Análise de Conjuntura
Conjuntura
sócio-econômico-política
brasileira (1)
Ivo Lesbaupin*
Antonio Abreu**
Introdução: a conjuntura internacional O mundo vive hoje em condições totalmente diferentes das que prevaleciam até poucos anos atrás. Estamos vivendo atualmente o que alguns chamam de "terceira revolução industrial". A informação assume o papel que um dia foi da terra e mais tarde do equipamento industrial: a informação tornou-se o fator dinâmico de produção. De um lado, a posse da informação (sobre como produzir, como usar a ciência e a técnica, etc.). De outro lado, a veiculação da informação, a comunicação. Quem controla a informação nos dois sentidos, detém efetivo poder econômico. Este poder vai convergindo hoje em dia nas mãos do grande capital financeiro internacional, ou de uma tecnoburocracia administrativa que de fato se torna, em última instância, financeira. No nível político, a queda do "socialismo real" (1989-1991) acabou com a divisão em dois blocos, vigente durante mais de 70 anos. A nova situação fortaleceu em nível mundial a corrente neoliberal, que afirma a primazia absoluta do mercado e propõe a redução do Estado ao mínimo. Para seus defensores, todas as atividades econômicas devem deixar de ser reguladas pelo Estado; todas as empresas estatais devem ser privatizadas; para reduzir o déficit público, o Estado deve restringir o investimento em políticas sociais (saúde, educação, moradia, transporte, emprego) e a própria área social se deve parcialmente privatizar. É preciso diminuir as regras que controlam os investimentos de capital (desregulamentação), reduzir as barreiras comerciais entre os países (abertura dos mercados), de modo que o capital e os produtos possam circular livremente.
As medidas visando a desregulamentação vêm sendo adotadas por países economicamente desenvolvidos desde o início dos anos 70. A colocação em prática das políticas neoliberais se intensificou a partir do governo de Margareth Thatcher, na Inglaterra (1979) e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos (1980). Instituições financeiras internacionais - o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) - levam à frente tais propostas. O grupo dos sete países mais ricos do mundo (o G-7) tem apoiado estas medidas. O processo desencadeado desde então tem sido chamado de "globalização" e apresentado como evolução natural da economia. Parece como se a economia, antes represada por barreiras nacionais e por um grande número de regras, tivesse finalmente se tornado mundial, atingindo a todos os países, como se o mundo fosse enfim uma grande "aldeia global".
A realidade está longe desta aparência. Naquele países que embarcaram na rota neoliberal, a quebra de inúmeras barreiras e a desregulamentação em curso reduziram o poder dos Estados nacionais de controlar os fluxos de capital que entram e saem de seus países. É uma situação que vem sendo buscada ativamente pelas grandes empresas multinacionais, pelas empresas financeiras e pelos países mais ricos. A "globalização" do capital é o contrário do que o seu nome diz: o comércio mundial está se restringindo cada vez mais a três regiões integradas pelos países que detêm a produção industrial mais desenvolvida e a tecnologia mais avançada: América do Norte, Europa Ocidental e Japão (incluindo aqui os "tigres asiáticos" - Coréia do Sul, Taiwan, Hong-Kong e Cingapura). Um segundo grupo de países só participa de forma subordinada. E, finalmente, há um terceiro grupo: países que não têm lugar nesta economia "globalizada" - é o caso de boa parte dos países africanos e da América Latina. A "globalização" do capital tem provocado a exclusão de inteiras regiões, de países e, dentro destes, de amplos contingentes populacionais.
Neste cenário, a competitividade das empresas é a condição número um da sobrevivência. Só permanecem as empresas capazes de enfrentar a concorrência das demais, inclusive das empresas internacionais com tecnologia de ponta. Para se tornarem competitivas, as empresas "enxugam" seus quadros: reduzem o número de seus operários, substituem os trabalhadores por robôs e automatizam sua produção. Com isso, reduzem seus custos com salários. O resultado é um forte aumento do desemprego, sentido em todos os países que têm seguido tais políticas. Os 15 países da União Européia estão com 18,1 milhões de desempregados, o que corresponde a 10,8% de sua população economicamente ativa. A entrada de multinacionais experimentadas nos países menos desenvolvidos tem provocado falência de inúmeras empresas mais frágeis, com menos recursos ou menos capacitadas. Resultado: mais desemprego.
Para reduzir seus custos, as empresas abrem filiais em países onde a mão-de-obra é mais barata e reduzem o número de unidades em seus países de origem. Os governos alinhados com esta corrente neoliberal procuram mudar a legislação trabalhista para diminuir as exigências relativas à contratação e à demissão dos trabalhadores, com o objetivo de diminuir os custos das empresas. Isto força para baixo os salários dos trabalhadores nestes países, fazendo com que os salários-modelo sejam os mais baixos e não os mais dignos. Os contratos de trabalho são modificados para atender às necessidades das empresas: o trabalho em tempo integral (40 horas semanais, por exemplo) deixa de ser a regra, aparecendo em cena o trabalho em tempo parcial (com salário também parcial) o trabalho temporário (alguns meses por ano - com salário também temporário) e até o trabalho a domicílio (prestadores de serviço para as empresas, que fazem o trabalho em casa). A isso se chama "flexibilização" dos contratos de trabalho. Os desempregados buscam alternativas de sobrevivência e é isto que explica o forte crescimento do trabalho no setor informal da economia (sem as garantias e proteções legais): ambulantes, camelôs, vendedores de todos os tipos. Para se perceber melhor o resultado das políticas neoliberais, basta examinar o caso da Espanha. Depois de doze anos de aplicação destas políticas, o resultado foi o seguinte: a participação salarial no PIB caiu de 51,2% (1980) para 46,1% (1991); a taxa de desemprego que era de 6% passou para 24% da população economicamente ativa e chegou a 37,9% entre os jovens com menos de 25 anos de idade.
Se a empresa é a grande beneficiária deste processo, o grande prejudicado é o trabalhador. Registra-se cada vez mais, nos países que têm adotado as políticas neoliberais - inclusive nos países ricos -, o aumento do desemprego e/ou do subemprego, a queda da massa salarial ao lado do crescimento da riqueza nacional. Isto significa aumento da desigualdade social (concentração da riqueza nas mãos da camada mais rica e diminuição da renda dos segmentos mais pobres). Na Inglaterra, por exemplo, a desigualdade social, que havia diminuído entre os anos 1949 e 1979, voltou a crescer: entre 1979 e 1986, os 10% mais ricos, que detinham 22,6% da renda nacional, passaram a deter 26%, enquanto os 50% mais pobres tiveram uma queda de 27,6% para 24,9%.
Este é o motivo pelo qual a "questão social" - característica do século XIX -, que parecia ter sido resolvida nos países desenvolvidos, está se recolocando na ordem do dia, voltando a ocorrer situações que antes eram típicas e exclusivas de países pobres: crescimento da população de rua, da mendicância e do trabalho informal. Os países do Primeiro Mundo, apesar de tudo, ainda têm forte legislação de proteção social. Nos países do Terceiro Mundo, porém, uma grande parte de sua população já se encontrava na pobreza ou na miséria. A esta velha exclusão se está agora acrescentando uma nova, aquela gerada pela impossibilidade de trabalhar. Não há emprego suficiente para todos e o emprego que se oferece não é suficiente para sustentar uma pessoa. O Estado, por sua vez, que antes pretendia assegurar os direitos de todos, agora não se considera mais responsável por esta garantia. (continua...)
1 O presente texto é resultado de um trabalho coletivo de reflexão da equipe do Centro João XXIII-IBRADES e foi publicado no Caderno Atualidade e Debate, nº 47. A fim de adequá-lo ao perfil editorial dos Cadernos do CEAS, suprimimos os gráficos e tabelas, com a devida permissão dos autores.
*Ivo Lesbaupin é membro do Centro João XXIII (IBRADES)
** Antonio Abreu é membro do Centro joão XXIII (IBRADES)
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