Bíblia

Os amigos
de Javé


Breve comentário do Salmo 128 (127).


Frei Carlos Mesters



1 Felizes todos os que temem a Javé. 
Tu poderás ser um deles
se andares em seus caminhos!

2 Tuas mãos terão que trabalhar,
mas esse trabalho te dará o sustento, 
e, ainda, felicidade e bem-estar.

3 Tua esposa será como vinha fecunda,
na intimidade do teu lar.
Teus filhos, rebentos de oliveira
ao redor de tua mesa.

4 É assim que serão abençoados
os que temem a Javé.

5 Assim também Ele te abençoe desde Sião,
e te faça ver a prosperidade de Jerusalém
todos os dias da tua vida.

6 E na tua velhice,
possas ver os filhos de teus filhos.
Paz sobre Israel.

O Salmo 128 indica o caminho da felicidade. A frase inicial insiste em duas coisas: temer a Javé e andar em seus caminhos. As duas têm o mesmo sentido: teme a Javé quem anda em seus caminhos. Andando pelos caminhos de Javé, chega-se à felicidade e recebe-se a bênção de Deus.

Mas, atenção: temer a Deus não é o mesmo que ter medo de Deus. É o contrário! Quem interpreta temor por medo, deve lembrar o que diz São João: "No amor não existe medo. Pelo contrário! O amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo de Deus ainda não chegou à perfeição do amor" (1Jo 4,18).


Os caminhos de Deus estão descritos na Lei de Deus. Teme a Deus e anda nos caminhos de Deus aquele que observa a Lei de Deus.

No Novo Testamento, a Lei de Deus foi resumida nos dois mandamentos do amor: amor a Deus e amor ao próximo.

Jesus disse: "Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas" (Mt 22,40). E disse ainda: "Tudo aquilo que vocês gostariam que os outros fizessem a vocês, façam aos outros. Esta é a Lei e os profetas" (Mt 7,12).

Com outras palavras, para nós que acreditamos em Jesus, temer a Deus e andar nos seus caminhos é o mesmo que praticar a lei do amor.


Depois desta mensagem inicial, o salmo se dirige ao leitor e descreve qual a felicidade ou bênção que ele poderá receber se andar nos caminhos de Deus. Com outras palavras, a observância da Lei de Deus traz benefícios para todos os setores da vida humana.

Para o trabalho: ele vai poder viver do fruto do trabalho de suas próprias mãos.

Para a família: a esposa será vinha fecunda no interior do lar.

Para a comunidade: os filhos estarão bem unidos ao redor da mesa. Trata-se aqui da grande família, do clã, da comunidade.

Para a política: andando nos caminhos de Deus, ele contribuirá para a prosperidade de Jerusalém.

Os versos 2 a 5 revelam, assim, a grandeza da experiência que o povo daquele tempo tinha de Deus e da vida. Mostram como o temor de Deus era uma fonte de bênção para todos os setores da vida humana.

Hoje, para muitos de nós, acontece o contrário. O trabalho das próprias mãos rende tão pouco que muita gente não consegue ter o que comer. O trabalhador se gasta trabalhando, mas são os outros que enriquecem com o trabalho das mãos dele!

O Salmo 128 reflete uma sociedade bem mais justa do que a nossa.


Mas os mesmos versos 2 a 5 revelam também os limites da sociedade e da cultura do povo daquele tempo. Eles se dirigem só ao homem, e não à mulher. É só através do homem, o chefe da família, que o salmo olha para a esposa e os filhos. Naquele tempo, a cultura colocava o homem no centro, como chefe e porta-voz. Os outros se definiam só a partir e em função do homem.

Neste ponto, Jesus trouxe uma mudança muito grande... para melhor. Falta muito para realizarmos o ideal que Jesus sonhou! Se fosse hoje - quem sabe? -, o salmo diria: "Marido e mulher serão companheiros. Juntos tomarão conta do lar. Criarão os filhos na harmonia da comunidade. Esta é a bênção para toda pessoa humana que teme a Javé".


No fim, o salmo se dirige à pessoa que reza, isto é, a você e a mim, pedindo duas coisas: uma para si, para a família, para a comunidade, e outra para o povo, para Jerusalém, para Israel.

Como as nossas Campanhas da Fraternidade, os salmos não separam a pessoa do povo. Nunca se fecham no individualismo, nem num mundo só espiritual, mas englobam tudo: pessoa, comunidade e povo, o material e o espiritual, fé e política. Pois tudo é criatura de Deus, expressão da sua palavra, apelo para a nossa consciência.


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Frei Carlos Mesters é biblista, autor de diversos livros. Há anos acompanha a caminhada das comunidades eclesiais do Brasil. Atualmente, trabalha no Instituto Bíblico de Angra dos Reis/RJ.