Cartilha
HISTÓRIA DAS CEBs
NO MARANHÃOLuís Pirotta
Assessor da CPT-MA
É bom lembrar. Assim inicia a Irmã Carolina o livro onde deixou a história das CEBs do Maranhão, contada pela boca do próprio povo.
É bom lembrar, para nunca esquecer que as CEBs do Maranhão tiveram e têm uma história muito bonita e ao mesmo tempo muito sofrida. Hoje tem uma geração nova continuando esta história. O Espírito Santo a conduz em seus momentos de vitórias e também de derrotas.
1. O sopro do Espírito Santo Só podemos entender a história das CEBs, se colocarmos em primeiro lugar a ação do Espírito Santo. De fato, foi ELE quem pelos anos 60-70 fez acontecer o Concílio Vaticano II, a grande reunião do Papa com muitos bispos de todos os lugares do mundo. O Espírito Santo, no clamor e nas aflições do povo empobrecido, soprou muito forte nos ouvidos e sobretudo no coração dos padres conciliares. A Igreja até então tinha uma aparência muito clerical. Era considerada propriedade do papa, dos cardeais, dos bispos e dos padres. O Concílio Vaticano II reconhece que esta Igreja é de todos: a Igreja é todo o povo de Deus.
Nos documentos do Concílio é dito também que a Igreja não vive fora do mundo. Ela não cuida apenas das coisas do céu. Pelo contrário, ela vive dentro duma sociedade com a qual partilha toda a realidade. Ela se move entre diferentes povos, raças e religiões e encontra-se com um número bem grande de idiomas e culturas. O Reino de Deus, que já está presente aqui na terra, é para todos.
Aquilo que diziam os bispos no Concílio foi muito bonito. Mas o povo da América Latina tinha descoberto alguns anos antes e já vivia na prática o que os padres da Igreja falaram e escreveram na sua reunião. As Comunidades Eclesiais de Base deram sua contribuição para esta redescoberta da Igreja, Povo de Deus que se envolve com as lutas, as preocupações e os sofrimentos e as alegrias do povo. O Espírito Santo se fez presente entre os mais pobres desta terra, onde semeou uma nova esperança. As Comunidades Eclesiais de Base receberam do Concílio Vaticano II um impulso muito forte para continuarem uma caminhada iniciada desde o final da década de 50.
2. A fúria dos poderosos. Durante muitos anos, as CEBs foram muito férteis. Deram muitos e bons frutos. Muitos cristãos deram o seu sangue tornando-se mártires da caminhada. As CEBs ajudaram no nascimento de entidades, grupos e movimentos que enfrentaram, à luz do evangelho, os esquadrões de morte, o exército e as polícias. Elas organizavam círculos bíblicos e grupos de reflexão de rua. Participaram da criação da Comissão Pastoral da Terra, do Conselho Indigenista Missionário, da Pastoral Operária. Receberam apoio da Animação dos Cristãos no Meio Rural e do CEBI. As celebrações eram momentos de reabastecimento de fé e de coragem para resistir frente às perseguições de latifundiários, de pistoleiros e da polícia secreta. Celebrar o culto era celebrar a vida. As celebrações tornaram-se expressão de resistência. As orações e os martírios mostraram o compromisso dos cristãos com a luta dos oprimidos.
A Bíblia se tornou o manual de fé por excelência. Na maioria das vezes pobres e analfabetas, as comunidades se apropriaram da Bíblia. Liam e discutiam na comunidade as leituras, partindo das experiências da sua realidade. Dois grandes temas bíblicos nortearam as CEBs. O primeiro era a libertação dos israelitas das garras do faraó. Liderados por Moisés, tiveram a coragem de fazer uma imensa caminhada da escravidão para a liberdade. O segundo tema era a descoberta do compromisso de Jesus com os pobres. Os evangelhos continuam mostrando claramente esta relação.
Em 1968, na cidade de Medellin (Colômbia), os bispos latino-americanos começaram a dar ouvidos ao clamor dos pobres deste grande continente. Perceberam que a pobreza e a miséria eram causadas pelas grandes injustiças sociais a mando de coronéis e ditadores. Decidiram então tomar partido em favor dos oprimidos e da defesa dos direitos humanos. A hierarquia da Igreja, que por vários séculos tinha andado de braços dados com o poder, evangelicamente se pronunciou no documento de Medellin, fazendo a opção preferencial pelos pobres. Deste momento em diante, os pobres se tornaram o centro da atenção e do carinho da evangelização da Igreja, apesar de alguns bispos e padres não concordarem com isso, permanecendo vinculados com os antigos coronéis e classes opressoras.
Em 1979, 11 anos depois de Medellin, os bispos latino-americanos se reuniram novamente, desta vez na cidade de Puebla no México. Avaliaram a caminhada e programaram novos passos para melhorar o desempenho da Igreja rumo a uma sociedade mais justa e fraterna.
Os poderosos chamavam tudo isso de comunismo. Para eles comunidade era igual a comunista. Mas os bispos em Puebla reafirmaram a evangélica opção pelos pobres e pelas culturas oprimidas ou esquecidas. Em destaque entraram a questão da mulher, dos negros, dos índios, dos marginalizados e dos povos de outras culturas e religiões. Chamaram uma atenção especial ao diálogo ecumênico.
3. O Maranhão, um dos berços das CEBs O Maranhão certamente foi um dos lugares protagonistas desta grande novidade. Conta-se que o interior do nosso estado é um dos berços das Comunidades Eclesiais de Base no nosso continente.
As primeiras sementes das CEBs começavam a ser lançadas nos interiores das cidades do Barreirinhas, Urbano Santos, Tutóia e São Benedito do Rio Preto e também na Baixada Oriental em Bequimão, Viana, Guimarães e outros localidades. Elas vão se espalhando, aos poucos, em todos os cantos e recantos do Maranhão. As comunidades nasceram das rezas do terço e das ladainhas, das promessas e festas de padroeiros e padroeiras. Nasceram das desobrigas, missas e batizados nos mais distantes povoados da área rural, do crisma e de romarias. Sobretudo as celebrações da Semana Santa, onde o povo simples e pobre se reunia ao redor do Cristo morto e vencedor da morte, marcaram as CEBs, elas mesmas perseguidas por causa da sua luta contra a opressão.
Muitas comunidades tiveram pela primeira vez acesso à Bíblia. Ela se tornou um instrumento de conscientização e de aprofundamento da fé. Partindo de fatos da vida, lia-se um trecho da bíblia, se comparava os dois conteúdos. A comunidade se comprometia atuar dentro da realidade eclesial, política e social.
Com a Bíblia na mão, o povo dava conta de fortalecer estas pequenas igrejas locais, que são as CEBs. Nelas cultivava-se o espírito missionário. Muita gente andava neste Maranhão afora, visitando povoados e lugarejos. Justo e Davi, Nega e Simeão, Agenor e Eulina, Raimundo e Lourdes e centenas de outras pessoas caminhavam dias e noites para espalhar a Boa Nova. Novas comunidades nasceram destas visitas.
A história das CEBs também é rica em produção de cordéis, poesias, cantos e dramatizações. Muitos poetas e cantores populares escreveram e cantaram esta Igreja maranhense que estava nascendo do povo. Muitas músicas foram feitas por autores desconhecidos e analfabetos. Eles sabiam unir a Palavra de Deus com a dureza e os sofrimentos da realidade. Estas poesias e estes cantos são verdadeiras profecias. Denunciam injustiças e anunciam a Boa Nova de Jesus. Eles abrem a mente do pobre e o conscientizam. Quem não se lembra das músicas do Patrício de Lago da Pedra ou da dupla Adão Marinho e Zacarias do Arame? Quem não conheceu o Nonato de Caxias? O canto e a poesia alimentam a fé e a resistência nos momentos de perseguição, de calúnia, nas cadeias e nos assassinatos de muitos comunitários.
Da organização comunitária renovou-se também a luta sindical e política. Muitos sindicatos e suas delegacias tornaram-se legítimos defensores da classe camponesa. Diretorias pelegas, atreladas a latifundiários e coronéis políticos tradicionais, foram derrubadas. Nova vida receberam também alguns partidos políticos de esquerda, que crescem aos poucos e se opõem à politicagem e ao clientelismo.
4. As CEBs do Maranhão se articulam Desde cedo, as comunidades buscaram encontrar-se e articular-se de forma mais organizada. Entre 1965 e 1996 foram realizadas 37 assembléias estaduais de CEBs. Aos poucos vai-se formando ainda uma coordenação a nível regional. A partir dos anos 80, ela conta com representantes de todas as dioceses do estado. Esta coordenação exerce um papel profético. Em meio a uma sociedade brasileira marcada pelo autoritarismo e a ditadura, ela testemunha uma prática democrática e participativa. Todas as suas atividades são construídas com a participação e o envolvimento de todos. A definição de temas e a escolha das pessoas encarregadas pela articulação diocesana-regional obedecem a um padrão democrático-participativo. Todas as decisões que dizem respeito a sua organização, os assuntos a serem tratados e as assessorias a serem convidadas são tomadas em conjunto.
Nos anos 78 a 82 a articulação de CEBs, então chamada articulação provincial era ligada diretamente ao coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A partir de 82, as CEBs tiveram sua própria coordenação, sem diminuir a colaboração e bom relacionamento com a CPT. De lá para cá, já tiveram quatro coordenações: Pe. Xavier, Ir. Carolina, Ir. Íria, Lucineth. Depois de Dom Ricardo, Dom Xavier assumiu a função de bispo acompanhante das CEBs no Maranhão.
De 1981 em diante as assembléias estaduais começam a refletir sobre política e partidos políticos. A descoberta da Bíblia marcou a década de 70. Na década seguinte, as CEBs reconheceram a importância da política e dos partidos como instrumentos para a instauração do Reino de Deus no nosso meio. Os pobres começam a não ter mais medo de falar em política e de denunciar políticos corruptos e sujos. Os pobres se sentem, pela primeira vez na história, sujeitos da política. Descobrem que têm direito, eles também, de participar ativamente da organização do seu país. Podem até ser prefeito, vereador e deputado e defender publicamente os interesses da sua classe. Entendem a política não mais como coisa dos grandes e dos ricos. A coisa pública pertence a todo cidadão. Três músicas, cantadas nas CEBs, marcam bem esta época: "De repente nossa vista clareou.", "Pois é, pois é acredite irmão, ainda tem gente que vota no patrão." e "Não, não, não não vendo o voto não!"
Este período é também a época da luta pela mãe-terra. Muitas CEBs, apoiadas e assessoradas pela CPT e pela Cáritas, entram em conflito com os prepotentes latifundiários. Muitos lavradores foram acusados de serem comunistas. Foram presos, espancados e assassinados. Oficialmente a Igreja, com seus documentos assume a luta em defesa da terra dos lavradores. Alguns padres, bispos, freiras e muitos leigos entram no conflito sabendo que a luta é desigual. Mas não era também desigual a luta entre o gigante Golias e o pequeno Davi? Muitos comunitários tombaram como mártires da terra. Só no Maranhão morreram mais de 150 pessoas. O ano de 1985 foi um marco na história da Igreja do Maranhão e da luta pela terra. Os bispos excomungaram o corrupto e truculento governador Luiz Rocha e em Bacabal, um dos maiores teólogos das CEBs, frei Leonardo Boff, celebrava com as CEBs do Maranhão um dia de jejum para reforçar e animar a luta pela terra. A palavra de Jesus: "Certos demônios se expulsa só com jejum e oração" marcou este dia.
Iniciando a década de 90, em Coroatá, foram celebrados os 30 anos de caminhada das nossas CEBs. Delegados de todas as 12 dioceses estavam presentes. Traziam o seu testemunho e contaram a história de fé de sua diocese. O evangelho de Mateus norteou a reflexão. Ajudou na avaliação da caminhada. As CEBs estavam alcançando a sua maturidade. Mas descobriu-se, que apesar da já longa caminhada, como Jesus, as CEBs estavam apenas no início da sua história. Jesus com 30 anos começou a sua missão!
Com bastante tristeza constatou-se que, apesar dos seus bonitos documentos, na Igreja imperavam mais as diretrizes conservadoras vindas de Roma. Este processo já vinha se desenvolvendo desde alguns anos antes quando a congregação pela doutrina da fé fez calar a voz e parar a caneta do nosso grande amigo-teólogo da libertação frei Leonardo Boff. Com ele muitos outros e outras que expunham suas idéias a partir dos pobres de Javé foram atingidos. Para as CEBs iniciou-se um período muito duro. Já vinham, há tempo, sofrendo perseguições por parte do latifúndio, do poder político e dos meios de comunicação. Agora a perseguição nascia de dentro da própria casa. Algumas lideranças e agentes de pastoral começaram a desanimar. Outras sentiram a necessidade de avaliar com serenidade, mas com segurança, o momento difícil em que se encontravam as CEBs e definir os seus próximos passos. A história não pode parar!
Conscientes de tudo isso as CEBs continuaram então a sua história e a sua caminhada semeando esperança. Nunca pararam a busca de uma Igreja participativa e democrática, onde não apenas o leigo homem mas também e sobretudo a mulher ocupa espaço. E certamente o Espírito Santo, animador da caminhada das CEBs, no nono Intereclesial, trará novas luzes sobre os passos a serem dados. Não somente na missão junto às massas, mas também a respeito do modelo de Igreja que queremos. Será um tempo de coisas boas e novas. As CEBs, mais uma vez, irão provar quanto amam a própria Igreja. Elas a querem cada vez mais nova e atenta aos apelos do Espírito Santo.
Muitas coisas foram ditas nesta história, outras têm que ser ditas por você, que está olhando este retrato que também é seu. Acrescente outros retratos que falam da nossa caminhada, como ela se deu no seu povoado, na sua paróquia, na sua diocese. E no fim teremos um álbum muito bonito: o álbum da grande família das CEBs.
Sumário
IX Intereclesial |
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