Os caminhos da evangelização
nas Américas


Entrevista com Dom Vital Wilderink, bispo diocesano de Itaguai


Pilar - Em Santo Domingo o papa João Paulo II fez um aceno na direção de um Sínodo Pan-americano. Qual teria sido sua intenção ao convocar esta grande assembléia de bispos?

Dom Vital - De fato, na abertura da IV Conferência do Episcopado Latino-americano, em outubro de 1992, o Papa João Paulo II, ao tratar da missão da Igreja frente aos graves problemas sociais, sugeriu a realização de um encontro ou, mesmo, de um Sínodo com a presença de bispos de todo o continente americano, como sinal de solicitude pastoral pela situação das categorias sociais mais carentes. Esta intuição do Papa tornou-se uma das finalidades do Sínodo que se propôs iluminar os problemas da justiça e as relações econômicas internacionais entre as nações da América, considerando as enormes desigualdades entre o Norte, o Centro e o Sul.

Pilar - Em que medida o Sínodo enfrentou a herança histórica de cumplicidade (ou ambigüidade) das Igrejas em relação à colonização do continente, especialmente o genocídio de muitos povos autóctones e a escravidão do povo negro?

DV - Na homília da Missa na abertura do Sínodo, o Papa lembrava que as marcas da colonização do continente apresentam hoje resultados diversificados sob o aspecto político e econômico, com incontestáveis reflexos culturais e religiosos, haja visto o nível do desenvolvimento econômico, a capacidade tecnológica e o grau de aprimoramento das instituições democráticas na América do Norte. Essa realidade provoca interrogações sobre as causas históricas que estão na origem de tais diferenças sociais. Sem dúvida, a situação é complexa e resiste a análises simplistas. O próprio Papa faz algumas perguntas: em que medida as causas dessa situação se enraízam na história dos últimos cinco séculos? Até que ponto pesa nelas a herança da colonização? Que influência exerceu a primeira evangelização? Quanto ao comportamento ambíguo das Igrejas em relação aos povos indígenas e aos povos negros, não faltaram pronunciamentos bem claros nas sessões plenárias, com a sugestão de um pedido de perdão. Vozes contrárias alertaram para o perigo de generalizações que pudessem fazer ressurgir a lenda negra e negar o valor da primeira evangelização.

Pilar - E o desafio da inculturação?

DV - O desafio da inculturação foi bastante acentuado. Em primeiro lugar em relação aos indígenas e aos afro-americanos. O tema da negritude aparece relativamente pouco nas intervenções feitas em plenário. Merece especial destaque a comovente colocação feita pelo Cardeal Gantin sobre a escravidão. Os participantes norte-americanos praticamente não tocaram no assunto, com exceção de uma mulher negra. No texto final aparece expressão população de origem africana; pois, afro-americano, em alguns países do continente, teria um sentido discriminatório. O diálogo com a modernidade, embora com enfoques diversificados, esteve sempre presente nas entrelinhas dos trabalhos do Sínodo. Não faltaram reticências. Afinal, a própria modernidade é carregada de ambigüidades e interrogações. Basta pensar nas conseqüências culturais que já se podem detectar ou, ainda, não percebidas, que resultam da globalização dominada e conduzida pelo neo-liberalismo.

Pilar - O Sínodo teve humildade e coragem para levantar com propriedade e determinação a questão desafiadora do diálogo religioso entre o cristianismo e as religiões dos povos nativos e africanos?

DV - Sem dúvida, tratou-se do problema, mas sem a possibilidade de aprofundar a questão. O diálogo religioso mereceria a atenção de um sínodo inteiro. Neste campo há ainda um longo caminho a percorrer. Hoje se fala do macro-ecumenismo. Porém, seus pressupostos teológicos além de não serem tão claros, atingem a cristologia católica.

Pilar - E qual a postura do Sínodo face ao pluralismo de Igrejas Cristãs e o desdobramento constante em novas Comunidades com fundamento no Evangelho?

DV - No Sínodo havia representantes de outras Igrejas Cristãs. Lembro-me da Igreja Reformada, Luterana e Batista. Alguns bispos católicos de rito oriental expressaram sua preocupação com certa animosidade por parte da Igreja Ortodoxa para com a Igreja Católica. Em relação às Igrejas Pentecostais reconheceu-se a grande dificuldade de um diálogo ecumênico devido à agressividade delas contra a Igreja Católica. Lembro-me, no entanto, da intervenção de um bispo atribuindo o crescimento das Igrejas Pentecostais a problemas da nossa própria Igreja.

Pilar - A partir da realidade e das necessidades dos nossos povos, o Sínodo teria ousado avaliar o que se passa na Igreja neste final de milênio? Para uma nova evangelização não seriam necessárias algumas mudanças de fundo e de método? Quais? O próprio Sínodo seria um Sínodo de Bispos ou para Bispos?

DV - Embora o Sínodo não tenha sido convocado para avaliar o que se passa na Igreja neste final de milênio, não deixou de ser ocasião para uma auto-avaliação. Se a missão de evangelizar constitui a razão de ser da Igreja, é difícil não descobrir o que está emperrando a ação pastoral e evangelizadora da Igreja frente às necessidades da realidade. Novamente, é claro, vão aparecer as divergências de opinião. Se a pergunta visa especificamente o papel do próprios Sínodos, lembraria que no final do Sínodo sobre a Vida Consagrada, em 1994, a assembléia foi consultada sobre o tema do Sínodo seguinte. O Cardeal Etchegarray, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, sugeriu então um Sínodo sobre o Sínodo. Não saberia o que o Cardeal tinha em mente. Mas, hoje, há outras vozes propondo que se faça uma avaliação dos Sínodos.

Um documento do episcopado japonês, relacionado com o próximo Sínodo da Ásia, ilustra a evolução das assembléias do Sínodo e seu estado atual. Os bispos japoneses criticam o primeiro documento preparatório (Lineamenta) e insistem que a redação de um documento de trabalho para um Sínodo asiático pressupõe um bom conhecimento das prioridades da Igreja na Ásia. Segundo eles, a eclesiologia do documento preparatório é mais pobre que a do Vaticano II. Não há um reconhecimento suficiente da imagem da Igreja como Povo de Deus, uma Igreja humilde, servidora e de diálogo. Essas imagens são muito significativas na Ásia. Para os bispos japoneses, a Igreja deve aprender a esvaziar-se e sair de si mesma, como Jesus fez. Abrindo o coração às outras religiões, mergulharemos mais profundamente no mistério de Cristo.

Os bispos desejam, ainda, que o Sínodo da Ásia seja ocasião mais para os asiáticos se animarem mutuamente, do que para prestar contas de suas realizações a Roma. Propõem que se considere sob uma nova luz a relação entre as Igrejas da Ásia e a Santa Sé. Que o relacionamento seja baseado mais na colegialidade do que na centralidade. Pedem que a Santa Sé reconheça às Igrejas locais o seu direito à autonomia plena.

Pilar - O que o Sínodo representou para sua vida pessoal e para o seu pastoreio como bispo da Igreja em Itaguai e membro da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB?

DV - O Sínodo valeu como acontecimento. Alargam-se os horizontes quando a gente se encontra como irmãos e está disposto a ouvir. Não é preciso que todos tenham as mesmas idéias. A conversão, a comunhão e a solidariedade vão além das idéias e mesmo além dos consensos.




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