II Consulta de Teologia e Culturas
Afro-americanas e Caribenhas

São Paulo, 7-11 de novembro de 1994

Oficina 4


O ECUMENISMO
DAS COMUNIDADES DE FÉ NEGRAS

(1ª parte)

>> (2ª parte) >>


Viemos de muitas comunidades de fé

Garífunas, afro-panamenhas, afro-colombianas palenqueiras e da Costa do Pacífico, afro-equatorianas, afro-cubanas, da República Dominicana e de Grenada, do Candomblé ketu da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo, comunidades cristãs das igrejas Metodista, Presbiteriana Unida, Batista, Batista de Nazaré, Congregação Cristã do Brasil, Católica.

Sabemos que muitas comunidades de fé negras estão faltando. Entre elas as comunidades do Vodu haitiano e dominicano, Xangôs, Candomblés bantos e geges, Congadas, Umbanda, Batuque, Santeria, comunidades de outros países, igrejas e movimentos pentecostais.

Trouxemos histórias antigas que não podem ser completamente desvendadas e identidades religiosas diferentes que não podem ser reduzidas ou sufocadas.

Viemos de várias caminhadas ecumênicas. Algumas mais institucionais, resultado de cristãos que participaram de movimentos políticos de esquerda ou surgidas da necessidade de uma maior unidade inter-denominacional. Outras mais populares, ao redor da convivência do dia a dia e de lutas comuns por melhores condições de vida.


Constatamos:
Que para as comunidades negras
o ecumenismo é uma casa em que...

Há recuos na caminhada ecumênica das igrejas. As mudanças sociais e econômicas internacionais (neo-liberalismo, exclusão, racismo, machismo, genocídios) deslocaram a atuação de muitos; manifesta-se mais integrismo, fundamentalismo e dogmatismo; há desconhecimento das comunidades de fé negras; há desgaste teológico; é um ecumenismo institucionalizado que atinge só algumas lideranças e não chega às comunidades; participa- se das celebrações, mas não se participa da fé dos outros. Burocratizaram o ecumenismo (se gastam muito dinheiro e recursos - milhões de dólares - para se reunir, discutir, caminhar juntos e na prática pouco se anda).

Não é possível pensar um ecumenismo que seja só reunião de cristãos. Infelizmente, nas igrejas ainda há preconceito e discriminação e se olham (e se tratam) de outra maneira as comunidades de fé negras. Pelo mesmo motivo, e também por outras razões históricas, há resistências para assumir um encontro fraterno com as religiões afro- americanas. Ainda são demonizadas, inferiorizadas, folclorizadas e excluídas de qualquer encontro ou comunhão. Reconhecemos, contudo, que houve avanços nesses últimos anos. Há mais sensibilidade ecumênica em muitas pessoas, tanto no mundo católico como entre as igrejas protestantes. Por outra parte, sabemos que o negro já faz ecumenismo há muito tempo e está sempre aberto. Outros é que não querem fazer ecumenismo com as comunidades negras.

O atual ecumenismo se parece com uma casa (oikós) em que há quartos fechados e divisões: alguns ficam na sala e outros sempre na cozinha ou no quintal. Para alguns se parece com uma Casa Grande (Hacienda) ou um Sobrado que sempre precisam de uma Senzala (barracones y quartos de servicio). Será que não é possível pensar uma casa para todos que seja parecida com um quilombo ou palenque, um terreiro, uma maloca?


Que o termo macroecumenismo
está carregado de ambigüidades

Alguns entendem que o que se diz do ecumenismo pode se estender, por analogia, ao macroecumenismo. Seria, pois, ampliar o leque do diálogo incluindo outras religiões não-cristãs. Muitos se perguntam se isso é suficiente. Afinal, trata-se de um ecumenismo quantitativamente maior ou qualitativamente diferente? O que invalidaria a analogia seria também o fato de que não se pode mais fazer referência a Jesus Cristo, nem à Trindade nem à Bíblia como plataforma de fé comum. Outros acham que o ecumenismo, corretamente entendido, é uma realidade bem maior do ecumenismo que vivemos até agora (e que prendemos em nossas instituições) e, talvez, até do mesmo macroecumenismo.


Testemunhamos que as comunidades de fé
afro-americanas e caribenhas são como árvores...

Têm raízes, que afundam em terras e tempos antigos.
Têm tronco, feito de anos e anos, um ano envolvendo o outro,
um ano sustentando o outro.
Têm ramos, que crescem, procuram a luz e oferecem apoio.

Nas raízes, troncos e galhos há também feridas que fazem sua história.

Têm folhas, carregadas de força, de cura, de vida, de morte.
Têm frutos, abundância de cor e comida. Oferta gratuita para todos.
Têm sementes, para a vida nascer, perto e longe, a mesma e outra.

Nas folhas, frutos e sementes,
celebra-se a festa da vida e da criatividade de Deus.

Toda árvore tem sua força, seu som, sua voz.
Há quem pega frutos e folhas, corta galhos, troncos e raízes
e nunca ouviu essa voz.
Só quem ama a árvore conhece sua voz.
Só quem ama a árvore tem certeza
de que também sua voz será acolhida por ela e toda a natureza.

Uma seiva percorre toda a árvore.
Sem saber como, a árvore vive por esse sangue.
Comunicação de vida, de força, veículo de alimentos, de oxigênio.
Das raízes ao fruto, das folhas às raízes.

É a força viva de Deus, é Axé.


Celebramos ao redor de uma árvore

Dançamos, cantamos, nos lavamos, nos perfumamos, comemos, bebemos, nos tocamos, nos abraçamos, nos beijamos, nos comprometemos, oramos, fizemos memória de nossas histórias, sentimos a natureza em nós mesmos e em nós mesmas. Nos tornamos como árvore. Toda a força de Deus que passa pela natureza, a água, o ar, o sol, o ritmo, o tempo, a terra, o fogo, as plantas, os corpos, nossa memória ancestral, nossas comunidades de fé e nossas famílias, fez comunhão entre nós. Uma árvore jovem foi testemunha dessa Aliança. Um Deus jovem, que ainda sonha, foi testemunha da nossa Aliança.


Tornamos presentes tantas árvores

Sabemos também que, tanto na África como entre nós, a religião está sempre unida à cultura, à família ampla, à história, às leis e aos costumes, à cura, à comida, aos antepassados, à autoridade, aos anciãos e anciãs, etc. Por isso, afirmamos que muitas famílias negras são comunidades de fé, são instituições religiosas e culturais que preservam, alimentam e transmitem a tradição: a presença do Deus da vida que luta contra a discriminação e a exclusão. Muitas famílias negras se reúnem para celebrar e partilhar fé, esperança e solidariedades. Como árvores, guardam a memória de onde viemos e reúnem sob sua sombra.


>> (2ª parte) >>









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