lugar, é de uma sólida gestão.

Alguns dos principais ingredientes da receita: