América Afro-latina: Nicarágua

Escola na língua do negro

Iniciativa tenta resgatar a língua materna e a cultura das comunidades negras da costa atlântica.


Nilda Hooker estava cansada de ver crianças afro-caribenhas abandonarem a escola onde se ensina em "inglês comum". Elas não conseguiam entender o que os professores diziam, queixa-se Hooker.

Daí nasceu a idéia de criar uma alternativa. Em 1987, ela deu início a um programa educativo bilíngüe para quarenta alunos, em Bluefields, a tradicional capital negra da antiga possessão britânica que hoje faz parte do território nicaragüense.


"DE MENOR VALOR" - As aulas eram dadas em crioulo, a língua materna de milhares de nicaragüenses de origem africana, falada em dezenas de comunidades negras espalhadas por toda a costa atlântica do país.

Ainda que os afro-caribenhos sempre tenham sido maioria na região, o crioulo é considerado de menor valor que o "inglês comum", o idioma principal das escolas a cargo de missionários moravos, anglicanos e católicos, enquanto nas escolas estatais só se ensina o espanhol.

"Quem sabe falar inglês como um britânico ou norte-americano acredita que é melhor que os que só falam o crioulo", afirma o sociólogo negro Sydney Francis. Segundo ele, os pais acreditam que os filhos, conhecendo o "inglês comum" ou o espanhol, têm maiores chances de "avançar socialmente".

Francis, que cresceu em Siuna, uma comunidade mineira de diversas origens étnicas no norte da costa atlântica, conta que, quando criança, sofreu desprezo por não saber se expressar na língua das crianças mestiças. "Um amigo saiu um dia da sala de aulas e nunca mais regressou."

É justamente o que Hooker pretende evitar, e até agora tem tido sucesso. Hoje, ela é diretora de uma escola de primeiro grau, a Escola Dinamarca, onde dezoito professores ensinam a novecentos alunos em crioulo. "O nível de evasão escolar em meu colégio é muito, muito, muito baixo", afirma com orgulho. Apenas seis crianças abandonaram a escola no ano passado.


HISTÓRIA E CULTURA NEGRA - Manter o ensino bilíngüe não tem sido uma tarefa fácil. O nome da escola reflete uma realidade: é mais fácil obter fundos de países escandinavos que de Manágua.

O programa tem também enfrentado oposição por parte dos pais dos alunos. "Muitos pensam que o crioulo não é um idioma de prestígio, e sim um inglês mal falado ou vulgar", explica Angélica Brown, diretora regional de educação bilíngüe.

No ano passado, Brown abriu uma escola secundária de ensino em crioulo. "As crianças que se formavam na Escola Dinamarca eram discriminadas pelos colégios secundários daqui e, por isso, decidimos fundar a nossa própria escola", diz Brown, que é também a primeira mulher negra a participar do governo da Região Autônoma do Atlântico Sul.

O programa de estudos põe especial ênfase na história local e na cultura negra. "Estamos definindo que tipo de educação se deve oferecer numa região bilíngüe e multicultural", expressa Brown. "Como podemos falar de unidade e diversidade se não conhecemos a nós mesmos?"


Nicarágua

Nome oficial: República de Nicarágua
Capital: Manágua
Idioma: espanhol (oficial), inglês
Religião principal: cristianismo (católicos: 89,3%, em 1992)
População: 4,6 milhões (1996)
População negra: cerca de 400 mil


América Central

Todos pela terra

Comunidades negras fundam organização que luta pela defesa das suas terras ancestrais.


"Os negros da América Central têm a mesma história e partilham os mesmos problemas. Se nos unirmos, podemos ser mais fortes." É o que acredita Nidia Taylor, ativista negra de Bluefields, Nicarágua.

Essa unidade começou a tomar corpo em 1995, quando representantes negros de Belize, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá se juntaram para fundar a Organização Negra Centro-Americana (Oneca).

A Oneca agrupa as comunidades negras e garífunas - descendentes de escravos negros e nativos caribes que se estabeleceram em Honduras há duzentos anos - da costa atlântica da América Central.


BANDEIRA DE LUTA - A defesa das terras ancestrais contra as investidas das empresas turísticas é a principal bandeira de luta do grupo.

Tulio Gonzalez, presidente do Centro Independente para o Desenvolvimento de Honduras, diz que as terras da costa norte do país, onde vivem as comunidades afro-caribenhas, "despertaram a cobiça de ambiciosos capitalistas e políticos corruptos, como também de militares e narcotraficantes".

No ano passado, o primeiro presidente da Oneca, Celio Álvarez, ativista garífuna hondurenho, viajou aos Estados Unidos e a vários países do Caribe em busca de apoio para a luta da sua organização. A intenção era também atrair empresários estrangeiros interessados em investir nessa região de grande potencial turístico, cujo desenvolvimento está sob o controle negro.

A idéia, segundo Gonzalez, é assegurar que as comunidades negras possam se beneficiar dos projetos, para que as mulheres negras, por exemplo, "não terminem virando apenas bailarinas e prostitutas" nos novos centros turísticos.


CONTRA A "INVISIBILIDADE" - Nos dois últimos anos, os negros e garífunas hondurenhos alcançaram os maiores avanços na luta contra o que Álvarez descreve como "invisibilidade" das comunidades de origem africana na região. Afro-hondurenhos realizaram as duas mais importantes manifestações políticas na capital em 1996.

Em 12 de abril passado, o presidente Carlos Roberto Reina visitou Punta Gorda, nas Ilhas da Bahia, para comemorar o segundo centenário da chegada dos garífunas ao país. Bem que ele teria desejado que os negros tivessem se limitado a dançar. Não foi o que aconteceu.

O que em outros tempos poderia ter sido apenas uma cerimônia festiva acabou se transformando num motivo de vergonha para o presidente. Os líderes garífunas o criticaram publicamente por não fazer a entrega de vinte títulos de propriedade de terras comunais, como tinha prometido. Reina se desculpou, jogando a bola para o Instituto Nacional Agrário. Mas garantiu que os garífunas podiam ficar tranqüilos, pois os títulos logo chegariam.


"NINGUÉM VAI NOS DETER" - Gonzalez explica que os garífunas sempre deram uma contribuição substancial para o desenvolvimento da região, mas que os benefícios são colhidos por outros. "Cansado de promessas", ele diz que a discriminação racial é uma realidade. "Temos representantes do governo que nos escutam, mas isso não é suficiente."

Junto com o crescimento da participação política veio também a violência, que, neste ano, custou a vida de dois ativistas afro-hondurenhos. Ambos lideravam a luta contra a expropriação de terras comunais.

Gonzales está convencido de que as comunidades negras não vão desanimar por causa disso. Elas continuarão defendendo o que é seu. "Ninguém nos vai deter. Não podemos viver no ar, nem no mar. Necessitamos da terra."



Orgulho negro

Bridged Boudir recorda que, quando criança, lhe disseram que devia "mudar de cor" para ver se casava com alguém de pele mais clara. Ao crescer, ela não apenas não seguiu o conselho. Começou a trabalhar com outras mulheres afro-caribenhas que se orgulham de suas raízes étnicas e culturais.

Moradora da costa atlântica nicaragüense, Boudir e outras trinta e poucas companheiras fundaram há dois anos um grupo de mulheres negras em Bluefields. Segundo a educadora Angélica Brown, elas se uniram para "reviver, preservar e promover" a cultura negra.

Brown enfatiza que Bluefields não é mais a comunidade negra de antes. As mulheres, que sempre desempenharam um papel importante na preservação da cultura, resolveram se unir "para fazer algo nesse sentido".

"Muitos negros não se consideram produto da diáspora africana", diz Brown. "Alguns acham que o fato de terem um sobrenome europeu muda alguma coisa. Acontece que, creiamos ou não, estamos aqui por causa da escravidão."

O grupo também incentiva as mulheres negras a assumir papéis de relevância na política local. As mulheres são mais de 50% da população, porém não ocupam postos-chaves. "Por isso, estamos preparando lideranças negras femininas, estimulando as mulheres a freqüentar a universidade, a estudar e a seguir carreiras de que a região necessita."


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AMÉRICA AFRO-LATINA - FONTES: REVISTAS MUNDO NEGRO (ANDREA SEMPLICI) E SIN FRONTERAS (VICTOR BONANNI) E AGÊNCIA NOTICIAS ALIADAS (ELSA CHANDUVÍ JAÑA, PAUL JEFREY E JEREMY LENNARD).