Testemunhos de vida


Eles não têm nada a ver com heróis. Não estão na lista dos superdotados. São alérgicos aos efeitos especiais. É gente normal. Até humilde demais. São pessoas autenticamente humanas e profundamente cristãs. É um pessoal que vai até as últimas conseqüências quando se trata de viver o Evangelho.

Chamados por Jesus, renunciaram a tudo para serem testemunhos de vida. Inseridos no meio dos pobres, anunciam com sua própria vida o Deus que toma partido dos mais fracos. Confiantes na força do Evangelho e na dos excluídos, dedicam-se ao resgate do pobre e de sua história. É com gente assim que o mundo muda de verdade.

É bom dar uma olhada nestas experiências e parar para pensar. Outubro é o mês das missões, é tempo para rezar aos missionários e para renovar a vocação missionária de todo batizado. Talvez você não tenha pique para tamanha ousadia, mas é bom não esquecer que o testemunho do Evangelho é também tarefa sua.



A FORÇA DO EVANGELHO


O missionário é aquele que renuncia à lógica do poder e, permeado pelo espírito do Evangelho, vive no meio dos mais pobres como sinal de vida e de esperança.


Wau é uma cidade do sul do Sudão, um país da África oriental, que há mais de dez anos é centro de um conflito que tem provocado milhares de mortos e um milhão de refugiados. Centenas de prófugos chegam todos os dias para encontrar melhores condições de vida, mas acabam nos campos de refugiados, onde são obrigados a viver em situações de extrema miséria. É aqui que trabalha padre Antônio La Braca, um missionário comboniano de origem italiana, teimoso até as últimas conseqüências.

Botou na cabeça que quer viver segundo o espírito do Evangelho. Mora numa barraca muito parecida com aquelas nas quais mora o povo mais pobre da cidade. Recusou o carro. Costuma andar a pé para encontrar o povo. Não tem cozinheira nem faxineira. Se vira sozinho. Possui um pequeno fogão que serve para cozinhar uma porção de arroz por dia. Às vezes compra um pouco de verdura para enriquecer sua alimentação. Mistura é coisa de outro mundo. O povo nem sabe o que é isso.


Dedicação total

Padre Antônio está sempre à disposição dos pobres. Largou tudo para ficar mais perto deles. Não se importou em entrar na lista dos empobrecidos para sentir na própria pele o drama de quem não possui o necessário para viver. Durante o dia visita as comunidades, dedica muito tempo a escutar as pessoas, organiza encontros com as lideranças, celebra os sacramentos, faz catequese... É trabalho "pra burro".

Muitas vezes, depois de um dia cansativo, deita sem comer nada, pois o povo não tem comida para lhe oferecer. Não escolheu ser pobre porque gosta da pobreza. Essa pobreza não é para desejar a ninguém. É coisa dura e sofrida. É pecado que clama por justiça aos ouvidos de Deus. O objetivo de padre Antônio é "descer até o fundão da miséria para subir junto com os mais pobres a escada da dignidade e do respeito para com os seus direitos". Conseguiu.

Pessoas que costumavam depender da ajuda de padre Antônio, agora se viram sozinhas. Graças ao próprio trabalho, elas conseguem sustentar suas famílias e ajudar aqueles que estão na pior. Não é mais o padre que assume o compromisso de ajudar os outros, mas a comunidade inteira. Uma vez por semana, por exemplo, homens e mulheres cultivam o campo da comunidade e a colheita é guardada para socorrer os mais necessitados, sobretudo durante a seca.


O Evangelho é sinal de esperança

Na mísera periferia de Wau, sitiada pela fome e pela guerra, renova-se, ainda uma vez, o milagre da solidariedade que vê como protagonista um missionário - que faz de tudo para evitar aparecer como o "salvador da pátria" - e um povo que consegue se levantar de sua situação de miséria. A fonte de tudo isso é o Evangelho de Jesus. É nele que os pobres encontram a luz para iluminar e julgar a realidade em que vivem, os critérios que devem orientar a nova sociedade e a coragem para mudar a si mesmo e a sociedade, segundo o plano de Deus.



FÉ NA RESSURREIÇÃO


Ele estava pronto para ser ordenado padre, quando recebeu a notícia de que toda sua família fora assassinada durante a guerra civil em Ruanda, país do centro-leste da África. Padre João Bosco Gakirage, missionário comboniano, não entrou em desespero. Ordenado padre em Uganda, foi celebrar sua primeira missa no lugar onde seus irmãos foram assassinados. Sua fé na ressurreição era o único conforto que tinha naquelas horas de tanto sofrimento.


Nasci em Musha, perto de Quigali, capital de Ruanda, no dia 14 de novembro de 1960, numa família pertencente à etnia dos tutsi. Desde pequeno senti vontade de me tornar padre missionário. Entrei no seminário, mas durante aqueles anos, explodiu um conflito étnico entre os tutsi e os hutu, que provocou a morte de dezenas de amigos. Não me encontrava bem no seminário. Queria ficar perto do meu povo naquelas horas difíceis. Deixei o seminário e fui até Uganda.

Estava para entrar na faculdade de medicina, quando voltei a sentir com muita força o chamado de Jesus. Entrei no seminário dos combonianos. Terminado o noviciado, período de fundamental importância na preparação dos missionários, em 1990 fui ao Peru para estudar teologia. Quatro anos mais tarde, voltei ao meu país para receber a ordenação sacerdotal.

A festa da ordenação ia acontecer na minha aldeia. Antes de voltar para casa, passei por Roma a fim de conversar com meus superiores sobre minha próxima destinação. Foi durante minha permanência na Itália que recebi a notícia de que minha família fora morta por um grupo de militares pertencentes à etnia dos hutu. Era véspera de minha ordenação. Tive que mudar os meu planos. Não podia voltar à minha terra. Recebi a ordenação sacerdotal em Uganda pelas mãos de dom Barnabas Halem, bispo de Kabale.

No mesmo dia da ordenação, a fim de saber se havia sobreviventes em minha família, tentei cruzar a fronteira e entrar em Ruanda. Não conseguiria chegar, se não fosse pela providência de Deus. No caminho encontrei a escolta que acompanhava o cardeal Roger Echegaray, Presidente da Comissão Pontifícia "Justiça e Paz". Juntei-me a eles.

No dia seguinte, alguns soldados me levaram até Musha. Quando cheguei à aldeia, destruída pela guerra, quis celebrar minha primeira missa no meio daquelas ruínas. Encontrava-me no mesmo lugar onde meus irmãos tinham sido assassinados. Pensava que não ia encontrar ninguém de minha família, mas durante a celebração da missa, três crianças chamaram a minha atenção: eram as duas filhas de uma irmã minha e o filho de uma prima. Foram os únicos sobreviventes de uma família formada por trezentas pessoas.

A emoção tomou conta de meu coração. Não consegui conter as lágrimas. Quando consegui me acalmar, continuei a celebração da missa. Durante o sermão falei da fé na ressurreição, embora não fosse fácil para mim falar de vida, no meio de tanta morte e destruição. Depois da missa, recolhi informações a respeito do massacre de minha família e voltei à Uganda, levando comigo as três crianças. Elas eram privilegiadas, pois tinham a sorte de abandonar aquele país destruído pela guerra. Muitas outras crianças foram obrigadas a ficar nos campos de refugiados, tentando sobreviver à miséria e à fome.



OLHOS CHEIOS DE LUZ


Padre Fábio é cego. Uma doença lhe tirou a visão. Mas seu coração enxerga demais. Apesar de sua deficiência, ele pediu para ir à África a fim de abrir um centro de acolhida para crianças cegas. A sua missão é levar a luz de Cristo ao mundo inteiro.

Padre Fábio, missionário comboniano de 60 anos, perdeu a visão em 1977. Mas não perdeu a esperança. Há 17 anos trabalha em Togo, país da África ocidental. Em Togoville fundou um centro para crianças cegas chamado Kekelineva (que em língua local significa "venha a luz"). Em contato com estas crianças, padre Fábio descobriu que sua deficiência física não era uma desgraça, mas uma verdadeira graça. Os olhos fechados pela cegueira se abriam diante da compreensão de uma grande verdade: a sua missão era aquela de levar a luz ao mundo inteiro.

"Quando apresentei o pedido de ir para a África, todo mundo me questionou", conta padre Fábio. "Na cabeça de muita gente, como cego, não tinha condições de fazer nada. Só atrapalharia os outros missionários que, além do trabalho pastoral, deviam se preocupar comigo. A mesma coisa pensavam os africanos no início de meu trabalho com os cegos. Toda minha atividade era considerada perda de tempo. Não desisti. Eu enxergava mais do que eles. Tinha a certeza de que eu e as minhas crianças podíamos realizar grandes coisas. O tempo me deu razão. A garotada de nosso centro começou a trabalhar, estudar, e até a freqüentar a faculdade. Diante desse 'milagre', todo mundo se convenceu de que também os cegos podiam dar uma grande contribuição ao desenvolvimento político e social do país."


O homem mais feliz do mundo

Padre Fábio repete a toda hora que não existe na face da terra um homem mais feliz do que ele. É difícil encontrá-lo triste. Está sempre com o sorriso pintado no rosto. As pessoas que conversam com ele se sentem contagiadas pela sua coragem e força. É homem de oração. Passa horas diante do sacrário na contemplação da Eucaristia. É a hóstia consagrada a fonte de seu amor para com os mais pobres.

"O missionário é aquele que continua a obra de Jesus. O Mestre age através de mim. Ele realiza o bem através de minhas mãos. Ama através de meu coração. Chega quando minhas pernas o levam até os lugares mais escondidos e afastados da terra. Consola com minhas palavras. Por isso, tenho que rezar cada vez mais. Na oração eu me identifico com Ele para que cada ação e cada palavra minha sejam verdadeiramente suas. O missionário é aquele que, apesar das dificuldades, não deve perder nunca a alegria de anunciar o Evangelho.

– Quando converso com as pessoas, reparo que elas recuperam a serenidade e encontram o sentido de seu sofrimento todas as vezes que fazem experiência de um Deus que nos ama e nos quer bem. Por isso, o missionário nunca pode deixar de falar ao mundo do amor e da misericórdia do Pai. Por ser um enviado de Deus, o missionário não pode agir só pela sua cabeça. Tem que se deixar conduzir pelo Espírito. Neste sentido, sinto-me privilegiado. Não podendo me virar sozinho, tenho que me deixar conduzir por Ele. Não tenho outra escolha."



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