A Igreja no Brasil aberta ao mundo
Novo Milênio
Conhecer os
desejos da terra
Jubileu é muito mais do que pura festa.
Marcelo Barros
ANO DO JUBILEU
"Declarareis santo o qüinquagésimo ano e proclamareis a libertação de todos os moradores da terra.
Será para vós um jubileu: cada um de vós retornará a seu patrimônio, e cada um de vós voltará ao seu clã.
O qüinquagésimo ano será para vós um ano jubilar: não semeareis, nem ceifareis as espigas que não foram reunidas em feixe, e não vindimareis as cepas que tiverem brotado livremente.
O jubileu será para vós coisa santa, e comereis o produto do campo.
Neste ano do jubileu, tornareis cada um à sua possessão.
Se venderes ao teu próximo ou dele comprares, que ninguém prejudique a seu irmão.
Ninguém dentre vós oprima seu próximo, mas tenha o temor de seu Deus, pois eu sou Javé, vosso Deus." (Levítico 25,8-14.17)
O ano 2000 se aproxima, e quem mais fala disso é a Igreja católica. Vários eventos estão sendo programados para o grande jubileu convocado pelo papa João Paulo II.
Fala-se muito, mas pouco se explica. Por isso, aqui e nos próximos meses, gostaria de conversar sobre a proposta do jubileu e as suas possíveis conseqüências para a pastoral popular e os povos latino-americanos.
Quando ouvimos falar de jubileu, talvez nos lembremos da palavra júbilo. Até pode ser que uma coisa tenha a ver com a outra, mas o termo jubileu, na língua hebraica, possui uma raiz que significa "chifre de carneiro" (jobel).
Nos tempos bíblicos, acontecimentos importantes - como festas e julgamentos - eram convocados e iniciados com o toque do chifre ou da trombeta. Como, por exemplo, o ano do jubileu, assim chamado porque era anunciado ao som do jobel.
É daí que vem a palavra jubileu, que designava a convocação para o ano do julgamento de Deus.
Celebrado a cada meio século, o ano do jubileu era um tempo de correção das injustiças sociais, de redemocratização da terra e de cancelamento (resgate) de todas as dívidas (Levítico 25).
Dizem que, desde o começo, foi muito difícil pôr isso em prática. Por isso, todo mundo se surpreendeu quando, num sábado, Jesus foi à sinagoga de Nazaré e anunciou que Deus lhe enviara para realizar um ano extraordinário de jubileu com o povo (Lucas 4,16-21).
De fato, Jesus curou doentes, libertou pessoas prisioneiras de todo tipo de mal, reconciliou os pecadores com Deus e denunciou as estruturas injustas, tanto da sociedade política quanto do sistema religioso. Por isso, foi condenado à morte e crucificado.
Os discípulos e discípulas de Jesus testemunharam a sua ressurreição, mas, pouco a pouco, interpretaram o jubileu que ele veio realizar como um acontecimento apenas simbólico, sem conseqüências para a vida concreta. Por mais de mil anos, nenhuma Igreja guardou a tradição do jubileu.
Há setecentos anos, foi escolhido como papa um monge que vivia no meio do povo e sentia os seus sofrimentos.
A primeira preocupação de Celestino V foi aliviar o sistema de penitências que obrigava os pobres a pagar taxas para serem perdoados.
Celestino V propôs que as pessoas que tinham armas em seu poder as entregassem numa igreja. Elas deviam se reconciliar com os inimigos e fazer uma peregrinação a uma igreja para pedir perdão a Deus.
As pressões foram tantas que Celestino V se viu obrigado a renunciar.
O papa que lhe sucedeu, não podendo mais fechar a porta que tinha sido aberta, criou então o costume do jubileu como um ano de peregrinação a Roma e de indulgências para todos.
De lá para cá, um ano de jubileu tem sido proclamado pelo menos a cada cinqüenta anos.
Para o ano 2000, João Paulo II propõe um jubileu que envolva outras Igrejas cristãs e, inclusive, um encontro com outras religiões em Jerusalém.
Certo que o ano 2000 não significa a mesma coisa para quem não é cristão. Também é certo que há religiões e povos que têm outros calendários, que precisam ser respeitados. Entretanto, a proposta do papa tem sido em geral bem acolhida por todos.
Na América Latina, está mais do que na hora de as Igrejas se unirem numa grande campanha pela democratização da terra, pelo justo cancelamento da dívida externa e por um urgente resgate da natureza e da vida, ambas ameaçadas.
Infelizmente, até aqui, a maioria das vezes em que se falou sobre o assunto foi mais para propor cerimônias religiosas pesadas e triunfalistas do que para retomar o caminho da justiça de Deus e da paz no universo.
Quero convidar você a escutar hoje o canto de um pássaro, o choro de uma criança ou o gemido de uma pessoa sofredora como tradução atual da trombeta de Deus (jobel).
Essa trombeta convoca para um novo tempo de graça e de compaixão (solidariedade) com a terra-mãe, com todos os seres vivos e, especialmente, com a humanidade.
A humanidade está sendo ameaçada hoje por um sistema econômico que pensa o progresso arriscando a vida de amanhã, garantindo a fortuna de poucos graças à morte de milhões.
Ainda é possível mudar. Jubileu é para isso.
Vamos escutar os desejos da terra e construir uma sociedade de paz!
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Marcelo Barros é monge beneditino, prior do mosteiro da Anunciação, em Goiás, comunidade monástica inserida no meio do povo e consagrada à acolhida e ao diálogo com outras Igrejas, religiões e culturas.
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