A Caminho
       Jan-Mar 1998


Bahia


SITUAÇÃO SOCIAL E CIDADANIA


Prof. Joviniano Neto / CEAS
Extraído de Cidadania e Participação
I Semana Social da Bahia - 1997


Falar em alguns minutos sobre a situação social da Bahia é revelar e sintetizar o óbvio conhecido pela experiência e sensibilidade dos presentes. A apresentação dos dados, a quantificação da realidade fornece uma base para identificar o tamanho dos problemas e dos desafios a enfrentar. Desculpe-nos se falarmos o óbvio - mas, este é mais um caso em que o óbvio é o fundamental.

A Bahia é um estado grande (566.979 kmē o 5° em área no Brasil), diverso e heterogêneo em termos naturais, econômicos e sociais, populoso (12.690.274) habitantes (a 4ª população brasileira) situado na região mais pobre e desigual do país mais desigual do mundo.

A Bahia, onde o Brasil nasceu e no qual, daqui a menos de três anos e diante de índios favelizados, comemorará 500 anos; a Bahia onde se implantou a primeira rede urbana do Brasil; o ponto no qual se estabeleceu a cabeça de ponte para primeiro ocupar e dirigir o espaço do que depois se transformou no Brasil, integrando este espaço na grande onda de internacionalização que criou o mundo moderno e realizou o que se chama hoje, e com muito menos razões uma globalização; (esta Bahia) enfrenta, hoje, uma situação dramática na área econômica e, especialmente, social.

Tendo se incorporado, com atraso e na função de produtora de insumos e produtos primários, no processo de industrialização nacional enfrenta, hoje, uma reestruturação da economia e modernização da sociedade, mais uma vez induzidos a partir de decisões e ciclos internacionais em uma "modernização reflexa" na categoria, bem definida por Darcy Ribeiro. Nesta, ao tempo em que perde peso relativo na economia nacional da Área social, o objetivo deste texto, soma antigos e novos mecanismos de marginalização e exclusão.

Ao tempo em que sofre as conseqüências da nova fase da internacionalização da economia, da 3ª revolução industrial, a Bahia como o Brasil, mais do que o conjunto do Brasil mantém dívidas sociais que, na Europa, nos países mais ricos e/ou menos desiguais, foram resgatados a partir das revoluções liberais e da distribuição dos frutos da revolução industrial. Apresentaremos neste trabalho, alguns dos indicadores desta dívida social.

Antes, porém, é fundamental uma compreensão do tipo de sociedade em que vivemos, no Brasil e na Bahia.


UMA COMPREENSÃO
DA SOCIEDADE E POVO


Esta sempre foi uma sociedade piramidal e desigual, onde a divisão maior, nunca foi entre classes sociais, mas entre incluídos e excluídos ou oprimidos. Entre os "incluídos" podem ser contados os assalariados no mercado formal de trabalho, os empregados com Carteira de Trabalho assinada, pequeno e tremendo privilégio que, como veremos representa, hoje, um percentual menor e ameaçado de trabalhadores. Os excluídos, os chamados sociologicamente de marginais, de classes oprimidas historicamente incluíam os trabalhadores estacionais ou volantes, os empregados domésticos, os biscateiros, as prostitutas e mendigos. Este quadro, se tem algumas mudanças positivas (por exemplo, a progressiva assinatura das carteiras ou a difusão dos diaristas incluem alguns empregados domésticos na categoria de assalariados ou autônomos) apresenta também outras negativas na medida que empurra setores antes presentes no mercado formal para a "informalidade", e a maior pobreza e miséria.

Uma sociedade em que as classes dirigentes nascidas de ocupação dos cargos especialmente de burocracias e aparelho do Estado ou da propriedade dos bens de produção na maioria das vezes se considera diferente e superior as maiorias pobres que colocavam ao seu serviço.

Uma sociedade que criou mecanismos específicos para "lubrificar" e evitar atritos sociais. Alguns tradicionais (compadrio, pistolão, clientelismo, liberação e inversão simbólica e periódica de papéis no carnaval), outros modernos (o clientelismo de massa como pode ser a distribuição de cestas básicas, a participação simbólica através de televisão).

Mas, acima de tudo uma gente que conseguiu ainda que parcialmente se fazer povo e nação, que tem uma unidade lingüista e uma matriz de valores muito influenciada pela religião Cristã e Igreja Católica (a sociedade tem reservado a Igreja Católica o papel de porta voz da consciência moral da sociedade), valoriza a amálgama, a mistura o ecletismo nas posições e comportamentos; combina de modo original comportamentos e éticas distintas e, até opostas, na casa, na rua e na sua relação com o sobrenatural, atravessadas, todas ainda que em níveis diferentes, por duas éticas concorrentes a de solidariedade (especialmente da família, amigos, vizinhos) e a do logro, sucesso, esperteza.

No resultado é um povo plástico que procura dar a volta por cima, que repete ditados como desgraça pouca é bobagem, que valoriza a vida, a alegria, a celebração (até como contraponto a dificuldades que enfrenta no cotidiano) não herdou ódios ancestrais; dispõe-se a grandes sacrifícios para garantir um futuro melhor para si e seus filhos (as pesquisas documentam o tempo em que um família pobre gasta construindo sua casa e o valor que dá a educação dos filhos). É um povo que, enfrentando a cultura da violência e da morte, continua lutando e celebrando a vida.

Esta sociedade na qual a cultura do privilégio tem predominado sobre a cidadania, onde os pobres desenvolvem estratégias para conseguir sobreviver, que sempre foi montada sobre a desigualdade social enfrenta, hoje, uma profunda mudança que pode agravar a situação dos pobres, antes, marginalizados e explorados, hoje, crescentemente sob o risco da "nadificação" da descartabilidade, da exclusão permanente. Momento dramático em que antigos canais de ajuda ou ascensão social ainda mais se estreitam ou fecham: a migração para São Paulo ou cidades maiores: a obtenção de empregos por clientelismo ou méritos; a própria solidariedade com os pobres que, para muitos, perdem a imagem de desafortunados para a de ameaça.


(1ª parte - continua no próximo número)


10° Intereclesial