O Papa a Cuba: tudo depende do que ficou no coração do povo


O papa está em Cuba, o último país comunista do mundo.

Qual poderá ser o impacto dessa visita para o sistema? É a pergunta que com mais freqüência se ouve nestes dias. Há quem espera que a visita dê uma sacudida a todo o sistema de Fidel Castro, enquanto outros esperam que ela desencadeie um processo de mudanças parecido com aquele que levou ao desmoronamento do sistema comunista na Polônia e no Leste europeu, com a queda do muro de Berlim.

Talvez, porém, mais que perguntar-se o que poderá acontecer com o sistema daqui em diante, fosse melhor perguntar-se o que aconteceu com os cubanos, enquanto indivíduos e enquanto povo.

Desde os anos 60 Cuba vem sendo organizada como um estado ateu. Seus jovens têm sido educados dentro de um espírito a-religioso, mesmo que não tenha levado a uma luta contra a religião. O papa, dizia Fidel Castro, tinha que ser acolhido como um grande homem, um guerreiro no combate à pobreza, "uma das maiores dores de cabeça do imperialismo, um crítico permanente da globalização neo-liberal".

Mas, quanto ao aspecto religioso da missão e da visita do papa? Devia aparecer claro que não despertava muito interesse. Considerados os antecedentes históricos do país - 36 anos de educação das massas para o ateísmo - devia emergir uma certa indiferença por parte das autoridades e do povo cubano para a dimensão pastoral da visita. A realidade porém mostrou o contrário. Houve em Cuba uma euforia e um entusiasmo que atropelaram qualquer consideração política e manifestaram uma religiosidade por muito tempo reprimida e ignorada mas nunca apagada da consciência do povo.

Uma recente pesquisa feita pelo Departamento de Assuntos Religiosos de Cuba revelou que 85% dos cubanos acredita em Deus. Na Cuba de hoje seitas de todo tipo proliferam e fazem crescer um sincretismo que junta elementos simbólicos, figuras cristãs e da tradição afro-cubana mas também permitem que se reorganizem as expressões religiosas mais tradicionais do mundo católico e protestante. A observação direta e imediata diz que são os jovens a revelar-se mais abertos à reflexão religiosa e à prática cristã. Na Igreja os jovens se abrem ao espírito e à liberdade de pensamento, expressão e associação. Ser cristão para eles é sinônimo de ser livre, ter uma identidade e ser independente diante do sistema e de seus dogmas. É exatamente neste campo que o impacto da visita papal pode ter sido profundo.

Fidel, com seu longo discurso feito ao povo cubano no momento de convidá-lo a acolher o papa havia dito: "Domingo, na praça da Revolução, eu estarei lá, perto do papa, e o acolherei com o mesmo entusiasmo e alegria com que tenho certeza que todo o povo cubano o acolherá". Estava consciente e instintivamente preparando o terreno para ganhar uns pontos com a visita de João Paulo II.

Lembro de outra visita do papa, a Khartoum, no Sudão, em 10 de fevereiro de 1993. Foi uma visita muito controvertida e até contrastada. O papa ia num bloco muçulmano controlado por um regime fundamentalista onde havia só um "pequeno rebanho" cristão. Houve pressões de muitos lugares para que a visita não acontecesse. Era a época em que o governo de Khartoum encontrava-se num isolamento internacional quase total. Havia temores de que a visita quebrasse esse isolamento e devolvesse um toque de respeitabilidade ao sistema ditatorial de Khartoum. Temia-se, inclusive, que o governo monopolizasse o tempo e a atenção do papa e manipulasse qualquer gesto em benefício próprio.

O papa chegou como pastor para se solidarizar e rezar com toda a população sofrida do Sudão, levando uma mensagem de reconciliação e esperança. Quando, ainda na fase final da preparação, esta dimensão pastoral da visita ficou mais evidente, o governo perdeu todo interesse pela visita e começou a minimizar a importância do acontecimento. Fez de tudo para convencer o povo a permanecer em suas casas.

Ao contrário do que tinha prometido, não deu feriado naquele dia e impediu que a televisão fizesse a cobertura do evento. Na última hora anulou até o contrato com a empresa de ônibus que transportaria o povo mais distante e deu cobertura aos grupos islâmicos que tentaram atrapalhar a visita.

Porém as 10 horas que o papa passou na cidade tornaram-se um divisor de águas na consciência dos cristãos e no coração de todos os sudaneses. Uma jornalista muçulmana que eu encontrei enquanto entrevistava o povo depois da missa me disse: "Após os acontecimentos de hoje como poderá o governo continuar afirmando que os cristãos são apenas uma pequena minoria no país?" De fato, aquelas 10 horas deram aos cristãos um sentido de número e, ainda mais, o sentido da identidade e da pertença. A visita não mudou a situação do país mas provocou mudanças profundas no coração das pessoas.

Em Cuba, o papa encontrou uma multidão entusiasmada e eufórica. Mais uma vez ele ignorou o perigo das instrumentalizações, partindo da convicção que nas visitas quem age é o Espírito de Deus. Os efeitos do que aconteceu na ilha de Fidel Castro aparecerão daqui a um tempo. Eles serão imprevisíveis exatamente porque a visita do papa incidiu na consciência e na psicologia do povo. Que o sistema caia ou permaneça estável não vem ao caso neste momento. O que importa é aquilo que ficou no coração do homem e da mulher cubana. Toda mudança que aconteça na consciência e na vida das pessoas sempre põe sementes de mudanças maiores que poderão acontecer em tempos longos e imprevisíveis, mas com efeitos mais fortes e duradouros que qualquer revolução.


G.B. Antonini




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