Em Itaici bispos refletem papel dos leigos na Igreja e situação do país


Vinte e quatro novos bispos foram nomeados no Brasil pelo Papa João Paulo II desde a Assembléia Geral do ano passado. E, no quadro do episcopado, algumas mudanças significativas como a eleição a cardeal de dom Serafim Fernandes de Araújo, de Belo Horizonte, em janeiro deste ano, a aceitação do pedido de renúncia, por limite de idade, de dom Paulo Evaristo Arns em São Paulo e a recente nomeação de dom Claudio Hummes, que o substituirá a partir de 23 de maio. Num dos mais numerosos episcopados do mundo, foram mudanças significativas, logo destacadas pela coordenação da 36ª Assembléia Geral da CNBB, que se reuniu durante 10 dias em Itaici, interior do Estado de São Paulo para discutir os principais temas que desafiam a ação pastoral da Igreja .

Entre eles, destaque foi dado à presença, atuação e missão dos leigos


Análise de conjuntura


Um texto de 37 páginas, com detalhada análise de conjuntura, deu início aos trabalhos. O subsídio lembra a caminhada histórica da Igreja Católica na realidade brasileira e mostra que, depois de passar por diferentes momentos, o que se pede hoje à Igreja é que "recupere o espaço ao lado dos mais pobres, mediante uma ampla discussão dos avanços e estragos da economia mundial globalizada, onde fala mais alto a força do mercado, do dinheiro e do lucro".

Para ajudar a refletir nessa linha, o texto, preparado por assessores da CNBB, mostra os principais desafios vividos hoje pela sociedade brasileira. Destaca a distância que separa ricos e pobres e as opções neo-liberais do governo Fernando Henrique. Reconhece que uma grande fatia da riqueza nacional atinge um terço da população e isso cria uma falsa impressão de fartura e prosperidade no país. "Os 50 milhões de 'incluídos' já criam um enorme mercado. Até para muitíssimos luxuosos carros importados, e para que um número suficiente de torcedores de futebol possa pagar pacotes de 10.000 dólares para se dar o prazer de assistir à Copa do Mundo na França. E como o Brasil é campeão mundial de concentração da renda, chegamos a ter a segunda frota, no mundo, de jatinhos executivos particulares, aos quais só podem aceder os muito ricos. Só ficamos atrás da frota dos Estados Unidos".

Por detrás dessa vitrine de fartura, diz o texto, há uma realidade que incomoda: "100 milhões de pessoas quotidianamente esquecidas. Desses, os mais excluídos quase se enquadram na categoria dos 'inúteis para o mundo' , da Idade Média, ou dos 'descartáveis', como se diz em alguns países latino-americanos".

O que mais preocupa é a questão do emprego:

"Um país de desempregados é um país 'do salve-se quem puder'. Nem a solidariedade, de que os pobres tantas vezes dão testemunho, tem condições de segurar por muito tempo as tendências desagregadoras do tecido social - começando pelo núcleo familiar - que se tornam mais fortes com o crescimento do desemprego. Enfrentar esse problema é, portanto, decisivo, se quisermos reverter tendências negativas na evolução de nosso quadro social".

Partindo dessas provocações e da postura que diante delas o governo assume oficialmente, o texto indica caminhos de atuação pastoral.

Em coletiva à imprensa, dom Marcelo Pinto Carvalheira, arcebispo da Paraíba, elogiou o texto. Ele citou o dado para ele mais inquietante, o dos "incluídos" e "excluídos". Sublinhou que alguns têm trabalho, educação, assistência médica e moradia. Mas chamou um absurdo o fato que só uma parcela da população tenha uma vida digna enquanto a grande maioria fica à margem de tudo. O arcebispo da Paraíba ressaltou que essas pessoas só são lembradas na época das eleições, quando os candidatos precisam de votos para se eleger.


Leigos


Dando a linha de intervenção do plenário, Dom Marcelo falou também dos leigos, tema central da Assembléia. Disse que existe um vício dentro da Igreja Católica, que vem do século XVI, de que a maior parte das atribuições da instituição foram assumidas pelos padres. Ele explica que, ao ser batizado, o leigo tem o direito e o dever de participar do trabalho de evangelização da Igreja. O laicato também pode fazer trabalhos intereclesiais como distribuir a Comunhão, proclamar a Palavra de Deus e fazer catequese, entre outras coisas. Com uma autorização jurídica concedida pelo Bispo e, em algumas circunstâncias, pelo padre, o leigo também pode assistir casamentos. O Arcebispo da Paraíba informou que em sua Diocese isso acontece.

Dom Moacyr Grechi, bispo de Rio Branco, informou que no Brasil 78% dos encontros dominicais são presididos por leigos. Segundo ele, a Igreja Católica no Brasil conta com cerca de 200 mil membros atuantes, a grande maioria leiga. Ele disse que se não fossem os leigos não existira a Igreja na região Amazônica e em muitos outros lugares do Brasil. Só lamentou a fraca atuação política dessas lideranças.


Uma polêmica


Uma questão chamou a atenção da imprensa pela pequena polêmica que se criou ao redor dela. O Papa João Paulo II enviou ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, uma carta na qual trata da questão da reforma agrária. Para o governo, uma declaração de apoio; para os bispos, apenas um gesto protocolar.

O texto é o seguinte:

"A recente visita do Senhor Raul Jungmann, Ministro Extraordinário de Política Fundiária, sendo portador da sua mensagem com a qual externava o pensamento do Governo brasileiro a respeito da questão da terra, despertou particular interesse, confirmado aliás, na posterior visita feita por sua Excelência, ao Senhor Cardeal Secretário de Estado. Desejo, assim sendo, agradecer-lhe, Senhor Presidente, pelo empenho que vem prestando à causa da reforma agrária no País, e pelos esforços por uma sempre melhor aplicação dos princípios da Doutrina Social da Igreja. Ao mesmo tempo, desejo assegurar-lhe minha proximidade espiritual a todos os cidadãos dessa nobre Nação, que aspiram por um futuro de paz e de prosperidade, ao amparo de uma ordem social mais justa e humana."

Na opinião do responsável pelo Setor de Comunicação da CNBB, quem lê essa carta com toda a inteligência e leva em conta o documento Para uma Melhor Distribuição da Terra, divulgado pelo Vaticano em 23 de novembro do ano passado, chegará à conclusão de que ela é protocolar, ou seja, um gesto de boa educação para com o Governo Brasileiro, que lhe havia enviado relatório sobre a reforma agrária no Brasil.





P I L A R
Home Page