Maranhão

Guerreira de Bacabal

Trabalhadora rural maranhense ganha prêmio internacional.


Malu Maranhão


No dia 2 de outubro próximo, na capital da Inglaterra, Pureza Lopes Loyola, 54 anos, trabalhadora rural de Bacabal/MA, receberá diante da imprensa inglesa e convidados o Anti-Slavery International Award (Prêmio Internacional contra a Escravidão).

O prêmio é concedido anualmente pela Anti-Slavery International - uma organização criada em 1939 para combater as formas de escravidão contemporânea - a pessoas ou entidades que se destacam nessa luta. O Brasil é o único país premiado duas vezes, ambas por indicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O padre Ricardo Rezende, da CPT de Rio Maria, no Pará, que recebeu o mesmo prêmio em 1992 pela denúncia de trabalho escravo no sul daquele estado, conta como é a cerimônia:

- Tudo acontece durante um jantar num restaurante elegante de Londres. As pessoas pagam 500 dólares para participar. Fiz um texto em português, que foi traduzido para o inglês e distribuído aos presentes. Na hora, li o texto em português, e os convidados acompanharam lendo a tradução. Acho que, no caso de Dona Pureza, não será diferente.


FILHO DESAPARECIDO - Como uma trabalhadora rural do interior do Maranhão acabou ganhando um prêmio tão importante? A história é quase fantástica, e nela se misturam coragem, amor e uma fé inabalável.

A saga de Dona Pureza começou em 1993, quando o filho Antônio Abel, na época com 18 anos, saiu de Bacabal à procura de trabalho no garimpo ou em alguma fazenda.

Outros parentes que tinham saído em idênticas condições jamais voltaram, e a mãe sabia disso. Por isso, quando o tempo passou e o filho não deu notícias, ela deixou tudo e saiu a campo para encontrá-lo.

Primeiro, Dona Pureza apelou para as autoridade competentes. Chegou a ir até Brasília, ao Ministério da Justiça, mas ninguém lhe deu atenção. Desesperada, resolveu que iria achar o filho por conta própria.


MÃE CORAGEM - Munida de muita paciência, um pequeno gravador e uma máquina fotográfica rudimentar, foi até os garimpos. Lá, obteve a primeira pista: Abel teria ido trabalhar numa fazenda, a Agronunes, no Maranhão.

A pé, com a fotografia do filho em punho, Dona Pureza foi entrando fazenda adentro e pedindo informações. "Até os pistoleiros me respeitavam. Afinal, todos têm mãe", ela conta.

O que viu na fazenda Agronunes a deixou assustada. Na frente, junto à sede da fazenda, os trabalhadores estavam até uniformizados, tinham casas decentes e escola para os filhos.

Mas, no fundo da fazenda, no meio do mato, os peões contratados para a derrubada viviam debaixo de barracas de lona, não tinham água potável e a comida era péssima. E mais: ninguém podia sair, devido a um suposto endividamento. A presença de pistoleiros testemunhava o quadro de submissão.


DOCUMENTO VIVO - Foi essa a história que Dona Pureza contou a José do Carmo Siqueira, assessor jurídico da CPT do Maranhão. O advogado imediatamente se ofereceu para acompanhá-la novamente ao local, com a presença de uma repórter da Folha de S. Paulo.

Por sorte, o gerente da fazenda tinha viajado, e eles puderam entrar e verificar que se tratava de um caso de trabalho escravo, envolvendo oitenta peões.

Depois disso, com a informação de que o filho tinha ido para uma fazenda no Pará, Dona Pureza retomou a luta. Visitou mais de uma dezena de fazendas, anotando tudo, gravando entrevistas - o gravador escondido na bolsa - e tirando fotos, quando possível.

Anotando o nome dos "gatos" (intermediários), das fazendas e dos peões que nelas trabalhavam em regime de escravidão, Dona Pureza foi montando um arquivo extraordinário sobre a situação. "Ela se transformou em arquivo vivo sobre o trabalho escravo no Pará", diz Siqueira.

No entanto, não conseguia achar o filho. As pessoas diziam que Abel só poderia estar morto, mas ela se negava a acreditar nisso. Adepta da Assembléia de Deus, a fé não a deixava desanimar.


FILHO ENCONTRADO - Finalmente, em maio do ano passado, Abel reapareceu. A sua história é a mesma de milhares de outros peões que acabam virando escravos.

Levado pelos "gatos" para várias fazendas com promessas de bom trabalho, chegou a ser ameaçado de morte, até que conseguiu fugir.

Passou quinze dias no mato e, ferido, foi parar em Santana do Araguaia/PA. Lá, ao ver uma igreja da Assembléia de Deus, lembrou da fé de Dona Pureza e pediu auxílio ao pastor. Ficou na casa dele durante três meses, tempo que levou para curar a perna infeccionada. O pastor conseguiu depois avisar Dona Pureza, que foi buscar o filho.

Com este final surpreendentemente feliz, Dona Pureza poderia ficar tranqüila em casa com o filho. Mas este não é o feitio dessa mulher. Tendo se incorporado à CPT do Maranhão, ela participa de uma campanha contra o trabalho escravo. Tem muito o que dizer. Tem conhecimento.

Dona Pureza explica que não sabe como as mães que perderam os filhos para os "gatos" conseguem ficar em casa, chorando. "Eu digo para elas que devem se unir e procurá-los. Se todas fizessem isso, o trabalho escravo desapareceria."


GALERIA ILUSTRE - É por tudo isso que a CPT considerou que nada era mais justo do que indicar o nome dessa guerreira de Bacabal para o prêmio da Anti-Slavery.

Em 1995, quem o recebeu foi Harry Wu, antigo prisioneiro político da China que hoje, nos Estados Unidos, é diretor de um centro de pesquisa sobre o trabalho forçado nos campos de detenção chineses.

No ano passado, quem venceu foi a Organização Indígena Atalaya, do Peru, que conseguiu libertar o povo indígena ashaninka da escravidão por dívidas.

Agora, com toda a justiça, Pureza Lopes Loyola, uma trabalhadora rural do interior do Maranhão, passará a fazer parte dessa ilustre galeria.


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Malu Maranhão é assessora de comunicação da CPT Nacional.