Memória

Cidadão do mundo

Trinta anos da morte de Che Guevara. O mundo se lembra dele, e não são poucos os que o admiram.


Maio de 1997. Ainda falta uma hora para o início das aulas, e centenas de estudantes lotam escadas e corredores da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, à espera da conferência das 8 da noite.

Os estudantes são uma mescla de tipos e idades, incluindo políticos tarimbados e outros, novatos, muitas mulheres com menos de 25 anos e também um grupo de veteranos de cabelos brancos, como conta o repórter Michael Mccaughan, de Noticias Aliadas.

A conferência é parte de um novo programa acadêmico, iniciado em março, sobre Ernesto Che Guevara. Mais de oitocentos alunos se matricularam, superando as expectativas. Alto-falantes tiveram que ser instalados nos corredores, porque o auditório ficou pequeno para tanta gente.


MAIS QUE IMAGEM - Trinta anos depois de sua morte, o argentino Ernesto Che Guevara, herói da revolução cubana de 1959 (veja quadro), mexe com o interesse e os sentimentos de muita gente, e não é só na Argentina.

"Acho que o meu pai transcende a própria imagem", disse Aleida Guevara, em julho, quando Cuba recebeu os restos mortais do Che, que foi morto na Bolívia em 8 de outubro de 1967.

Aleida, que era pequena quando o pai deixou Cuba, em 1965, contou que esteve recentemente em Chipre, um país do Mediterrâneo em luta contra os invasores turcos. "Vi o carinho e o respeito que aquele povo tem pelo meu pai. Me emocionou muito esse amor. Em sua ânsia por independência, os cipriotas se valem do ideário do Che. Não é só a imagem."

Com ela concorda Camilo Guevara, o outro filho do Che, que tinha 5 anos quando o pai morreu. Para Camilo, pessoas do mundo inteiro vêem no Che o resumo de certas idéias e ideais que fizeram dele quem ele foi, um batalhador pela justiça.

"Os problemas pelos quais o Che lutou permanecem ainda hoje", sublinha Camilo. "Aliás, o neoliberalismo só fez agravar a situação."

Ele acredita que enquanto persistirem no mundo as injustiças contra as quais o seu pai e os companheiros dele se levantaram, o nome do Che continuará vivo e presente.

"No dia em que as coisas mudarem, ele não será mais que uma página da história. Uma história passada, antiga. Enquanto esse dia não chega, o 'comandante' estará presente, não importa em que cidade, vila, colina ou manifestação de protesto."


AMOR AOS EMPOBRECIDOS - Che Guevara perdura no inconsciente coletivo latino-americano e o seu exemplo causa impacto no mundo inteiro "porque ele transcendeu esquemas", escreve o dominicano Frei Betto, em artigo para a Agenda Latino-Americana 97, comemorando o trigésimo aniversário do "martírio libertário do Che".

Betto lembra que o Che, tendo nascido na Argentina, fez a Revolução Cubana e morreu em combate nas selvas da Bolívia.

Era médico e guerrilheiro. Sofria de asma, mas não temeu enfrentar as condições mais difíceis e precárias, em Cuba, no Congo, na Bolívia.

"Socialista de formação marxista, criticou a União Soviética numa conferência em Argel, acusando-a de tendências imperialistas. Ministro em Cuba, enfatizou as emulações éticas e morais na construção do homem e da mulher novos. Enfim, soube nos ensinar que hay que endurecerse sin perder la ternura jamás. "

Toda a vida do Che foi consumida pelo amor aos empobrecidos, "por isso, seu testemunho nos impacta, desafia, atrai e questiona".

Celebrar o Che - finaliza Betto - é "resgatar a utopia da libertação", acreditando, como ele, que é possível construir uma América Latina diferente da que temos hoje.


Fala Camilo Guevara, filho do Che:

"Os anos 93/94 foram os piores, os mais difíceis, depois da Revolução, sobretudo quando se compara com o nível de vida do povo cubano nos anos 80. Não obstante, Cuba serve de exemplo para o Terceiro Mundo em termos sociais, principalmente nos campos da educação e da saúde.

Apesar da crise profunda dos anos 93 e 94 - depois de 95 o país retomou o crescimento -, Cuba não fechou um único hospital ou escola. Nos domínios da educação - com escola obrigatória para todos e gratuita do jardim de infância à universidade - e da saúde, o nosso sistema pode ser comparado ao dos países do Primeiro Mundo.

O país tem 43 universidades. A taxa de mortalidade infantil é de 7,9 por 1.000, mais baixa do que em qualquer grande cidade dos Estados Unidos. Contrariamente ao que acontece em tantos outros países, nenhuma criança cubana morre porque os pais não podem comprar um medicamento.

Esses dados são reconhecidos pela própria ONU. Não se trata de apologia do sistema". - APIC


Quem foi Che Guevara


Ernesto Guevara de la Serna - Che Guevara - nasce em Rosario, Argentina, em 1928.

Tendo se formado em Medicina, em 1953, no ano seguinte está na Guatemala, onde trabalha com a população mais pobre e participa da defesa frustrada do governo popular de Jacobo Arbenz, derrubado por um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos.

Em 1955, num hospital do México, conhece os cubanos que, sob a liderança de Fidel Castro, se preparam para o embarque no Granma. Junta-se a eles. É um dos doze sobreviventes do naufrágio do barco que alcançam a Sierra Maestra para o início da guerrilha contra a ditadura de Fulgêncio Batista.

Após a vitória da Revolução, em 1º de janeiro de 1959, é nomeado presidente do Banco Nacional e ministro da Indústria. Visita vários países em missão oficial, inclusive o Brasil (1961), onde é condecorado pelo presidente Jânio Quadros.

Em 1965, deixa Cuba para prosseguir a luta "em outras terras do mundo". Vai para o Congo (África) e, depois, escolhe as selvas da Bolívia para suscitar novo movimento revolucionário, no coração da parte sul do continente americano.

A 8 de outubro de 1967, com a idade de 39 anos, é executado pelas tropas do exército boliviano.

Encontrados e identificados, seus restos mortais são transladados para Cuba, em julho de 97, e devem ser depositados num monumento que está sendo construído na cidade de Santa Clara, em homenagem aos guerrilheiros caídos.

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