Filipinas

"Mudei, e não me arrependi"

Mang José, um pequeno agricultor filipino, conta em primeira pessoa a sua história.


Bert Peeters

Quando eu tinha 22 anos de idade, aconteceu uma coisa que mudou minha vida. Meus pais escolheram uma moça para eu me casar. Ela era filha de amigos do lugar. Recusei. Sentia que ainda era muito cedo.

Aconteceu assim: a moça vendia verduras e legumes de porta em porta. Uma tarde, ela veio trazendo tomates para vender. Sendo que já tinha ficado escuro, meus pais a convidaram para passar a noite em nossa casa.

Na manhã seguinte, saí para o trabalho na roça, como de costume. O que eu não sabia é que meus pais já tinham ido à casa da moça para falar do nosso casamento. Agora que ela tinha dormido em nossa casa, eles pensavam, o que é que faltava para o casamento?


CASAMENTO E FILHOS - Quando voltei do trabalho, escutei a notícia. Quis sair correndo e me esconder, mas meus pais me pressionaram. Eles disseram que nossa família não tinha como sobreviver e que a doença de meu pai iria piorar muito se eu dissesse que não. Assim, com relutância, aceitei meu destino.

O casamento não começou nada bem. Eu não sentia amor por minha esposa, embora fizesse de tudo para aceitá-la. O amor sempre foi uma coisa meio estranha para mim.

Somente depois do nascimento de nosso terceiro filho é que criei coragem e disse para ela: "Eu amo você". Mas, depois de algum tempo, era como se esse sentimento tivesse desaparecido.

Eu estava desesperado para garantir um futuro melhor para as crianças. Queria que elas pudessem trilhar o próprio caminho, que pudessem viver longe da pobreza. Queria que a vida delas fosse diferente da minha.


INFÂNCIA NA ROÇA - Nasci em Yeban Sur, uma localidade de Benito Soliven, na província de Isabela. É onde eu e minha família vivemos.

Cresci numa família com cinco filhos, três homens e duas mulheres. Meus pais não tinham dinheiro suficiente para eu freqüentar uma escola e, por isso, o máximo que consegui foi estudar durante três anos.

Doente, só com muita dificuldade meu pai conseguia trabalhar na lavoura. Como filho mais velho, eu tinha que dar conta da maior parte do trabalho, o que não era nada pouco com minha idade.

Mas eu sabia que era responsável pelo ganha-pão da família, e por isso dava duro, trabalhando até doze horas por dia.

Às cinco da manhã, tratava da criação. Depois, saía para a roça, onde tinha que capinar, plantar ou colher, dependendo da estação. Parava apenas para o almoço. Não sobrava muito tempo para descansar.

Plantávamos coisas para vender, como tabaco, milho e melancia. Para o consumo próprio, milho branco e arroz.


DINHEIRO EMPRESTADO - Na hora de preparar a roça ou comprar ferramentas e outras coisas necessárias, tínhamos que pedir dinheiro emprestado para os comerciantes do lugar.

Os juros chegavam a 20 por cento ao mês. Além disso, nossa família era obrigada a vender os produtos para eles.

Muitas vezes, eles pagavam um preço bem menor do que outros comerciantes, porque nossa comunidade ficava isolada e não tínhamos um outro lugar para ir.

Não tínhamos coragem de ir vender as coisas na cidade, porque a cidade era para nós um território desconhecido.

Quando me casei, com a família para cuidar, passei a tocar minha própria lavoura. Economizei um pouco de dinheiro plantando melancias e comprei um hectare de terra. Mais tarde, herdei mais dois hectares de minha mãe.

Ainda sentíamos falta de dinheiro para implementos e outras coisas, mas eu tentava de todo jeito não pegar emprestado dos comerciantes, para não ficar com dívidas.


AGRICULTURA ALTERNATIVA - Certo dia, passou por ali o padre da paróquia, um missionário da Bélgica, falando de agricultura alternativa. Ele nos informou sobre uma organização de nome Payoga, de Gamu, Isabela. Era formada por jovens que queriam promover a agricultura sustentável.

Muita gente do lugar ficou interessada em escutar o que esses jovens tinham para dizer. Sentíamos falta de formação. Queríamos aprender novas técnicas e novos meios de garantir nossa sobrevivência.

Participei então de um seminário organizado pelo pessoal da Payoga. Era sobre a produção e o uso de adubo orgânico. Fiquei desapontado. Achei o seminário muito demorado e, além disso, não via como aquilo podia me ajudar em alguma coisa.

A reação de meu irmão, porém, foi diferente. Ele ficou muito interessado e resolveu entrar para a organização. Começou a usar adubo orgânico e conseguiu um empréstimo da cooperativa.

Na hora da colheita, ele pôde vender os produtos por um preço melhor, porque não tinha nenhuma obrigação para com os comerciantes. Eu vi com meus próprios olhos como ele foi conseguindo melhorar a lavoura e aumentar sua renda.


MUDANÇA DE RUMO - De repente, pensei no tanto que eu queria dar uma vida diferente para meus filhos. Por isso, decidi também entrar para a Payoga, pelo menos para ver o que acontecia.

Foi a primeira vez em minha vida de agricultor que percebi que eu era tratado no mesmo nível que os outros. Fui me envolvendo cada vez mais e senti crescer a união e a compreensão entre todos, uma coisa que até então eu nunca tinha experimentado.

Comecei a aplicar na minha própria lavoura o que fui aprendendo. A primeira coisa que fiz foi sair da monocultura e diversificar a produção. Plantei arroz na baixada e também no morro, e diferentes tipos de vegetais e legumes, como berinjela, quiabo, abóbora, feijão de corda e batata-doce.

No outro terreno, plantei mogno, além de manga, limão e laranja entre as filas. Peguei um empréstimo da Payoga, e isso me livrou de ter que recorrer aos comerciantes.


FUTURO PARA OS FILHOS - Fiquei sabendo do perigo dos pesticidas. Antes, eu usava Lanate, que é muito venenoso e estraga a saúde das pessoas. Agora que sei das coisas, não uso mais nenhum tipo de química. A produção é menor, mas eu não fico com dívidas. Além disso, a renda é maior do que antes.

Com o passar do tempo, fui adquirindo confiança em mim mesmo. Até consegui superar a timidez, porque a organização incentivava as pessoas a falar abertamente sobre as coisas, a discutir e a participar.

Hoje estou mais confiante do que nunca de que meus filhos terão um futuro melhor, com mais opções, com esperança.


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Bert Peeters, um voluntário belga, vive nas Filipinas desde 1989, onde trabalha no campo da educação.


O país

Nome oficial: República das Filipinas
Capital: Manila
Localização: sudeste da Ásia
População: 69 milhões (1996)
Religião: cristianismo (católicos: 82,9%, protestantes: 8,3%), islamismo (4,6%) e outras (1990)

Caracterização: Com 1.707 ilhas (mais importantes: Luzon e Mindanao), as Filipinas são o segundo maior arquipélago do mundo, depois da Indonésia. Quase mil línguas são faladas no país: filipino (oficial), inglês, espanhol e inúmeras línguas locais. O catolicismo predomina, como herança da colonização espanhola: é o maior país católico da Ásia. Apesar de exibir um alto índice de alfabetização - cerca de 90% dos filipinos sabem ler e escrever -, metade da população vive na pobreza e muitos emigram em busca de trabalho. O país exporta produtos industriais e agrícolas. De clima equatorial, produz milho, mandioca, coco, arroz, cana-de-açúcar, banana, abacaxi e outros. Quer seguir a trilha de seus vizinhos, os chamados Tigres Asiáticos - países de economia altamente desenvolvida.

FONTE: ALMANAQUE ABRIL 97