Guatemala

Paz com interrogações

A paz bem que merece uma festa. Foram quase quarenta anos de guerra, com mais de 150 mil mortos. A dúvida: a paz definitiva não depende só de acordos.


Paul Jeffrey


Cidade da Guatemala,
29 de dezembro de 1996.

Assim que assinaram os acordos que puseram fim à guerra, o presidente Álvaro Arzú e o comandante guerrilheiro Ricardo Ramírez saíram do Palácio Nacional para anunciar o histórico compromisso diante de milhares de guatemaltecos que aguardavam do lado de fora.

Com a ajuda de uma menina em cadeira de rodas - ela perdeu toda a família durante a guerra -, Arzú e Ramírez acenderam uma chama perpétua em honra às inumeráveis vítimas do conflito armado.

No dia seguinte, o vento apagou a chama. Funcionários apressados trataram de ajustar o gás, e a chama voltou a queimar.

Após 36 anos de conflito armado, será difícil manter acesa a chama da paz na Guatemala. São muitos, e bastante sérios, os desafios que os líderes políticos têm pela frente.


OTIMISMO E DESCRENÇA - O primeiro grande desafio será superar o sentimento generalizado de descrença em relação à viabilidade do que foi negociado entre as partes.

No mesmo dia em que foi assinado o acordo final, o jornal diário "La Prensa" publicou uma sondagem indicando que apenas 38% da população guatemalteca considerava que os acordos de paz "seriam respeitados".

Entre os 1.200 convidados para a assinatura dos acordos - incluídos representantes de quarenta países e da Organização das Nações Unidas -, o clima era de otimismo. Resta saber se esse otimismo se traduzirá em ajuda financeira.

Funcionários governamentais estimam que passa de 2,5 bilhões de dólares o preço final a ser pago pela implementação dos acordos. Espera-se que dois terços dessa quantia provenham da comunidade internacional. Para muitos, sem dinheiro não há paz.


MEXER COM OS RICOS - "Não acredito numa paz sem investimentos, sem dinheiro. Temos que enfrentar os sérios problemas econômicos e sociais que afetam a maioria. São esses problemas que causaram a guerra", disse Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz de 1992.

Para cobrir a sua parte nos custos da paz, o governo deverá aumentar em 60% os impostos que recaem sobre os ricos. A oligarquia guatemalteca está acostumada a pagar os mais baixos tributos do hemisfério.

São muitos os que acreditam na firme determinação de Arzú em pôr fim à guerra. O presidente deverá dar prova disso quando tiver que mexer com os ricos.

Se atuar rapidamente, Arzú poderá tirar vantagem do clima de euforia depois de um fato histórico que poucos guatemaltecos acreditavam poder testemunhar.

Quando, por exemplo, os líderes da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG) chegaram à Guatemala, em 28 de dezembro, provenientes do México, foram recebidos no aeroporto por milhares de seguidores e uma banda militar de marimba.

Com lágrimas nos olhos, Menchú saudou os velhos comandantes, dizendo-lhes: "Bem-vindos, companheiros!".


INDÍGENAS DE FORA - Menchú também esteve no palácio, no dia seguinte. Porém, num país onde mais da metade da população é de origem maia, era uma das poucas indígenas presentes.

Das oito pessoas que firmaram o acordo - quatro comandantes guerrilheiros e quatro negociadores do governo -, nenhuma era indígena. E havia apenas uma mulher.

"Uma debilidade dos acordos pôde ser vista na não-representatividade dos que o firmaram", comentou Carlos Aldana, porta-voz da Arquidiocese da Cidade da Guatemala.

Durante a manhã, numerosos líderes indígenas iniciaram uma marcha ao cemitério público da cidade, onde recordaram as vítimas da guerra.

Muitos colocaram cravos vermelhos na tumba de Jacobo Arbenz, cujo governo foi derrubado, em 1954, com a ajuda dos Estados Unidos.

Os militares que tomaram o poder foram considerados responsáveis pela grande maioria dos 150 mil mortos e 50 mil desaparecidos deixados pelo conflito.


ESQUERDA EM DIFICULDADE - A falta de representatividade indígena é apenas um dos muitos obstáculos que os ex-guerrilheiros deverão enfrentar, no que diz respeito ao seu futuro político.

O sonho de um partido de esquerda unificado enfrenta dificuldades. Como, por exemplo, tensões internas dentro do ex-movimento guerrilheiro e uma relação pouco transparente com o único partido de esquerda existente, a Frente Democrática Nova Guatemala.

Os ex-rebeldes também deverão arcar com os custos políticos do seqüestro, em agosto do ano passado, de uma idosa endinheirada, no qual participou um dos dirigentes de um dos grupos que integram a URNG.

O líder guerrilheiro Rodrigo Asturias, que assumiu a responsabilidade política pelo ato, foi um dos grandes ausentes na assinatura dos acordos.

Também há ressentimentos em relação ao projeto de anistia negociado pelas partes e aprovado pelo Congresso em 18 de dezembro.

A "Lei de Reconciliação Nacional" possibilita a volta dos guerrilheiros para casa. Mas também permite que os muitos militares envolvidos com torturas e desaparecimentos forçados não sejam julgados.

"A anistia aumenta a cultura da impunidade... Algum tipo de anistia é necessário. Porém, o que foi aprovado apenas garante que a impunidade e a corrupção continuem vigentes", manifestou Carlos Salinas, da Anistia Internacional.


CONFUSÃO À VISTA - Certo que a anistia exclui os culpados de "crimes de lesa humanidade". Para abrir um processo, porém, as provas a serem apresentadas pelos familiares das vítimas devem ser absolutamente contundentes.

O corrupto e temeroso sistema judiciário guatemalteco será posto à prova assim que receber um desses casos.

A única avaliação honesta sobre a violência poderia vir da Igreja católica, que, em dezembro, concluiu centenas de entrevistas a vítimas de guerra.

Foi anunciado que o Projeto para a Recuperação da Memória Histórica publicaria os resultados em breve. A expectativa, no começo do ano, era de que o documento conteria os nomes dos principais responsáveis pela violência.

Com certeza, haverá controvérsias, que podem pôr em perigo a chama da paz, mais que o vento em frente ao Palácio Nacional. - NOTÍCIAS ALIADAS

(Paul Jeffrey, p. 26)