Nicarágua

De volta à cozinha?


Muda o governo, e as mulheres saem perdendo.


Quando o assunto é participação da mulher no poder político, as nicaragüenses tinham de fato o que comemorar até o início deste ano. Nunca antes dos anos 90 haviam chegado tão alto.

Porém, as coisas mudaram com o novo governo, e as militantes femininas reclamam.

Quando Violeta Chamorro entregou o cargo de presidente, em 10 de janeiro passado, a Nicarágua era o único país latino-americano a contar com uma mulher no comando do país, uma outra na vice-presidência - Julia Mena - e uma terceira à frente do Supremo Conselho Eleitoral - Rosa Marina Zelaya.

Na Assembléia Nacional (Congresso), as mulheres ocupavam 17 das 92 cadeiras, e uma delas - Miriam Argüello - era a presidente.

Não faz muito tempo, era difícil imaginar algo assim na Nicarágua e em toda a América Central, com sua forte tradição machista e uma longa história de governos autoritários.


FORJADAS NA LUTA - As mulheres reconhecem que sofreram um duro golpe com a vitória do governo direitista do presidente Arnoldo Alemán. Todos os postos políticos mais importantes ficaram sob controle masculino.

Para as mulheres sobraram cargos em ministérios menores, como os de Cultura e Ação Social, segundo afirma Ángela Rosa Acevedo, vice-presidente do Centro de Direitos Constitucionais, uma organização não-governamental.

O número de mulheres na Assembléia Nacional caiu para 11, e a liderança da Casa ficou na mão dos homens.

"Há um contraste muito forte entre o atual governo e o anterior", garante Azucena Ferrey, ex-congressista, atualmente no comando da Fundação Nicaragüense da Mulher. "Hoje só se vêem homens representando oficialmente o governo."

As militantes femininas nicaragüenses tentam buscar uma explicação para o que aconteceu. Muitas delas se forjaram na luta insurgente que derrubou o ditador Anastasio Somoza, em 1979, e em seguida, durante o governo sandinista (1979-1990).


FORÇA E RETROCESSO - Acevedo explica que, depois de um século de governos autoritários dirigidos por homens, a mulher nicaragüense aprendeu a participar da vida política do país durante os anos da revolução.

Isso abriu muitas portas e, nos anos 90, as nicaragüenses foram mais longe: exigiram participação no poder.

Para Acevedo, a ex-presidente Chamorro - que governou o país de 1990 a 1997 - reverteu a tradição de homens-fortes na Nicarágua e inaugurou um governo de reconciliação nacional, com ampla participação feminina.

"O movimento de mulheres nicaragüenses é ainda um dos mais fortes da América Latina, mas houve um retrocesso no campo político", ela lamenta, referindo-se ao novo governo.

Um indício da nova atitude, segundo ela, é que o governo de Arnoldo Alemán fechou o Instituto Nicaragüense da Mulher, criando em seu lugar o Instituto Nicaragüense da Família. - COM INFORMAÇÕES DE DAVID KOOP/NOTICIAS ALIADAS


Briga no campo

Dos 35 mil títulos de propriedade de terra entregues pelo governo entre 1992 e 1996, quase 9 mil foram recebidos por mulheres. A informação é do Instituto Nicaragüense de Reforma Agrária, o Inra.

As mulheres assumiram a dianteira no campo na década passada, durante o conflito armado entre o exército sandinista e as tropas guerrilheiras financiadas pelos Estados Unidos. Enquanto os homens trocavam tiros nas montanhas, elas retiravam da terra o sustento da família.

Na época, porém, era muito difícil que uma mulher obtivesse um título de propriedade, porque os homens faziam de tudo para não deixar que isso acontecesse, explica Carlos Guillén, ex-diretor do Inra. "Hoje, ao contrário, é comum ver mulheres na presidência de cooperativas rurais."

Se as mulheres venceram essa batalha, parece que ainda falta muito para serem tratadas como iguais na hora de obter empréstimos e créditos bancários.

Há desigualdades, como mostra um estudo realizado em dezembro de 96 por uma fundação internacional. As mulheres recebem menos dinheiro que os homens, e só para determinadas atividades agrícolas.

A diferença fica por conta de organizações não-governamentais que dispõem de uma política de créditos para as mulheres. No caso dos bancos, há ainda muita desconfiança e muito machismo a serem superados. - IPS/NOTICIAS ALIADAS