Bíblia

Lágrimas e alegrias


Breve comentário do Salmo 126 (125).


Frei Carlos Mesters



1 Aquela vez que Javé
fez voltar os exilados de Sião, 
parecíamos sonhar:

2 nossa boca se encheu de riso
e nossa lingua, de canções.
Até entre os povos se comentava: 
"Javé fez grandes coisas por eles!".

3 Sim, Javé fez grandes coisas por nós,
por isso estamos alegres.

4 Ah! Javé, mude também agora nosso cativeiro
como os córregos do deserto,
despertados pela chuva repentina!

5 Pois quem semeia com lágrimas,
colhe com gritos de alegria.

6 Quem vai, vai chorando,
a semear sua semente.
Ao voltar, voltará cantando,
a carregar o seu trigo.


O  Salmo 126 tem duas partes. Os versículos 1 a 4 descrevem um fato, uma experiência que aconteceu uma única vez no passado: "Aquela vez que Javé fez voltar os exilados de Sião". Trata-se do retorno para a Terra Prometida, depois do cativeiro da Babilônia.

Os versículos 5 e 6 descrevem um fato, uma experiência que acontecia todo ano. Todo ano, cada vez de novo, o trabalhador rural jogava a semente na terra. Todo ano, fazia a colheita.

De um lado, a história, a experiência do cativeiro. Do outro, a vida de sempre, a experiência do povo trabalhador!

O Salmo 126 mostra como a vida e a natureza ajudam a entender os acontecimentos da história e como a história ajuda a entender a vida.


Experiência do cativeiro (1 a 4) – Ninguém esperava que o povo exilado pudesse retornar do cativeiro, receber de volta a terra e ser novamente um povo. A maioria achava que, com o exílio, tudo tivesse terminado. Humanamente falando, o exílio parecia o fim de tudo!

A história recomeçou. Foi como um novo renascimento. Uma ressurreição! Um novo espírito reanimou os ossos secos (Ezequiel 37,1-14)! Motivo de muita alegria e festa: "Aquela vez que Javé fez voltar os exilados de Sião, parecíamos sonhar...". Esse fato tão importante do passado estava muito vivo na lembrança do salmista e o inspirou: "Sim, Javé fez coisas grandes por nós, por isso estamos alegres!"

Quando foi feito este salmo, o povo estava novamente numa situação de cativeiro, sem saída. Mas a lembrança da libertação do cativeiro da Babilônia o enchia de confiança. Pois o que já aconteceu uma vez no passado podia acontecer de novo no futuro! Por isso, o povo rezava: "Ah, Javé, mude também agora o nosso cativeiro!".

O povo parecia vale seco. Ele pede que Deus o transforme em rio, por meio da chuva repentina da sua ajuda e da sua graça.


Experiência do lavrador (5 e 6) – O povo da roça, do interior, vive a vida do dia-a-dia e entende as coisas da natureza. Sabe como plantar e colher. Sabe que, muitas vezes, o plantio se faz na penúria, pois a reserva feita no ano anterior está chegando ao fim, e a comida já é pouca. Sabe que, durante os meses seguintes, vai ter que apertar o cinto. Mas sempre planta, na esperança de uma colheita abundante.

E quando, no fim, a colheita é farta, esquece o sofrimento, como a mulher esquece a dor do parto depois que a criança nasceu (João 16,21).

Sofrimento e alegria vão se revezando na vida, moram juntos na mesma casa, no mesmo quarto, na mesma família, na mesma pessoa. Por isso, o salmo reza: "Quem semeia com lágrimas, colhe com gritos de alegria...".


No Salmo 126 transparece como a experiência do lavrador serviu de luz para entender o que se passou no cativeiro, e a experiência vivida no cativeiro ajudou a entender melhor o alcance daquilo que se vivia no dia-a-dia. Vida e fé se iluminaram mutuamente.

A vida ajudou a entender melhor a experiência dolorosa do cativeiro. A experiência vivida no cativeiro tornou transparente aquilo que se vive no dia-a-dia, dando-lhe um novo sentido.

Isso aconteceu na vida do povo de Deus e acontece também na nossa vida. O Salmo ajuda a gente a prestar mais atenção a essas coisas do dia-a-dia da vida, a não viver na superficialidade.


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Frei Carlos Mesters é biblista, autor de diversos livros. Há anos acompanha a caminhada das comunidades eclesiais do Brasil. Atualmente, trabalha no Instituto Bíblico de Angra dos Reis/RJ.