Semana dos Povos Indígenas

Cobrando mudanças

Um ano de muita movimentação no mundo indígena.


A insatisfação frente à política indigenista do governo Fernando Henrique Cardoso gerou reações, revoltas e mobilizações indígenas de norte a sul do Brasil em 1996. É o que lembra o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no texto-base para a Semana dos Povos Indígenas de 1997 (14 a 19 de abril).

Primeiro foi a omissão do governo frente às questões assistenciais, como saúde, educação, atividades produtivas e outras. No campo da demarcação e regularização das terras indígenas, tudo ficou parado durante o primeiro ano do governo FHC.

Aí veio o Decreto 1775, de janeiro de 1996, alterando o procedimento administrativo da demarcação de terras indígenas. Com ele, o governo mostrava as unhas no campo da política indigenista. Qualquer interessado em terras indígenas poderia sustar a demarcação que ainda não tivesse sido registrada em cartório. O poder econômico e político contrário aos direitos ancestrais dos povos indígenas bateu palmas para o presidente.


MOBILIZAÇÕES - Para o Cimi, o Decreto 1775/96 "choca-se frontalmente com o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito originário dos índios sobre as terras ocupadas tradicionalmente".

Não foi o único golpe. O governo também fechou a torneira dos recursos financeiros destinados a atividades assistenciais junto às comunidades indígenas e para as demarcações e regularizações das terras.

"Os povos indígenas, aterrorizados com a ameaça de serem subjugados e espoliados dentro de sua própria terra, foram à luta, mobilizaram-se para pressionar o governo, amadureceram na capacidade de negociação e articulação, entre si e com outros setores, obtendo grandes conquistas."

Ainda em janeiro de 1996, no dia 17, os índios se fizeram presentes em Brasília, protestando contra o novo decreto. Voltaram em março, de 24 a 28, numa manifestação em que o Conselho de Articulação de Povos e Organizações Indígenas do Brasil (Capoib) reuniu mais de trezentas lideranças na capital federal.

"Mas foram as ações regionais - através de retomadas de terra, expulsão de invasores, experiências de autodemarcação, passeatas, assembléias, ocupação de administrações regionais da Funai, etc. - que evitaram que os efeitos do Decreto 1775/96 fossem consolidados a favor dos interesses contrários à demarcação das terras indígenas."


NO CAMPO INTERNACIONAL - Os povos indígenas estão situados entre os mais empobrecidos e excluídos, mas nem por isso são fracos. Dentro e fora do Brasil, esses povos têm se tornado os "principais opositores" do neoliberalismo e da onda de globalização.

"Portadores de sabedoria milenar e valores ancestrais - escreve o Cimi no texto-base -, constituem uma reserva ética e podem contribuir na construção de um futuro diferente para a humanidade."

Aumenta o número de organizações indígenas. No México, na Guatemala e no Equador - para citar alguns exemplos -, a população indígena chega a avançar propostas alternativas perante o Estado e o modelo neoliberal. Quer preservar a identidade. Exige o direito à cidadania e outros direitos coletivos. Resgata o sonho de um novo modelo político, econômico, social e cultural.

"Apesar de sua diversidade, parece evidente que o movimento indígena latino-americano se apropria cada vez mais de uma plataforma comum de lutas, propostas e reivindicações. Entre estas destacam-se a luta pela identidade enquanto povos, a defesa do território e o direito à livre determinação, na sua forma de autonomia no marco dos Estados nacionais."

Para o Cimi, um outro avanço pode ser visto na participação indígena em diferentes instâncias da Organização das Nações Unidas (ONU), através de instrumentos como o Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, o Projeto de Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, a Comissão de Direitos Humanos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outros fóruns de articulação continental.

A Convenção 169 da OIT define vários direitos dos povos indígenas do mundo. Os países que a adotaram a tomam como base de sua legislação indígena. Um fato curioso: mesmo não tendo população indígena em seu território, a Suíça decidiu assinar essa Convenção. Já o Brasil se recusa a fazê-lo. Entre outros motivos, porque governo não concorda em chamar de "povos indígenas" esses que a Constituição brasileira determinou que devem ser considerados apenas "sociedades indígenas". - DAK


Povos Indígenas:
Índio não cabe no projeto lá de cima