Conselho Mundial de Igrejas |
Conferência Mundial sobre Missão e Evangelização |
PRESS RELEASE No. 4 26 de novembro de 1996
Em sua atuacao evangelizadora e pastoral, as Igrejas Cristas devem prestar atencao as dimensoes mistica, ludica e erotica, presentes na cultura popular, sobretudo nos paises da periferia dependente. Esta proposta foi feita hoje de manha, em Salvador, em painel durante a Conferencia Mundial sobre Missao e Evangelizacao, que o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) esta promovendo desde domingo passado, com termino previsto para 3 de dezembro proximo.
Pastor da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, em Recife (PE) e coordenador do Movimento Evangelico Progressista (MEP), Cavalcanti afirmou, depois, que "o movimento ecumenico e a teologia da libertacao trouxeram, para algumas parcelas da populacao,uma radical mudanca quanto a questao da solidariedade e da justica, no conteudo da mensagem evangelizadora, mas, ao mesmo tempo, revelaram a sua fragilidade no relacionamento com a cultura,pelo preconceito, menosprezo ou incompreensao do lado mistico, revelando a sua marca eurocentrica e iluminista".
Sobre o protestantismo brasileiro, disse que "nunca conseguiu se distanciar plenamente das suas origens anglo-saxas e tem se chocado com a cultura nacional no que diz respeito ao ludico e ao erotico". Em sua opiniao, "trata-se de um evangelismo de implicacoes asceticas e repressivas", algo que indicaria um "ponto surpreendentemente convergente entre fundamentalistas, evangelicais e liberais". Os chamados "evangelicais" integram uma corrente do protestantismo que faz uma leitura mais literal da Biblia e adotam, em geral, uma posicao religiosa conservadora. Politicamente, contudo, seguem tendencias tanto conservadoras quanto progressistas. Neste segundo bloco, inclui-se, por exemplo, o proprio Cavalcanti.
Numa intervencao que provocou polemica, o pastor criticou os "segmentos cristaos do movimento feminista, em razao tambem do etnocentrismo anglo-saxao de suas origens, muitas vezes nao sensivel as peculiaridades das culturas "perifericas", com a tentacao de impor a universalizacao do seu ponto de vista e da sua experiencia". De acordo com a analise de Cavalcanti, "somos uma cultura marcada, em seus aspectos positivos e negativos, pelo misticismo, pelo erotismo e pelas desigualdades sociais". Nesse sentido, destacou, "um evangelismo culturalmente sensivel e relevante, nao pode se fazer pela via da exacerbacao alienante do misticismo, nem pela via racionalista da sua negacao. Nao pode se fazer pela promessa de prosperidade e resignacao ante a miseria, nem pela via da valorizacao apenas material da justica social".
No mesmo contexto, levantou a hipotese de que, a partir dessa matriz cultural, sejam admitidos, pelo movimento feminista, outros caminhos para o relacionamento entre os generos, inclusive "a reciprocidade do assedio sexual consentido, como arte e jogo e nao como violencia".
Durante a entrevista coletiva de terca-feira, Cavalcanti criticou, nesse sentido, por considera-lo "muito normativo", um folheto pastoral e educativo sobre a questao do assedio sexual, publicado recentemente pelo Conselho Mundial de Igrejas, com o titulo "Quando se rompe a solidariedade crista". O folder e um dos instrumentos pedagogicos da Decada Ecumenica de Solidariedade das Igrejas com as Mulheres (1988/1998)."As Igrejas e o Conselho Mundial de Igrejas devem criar uma comunidade inclusiva, isenta de violencia e injusticas. Nao tolerarao, nem perdoarao o assedio sexual, nem nenhum tipo de violencia contra a mulher e os agressores serao condenados por seu comportamento e submetidos as medidas disciplinares correspondentes".
Ao comentar a opiniao de Cavalcanti, o ex-secretario geral do CMI, pastor uruguaio Emilio Castro, afirmou que a intencao do Conselho, ao publicar o folheto, foi a de "alertar para a existencia do problema", embora concordando que existem visoes diferentes, nas diversas culturas, sobre o que constitui ou nao uma abordagem mais ou menos erotica feita a pessoa da mulher. Ja a pastora jamaicana Marjorie Lewis-Cooper, secretaria executiva do Conselho de Igrejas da Jamaica, disse que o assedio "e algo preocupante" e que importa analisar com atencao o quadro geral de discriminacao contra a mulher.
A OUTRA JAMAICA - Em sua participacao no painel da manha de terca-feira Marjorie procurou apresentar - a partir de sua experiencia eclesial - a realidade da outra Jamaica, ou seja, do pais caribenho que nao se caracteriza apenas pelo reggae, pelo rastafari e pela natureza exuberante (embora sejas estas expressoes culturais importantes e significativas). A outra realidade provem do impacto, sobre esse pais caribenho, das politicas de ajuste estrutural, de carater neoliberal.
Na entrevista coletiva, Lewis-Cooper falou sobre a religiao rastafari, ligada espiritualmente a figura do antigo imperador da Etiopia, Haile Selassie e a memoria da Rainha de Saba.
No aspecto religioso propriamente dito, recomendou atencao as igrejas "diante das forcas que tentam destruir a imagem de Deus na humanidade". Sugeriu que os cristaos promovam a solidariedade humana, contraditada, muitas vezes, por uma visao teologica individualista e, por ultimo, elogiou a acao missionaria "nao conformista", voltada para a promocao e a libertacao da humanidade.
VER CRISTO NA CULTURA - Por sua vez, o pastor australiano e indigena Wali Fejo, da Igreja Unida da Australia, recomendou, no painel de terca-feira, que os missionarios procurem "ver Cristo na nossa cultura indigena", do mesmo modo que os aborigenes australianos "esforcam-se por ve-lo na vossa". A partir dessa premissa, sua palestra tratou do relacionamento entre evangelizacao e cultura; do seu contexto cultural (como se ouve, se ve, se sente e se recebe o Evangelho) e das preocupacoes especificas das Igrejas.
Destacou que o Evangelho de Jesus Cristo revela-se no marco da cultura, transformando-a. "O Espirito Criador - disse - concedeu-nos as cerimonias, as cancoes, as dancas, as historias e as linguas. Desse modo aprendemos a caminhar e a falar, a rir e a chorar, a dormir e a fazer amor. Ele e nosso alento, e a vida. Esta presente, em carne e osso, em cada uma de suas criaturas vivas". Pela sua experiencia vivencial, como aborigene, Wali Fejo afirmou, depois, que "crer e um ato simples, como respirar suavemente e, ao mesmo tempo, profundamente, a unidade da terra, o respeito de toda a criacao. A terra foi-nos dada por nossos ancestrais para que dela nos ocupassemos e para que a protegessemos e nao para abusar dela ou maltrata-la. A terra e sagrada. Nela e dentro dela, encontra-se o alento do espirito".
O Conselho Mundial de Igrejas é uma comunidade de igrejas, atualmente 330, presentes em mais de 100 países de todos os continentes, a maioria das quais pertencentes às tradições cristãs. A Igreja Católica Romana mantém laços de cooperação com o CMI, embora não seja uma das igrejas membros. O principal organismo de direção do CMI é a Assembléia Geral, que se reúne aproximadamente a cada sete anos. O CMI foi constituído oficialmente em 1948, en Amsterdam (Holanda). O Secretário Geral do Conselho é o pastor Konrad Raiser, da Igreja Evangelica de Alemanha. |