Cabinda

Guerra
sem ibope


Um pedaço de África entre o Congo e o Zaire luta pela soberania. Cabinda não quer pertencer a Angola.


Da Redação


A cena é comum e acontece todos os dias: centenas de pessoas abandonam o território de Cabinda - um ex-protetorado português localizado no sudoeste da África - para se refugiar nos países vizinhos. Deixam para trás a casa e seu pedaço de roça em troca de um mínimo de segurança e, sobretudo, paz.

Somam cerca de 350 mil - o dobro da atual população do território - os cabindenses hoje espalhados pelo Congo e o Zaire. Os 175 mil que restaram são condenados a viver num clima de medo e intimidação, provocados por constantes operações militares. Desses, 50 mil já se deslocaram de um lugar para outro no interior da própria pátria.

Fogem de uma guerra que já dura mais de vinte anos. Uma guerra esquecida, sobre a qual muito pouco, quase nada se fala. De um lado, as tropas do exército angolano e, do outro, a resistência armada, que exige soberania.


PROVÍNCIA ANGOLANA - Quando Angola deixou de ser colônia portuguesa, em 1975, conquistando a independência, o novo governo resolveu trazer para debaixo de suas asas também o território de Cabinda, que tinha sido incorporado à administração portuguesa em Angola nos anos 50.

Daí em diante, Cabinda passou a conviver com uma forte presença militar angolana. Os três movimentos de resistência, que já existiam desde 1956, intensificaram as ações guerrilheiras, na tentativa até hoje sem resultados de derrotar o novo inimigo.

As forças de resistência estão espalhadas por todo o território. A Frente de Libertação de Cabinda/Forças Armadas de Cabinda (Flec-Fac), liderada por Henrique Tiago Nzita, atua nas selvas de Mayombe. A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (Flec Renovado), sob a chefia de Antônio Bento Bembe, combate principalmente nos extremos norte e sul do rio Chiloango.

O terceiro movimento, a Frente Democrática de Cabinda, abandonou há algum tempo as armas. Mas não desistiu do objetivo, que é o mesmo dos outros dois movimentos: lutar por um país livre.

Se dependesse só de apoio internacional, Angola poderia ficar tranqüila em sua política de tratar Cabinda como a décima oitava província do país. O Ocidente faz vista grossa. Para a maioria dos países, Portugal incluído, tudo não passa de fato consumado.

O governo angolano atribui à questão um caráter interno. Não deseja a participação de outros países ou de instituições internacionais, como a OUA (Organização da Unidade Africana) e as Nações Unidas, na solução do conflito.

Os rebeldes de Cabinda, por sua vez, acusam Portugal de não cumprir os compromissos assumidos no Tratado de Simulambuco, do século passado. Segundo eles, essa é a causa histórica do conflito (veja quadro).

Os rebeldes também são unânimes em condenar o modo como a comunidade internacional se comporta diante da guerra. Até hoje, nada foi feito para fazer sair do papel a Resolução 1514 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de dezembro de 1960.

Segundo essa resolução, as forças militares e todo o aparato administrativo angolano deveriam ser retirados de Cabinda. O ato seria seguido por um referendo sobre a situação do território.


KUWAIT AFRICANO - Na verdade, a principal razão do conflito armado é puramente econômica, defende Antônio Nhaga, especialista em assuntos africanos. O pequeno território de Cabinda é responsável por dois terços do petróleo angolano. É também rico em manganês e fosfato, e possui muitas florestas.

"Cabinda é uma espécie de Kuwait que seduz as companhias de petróleo dos Estados Unidos e da França", afirma Nhaga.

A recuperação econômica de Angola - depois de uma guerra civil interna que provocou a morte de milhões de pessoas e deixou um exército de viúvas e mutilados - depende em grande parte do petróleo de Cabinda. "É por isso que se combate e se morre."

No flanco externo, vem sendo travada uma outra guerra, entre os Estados Unidos e a França. Para proteger os interesses de suas companhias petrolíferas em Cabinda, os dois países exercem forte pressão sobre o governo angolano.

No intricado jogo de interesses, a empresa estadunidense Cabinda Golf Oil Corporation - filial de uma outra estadunidense, a Chevron - conseguiu nos últimos anos a quase total exclusividade sobre a exploração de petróleo em Cabinda. Em 1992, no entanto, a francesa Elf Aquitania comprou 10% das jazidas de petróleo da Sonangol, a empresa estatal angolana de petróleo.


FRACASSO NAS NEGOCIAÇÕES - Nas poucas vezes que estiveram ao redor da mesma mesa para traçar um plano de paz, o governo de Angola e representantes dos movimentos de resistência não se entenderam.

Numa das últimas reuniões, em fevereiro do ano passado, o governo angolano apresentou uma proposta de plano de paz: Cabinda continuaria sendo província angolana, mas com maior autonomia. Nada feito. As negociações voltaram à estaca zero e se multiplicaram as acusações mútuas.

O governo angolano acusa os rebeldes mais radicais de não querer cooperar para pôr um fim nas hostilidades. Os rebeldes se defendem. Acusam o governo angolano de querer transformar o problema de Cabinda em assunto interno e impor uma solução política e militar unilateral.

No meio da guerra, as comunidades cristãs de Cabinda tentam viver e trabalhar como podem. Paulino Fernandes Madeca, bispo católico de Cabinda, numa recente entrevista à revista italiana "Nigrizia", cobrou do governo de Angola e da ONU a realização de um referendo popular. "É preciso respeitar as leis do direito internacional e os interesses da população."

Sobre as tentativas de paz, Paulino confirma não ser nada fácil chegar a resultados imediatos. São muitos os interesses em jogo, sobretudo o do petróleo.

"Mas a esperança não deve morrer. A Igreja vai continuar fazendo a sua parte, ficando do lado do povo, cobrando, exigindo e lutando pela paz."


Território de Cabinda
	Condição: dependência de Angola
	Capital: Tchowa
	Localização: sudoeste da África
	Área: 7.270 quilômetros quadrados
	População: 175 mil habitantes (em 1996)
	Idioma: fioti, português e francês

História - Os três movimentos de resistência de Cabinda são unânimes em afirmar que o seu país nunca teve, como Angola, o estatuto de colônia que regeu as relações de Portugal com suas antigas possessões na África.

De fato, ao longo dos séculos 18 e 19, Cabinda sempre foi governada por seus próprios reis, príncipes e nobres, que exerciam uma efetiva soberania sobre toda a extensão do território. Segundo historiadores, também nessa época, Cabinda fez parte da rota do tráfico de escravos ligando o Rio de Janeiro ao Congo e Angola.

Com o Congresso de Berlim, em 1885, que definiu a partilha da África entre as potências coloniais européias, a situação começou a mudar. Sentindo-se ameaçados pela ganância dos países mais fortes, os reis de Cabinda, nesse mesmo ano, assinaram um tratado com Portugal.

De acordo com esse tratado, Portugal se comprometia em proteger Cabinda, "estabelecendo um protetorado, segundo entende qualquer dicionário". Já no artigo primeiro, ficava muito clara a distinção entre o território de Cabinda e a colônia de Angola.

Na visão dos movimentos independentistas, esse tratado continua valendo. A separação entre Cabinda e Angola, segundo os rebeldes, nunca foi questionada. Nem mesmo quando, em 1956, por razões burocráticas, os dois países foram unidos sob a autoridade de um único governador português residente em Luanda, a capital angolana.