Representantes de quilombos de todo o país estiveram em Brasília, nos dias 26 e 27 de setembro, articipando junto com parlamentares, professores e militantes negros do seminário "Remanescentes dos Quilombos". O objetivo número um do seminário foi o de avaliar dois projetos de lei que desde abril deste ano tramitam no Congresso Nacional. Os dois projetos tratam da regularização do direito à terra onde vivem e trabalham os remanescentes de quilombos.O artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição garante aos remanescentes de quilombos a propriedade definitiva das terras que ocupam desde os tempos de seus ancestrais. Incluído na Carta Magna por pressão de organizações negras de todo o país, o artigo da lei deixa, porém, muito a desejar, porque é pouco explícito. Além disso, sua aplicação esbarra em fortes interesses econômicos e políticos. Já se passaram sete anos desde a promulgação da atual Constituição Federal e nenhum título de terra foi expedido.
Os projetos de lei nasceram paralelamente no Senado e na Câmara dos Deputados. O primeiro é de autoria da senadora negra Benedita da Silva (PT/RJ) e o segundo, um trabalho em parceria dos deputados Alcides Modesto (PT/BA) e Domingos Dutra (PT/MA). Diferentes em alguns pontos, ambos os projetos de lei visam garantir de uma vez por todas a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos. Os organizadores se mostraram satisfeitos com os resultados do encontro. Foi formado um grupo de estudos para fazer emendas aos projetos, tendo em conta as críticas e sugestões apresentadas pelos quilombolas e militantes negros. Além disso, o evento conquistou a simpatia de outros parlamentares, o que é importante, tendo em vista o cabo-de-guerra com forças contrárias aos direitos dos negros no Congresso.
Animados, ao final do encontro os participantes manifestaram a esperança de ver os projetos votados e aprovados antes do dia 20 deste mês de novembro.
(Paulo Lima)DEPOIMENTOS
"Antes, a gente vivia uma vida tranqüila,
sem molestamento, sem ser mandado por seu ninguém.
De uns quatorze anos pra cá, o fazendeiro
Carlos Bonfim está arruinando a nossa vida.
Em nossas terras não tem nenhum
pé de pau plantado por ele."
Mário, Quilombo de Rio das Rãs,
Bom Jesus da Lapa/BA"Tudo mudou com a chegada dos brancos,
do coronel, do fazendeiro.
Quando eles chegaram,
o negro já existia há centenas de anos.
O negro trabalhava em mutirão.
Era grande a fartura."
Chico Tomé, Quilombo de Rio das Rãs,
Bom Jesus da Lapa/BA"O grileiro disse pra nós que direito de pobre é penitenciária.
Mas, se não lutamos, se não temos terra pra fazer a rocinha,
como nos tempos dos meus avós, de que é que vamos viver?"
Antônio Lima da Silva, Comunidade Negra de Mocambo,
Porto da Folha/SE"Zumbi, pra nós, é nome de um passarim do mato.
Ele canta bonito, mas, até hoje,
ninguém nunca conseguiu ver o vulto dele.
E isso eu sei desde que eu me entendo como gente."
Augusto Rabelo da Paixão, Quilombo Mimbó,
Amarante/PI"Já estou com 34 anos de idade e, antes, nunca
tinha visto um fio de arame nas nossas terras.
Hoje, a nossa região está infestada de grileiros."
Manoel Moreira,Quilombo dos Kalunga,
Monte Alegre/GO
Texto preparado pela Revista SEM FRONTEIRAS N. 234 - Novembro 1995 - pág. 18 |
No Diário Oficial de 18.12.95, o governo federal reconheceu a comunidade negra do Rio das Rãs como remanescente de quilombo e, como tal, beneficiária das terras. A notícia foi divulgada na Bahia pelo jornal A Tarde de 20.12.95 e pelo número especial dos Cadernos do CEAS, "300 anos de Zumbi", de 1995. |
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