Internacional

As crianças perguntam

Elas querem saber por que o mundo as trata de uma forma assim tão cruel.



"Qual a razão para eles continuarem livres depois do que me fizeram?" É a pergunta que se faz Döne Talun, uma menina que tinha apenas 12 anos de idade quando foi detida, em janeiro de 1995. Seu crime? Era suspeita de ter roubado um pão.

Döne ficou presa ilegalmente durante cinco dias na delegacia de polícia de Ancara, a capital turca. Não pôde ver os familiares nem advogado.

Ela conta que foi torturada. Vendaram os olhos dela, a amarraram e conectaram um cabo elétrico aos seus dedos. Eles disseram que iam "dar uma coisinha" para ela. Um gerador foi ligado, e lhe aplicaram descargas no rosto.

"Um deles me deu um golpe forte na cabeça com seu rádio-transmissor. Também recebi pontapés no estômago... A mancha vermelha no meu pescoço foi feita com um cassetete."

Um ano depois, foi com imensa tristeza que Döne ficou sabendo a decisão do promotor: não iria processar ninguém pelas torturas que infligiram a ela.

O sistema que favorece a tortura na Turquia mais uma vez serviu para proteger os torturadores.


CRIANÇAS PERGUNTAM - As crianças sempre perguntam por quê, por quê, por quê. É fundamental para o seu desenvolvimento como ser humano. Mas, para muitas delas, essa pergunta tem outro motivo.

São crianças que continuam perguntando por que razão são maltratadas nos centros de detenção. Que gritam "por quê?" antes de serem executadas extrajudicialmente, ou mesmo quando são condenadas à morte por um tribunal.

São crianças que sofrem as conseqüências das guerras criadas pelos adultos, nas quais são forçadas ou induzidas a participar como soldados. Segundo informações de ONGs internacionais, cerca de 250 mil menores participam atualmente de guerras (veja matéria de capa desta edição).

A Anistia Internacional também se pergunta por quê.

Por que continuam ocorrendo tantas violações de direitos humanos de crianças, sete anos depois da adoção da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, já ratificada pela grande maioria dos Estados?

Por que a pena de morte continua sendo aplicada a crianças? De 1990 para cá, pelo menos quatro países - Estados Unidos, Arábia Saudita, Iêmen e Paquistão - executaram pessoas que, na época em que cometeram o crime pelo qual foram condenadas, eram menores de idade.


MAIS PERGUNTAS - Por que muitos governos parecem incapazes de prevenir, deter, processar e condenar os culpados por assassinatos de crianças de rua em operações de "limpeza social", mesmo quando existem denúncias que indicam a participação de forças policiais?

Por que se admite que menores de idade sofram maus-tratos ou sejam submetidos a condições cruéis de detenção em delegacias e prisões?

Por que crianças são vítimas de discriminação, inclusive racial?

Por que nem mesmo as crianças estão livres de sofrer as conseqüências dos conflitos produzidos pelos adultos?

Centenas de milhares de crianças não-combatentes morreram em meio a guerras durante a última década. Poderiam chegar a 2 milhões, segundo algumas estimativas.

A maioria dos 15 milhões de pessoas que, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), têm direito à proteção internacional como refugiados são mulheres e crianças.

Por que esses casos continuam a acontecer?

Por que os membros da Anistia Internacional ainda precisam continuar trabalhando, todos os dias, com casos de crianças vítimas de torturas, execuções, "desaparecimentos"...? Por quê? - ANISTIA INTERNACIONAL


Fatos,
apenas alguns...

[1] Uma das vítimas do massacre ocorrido em outubro de 1996 na penitenciária venezuelana de La Planta era um menor e, portanto, de acordo com a legislação do país, jamais poderia estar encarcerado em uma prisão para adultos. Algumas semanas antes do massacre, havia sido determinada a libertação do menor, mas as autoridades deixaram de cumprir a ordem judicial.

[2] Três meses antes, uma delegação da Anistia Internacional que visitou outra prisão venezuelana encontrou dezenas de crianças, algumas com apenas 12 anos de idade, detidas há dois meses em condições cruéis, desumanas e degradantes, privadas de água, serviços sanitários e alimentação adequada e sem acesso a médicos e advogados. Diariamente, os guardas submetiam todos os menores a espancamentos brutais. Arnold Blanco, de 15 anos, e Carlos David Fuentes, de 16, estavam com as costelas fraturadas.

[3] Sherab Ngawang, uma noviça tibetana de 12 anos de idade, foi condenada pelas autoridades chinesas a três anos de "reeducação pelo trabalho" em virtude de suas manifestações em favor da independência do Tibete. Após a sua libertação, segundo as denúncias, a menina teve que ser hospitalizada com problemas nos rins e nos pulmões, resultado dos graves maus-tratos que lhe foram infligidos durante a detenção. No dia 15 de maio de 1995, Sherab morreu.

[4] Na Austrália, um adolescente aborígene tem uma probabilidade dezoito vezes maior de ser preso ou internado em um reformatório do que os demais adolescentes do país. Essa situação pode matá-los. Cem aborígenes australianos de todas as idades morreram sob custódia entre junho de 1989 e julho de 1996. - A.I.