Voz profética
Entrevista: Eleazar López
O que é teologia índia?
Eleazar López – A teologia não é propriedade particular de ninguém. Todos os grupos humanos que fazem experiência de Deus produzem teologia. É o caso dos povos originários do chamado Novo Mundo, que por milênios estiveram em comunhão constante com o Criador. Mas sua voz teológica não obtinha reconhecimento por parte da Igreja. Nós, os povos indígenas, somos profundamente religiosos, porque entendemos a existência numa relação de harmonia com a natureza e de vinculação radical com a divindade.
Qual a diferença entre a teologia índia e a teologia tradicional do Ocidente?
– No Ocidente, a razão sempre esteve acima das outras faculdades humanas. Por isso, também na teologia se pretendeu explicar "cientificamente" a fé, como se a ciência teológica tivesse mais a ver com elucubrações abstratas que com a experiência viva de Deus.
A teologia índia não é assim. Ela não tenta explicar Deus de forma racional. Ela tem a ver com a sabedoria religiosa dos povos originários da América, com a qual esses povos enfrentavam e continuam a enfrentar os problemas da vida.
Mais do que "falar de Deus", os povos indígenas, como os pobres em geral, "falam com Deus". Eles partem do reconhecimento de que não é possível enclausurar o ser e o agir divinos numa lógica humana. Não lhes interessa convencer ninguém da racionalidade do mistério de Deus. Fazem a experiência de Deus e a comunicam a seu modo, que fundamentalmente é o modo mítico-simbólico herdado dos antepassados.
Sabedoria popular indígena, porém, não é ainda o que se entende normalmente por teologia...
– Não, mas é a base. A teologia índia não é coisa de livros, mas de vida. É uma teologia de resistência e de diálogo intercultural e inter-religioso. É a voz profética e propositiva dos "mais pobres entre os pobres", daqueles que não aceitam se submeter ao destino de morte cultural e de aniquilamento que os centros de poder querem nos impor.
A teologia índia desperta simpatia, mas também oposição...
– Sim, há setores da Igreja e da sociedade que não entendem a voz indígena ou que manifestam sérias reservas quanto ao que pode acontecer se essa voz é ouvida. São pessoas que querem frear o caminho da teologia índia. Distorcem as características dessa teologia. Identificam-na com uma forma de teologia da libertação mascarada. Confundem-na com um retorno, de tipo arqueológico, ao mundo pré-hispânico. Partindo de uma tal caricatura, essas pessoas não enfrentam a realidade da nossa gente, e sim os fantasmas criados por seus próprios medos.
Acusam a teologia índia de "desvios teológicos"...
– Infelizmente, os que mais têm falado contra a teologia índia são os que menos a conhecem. Por isso, mais facilmente caem em preconceitos etnocêntricos que não têm nada a ver com a fidelidade ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Igreja hoje é chamada a ser o xochitlalpan, o jardim florido onde possamos cultivar as flores de todos os povos do mundo. A monocultura ocidental deve, pois, dar espaço a uma pluricultura universal.
Este é o sonho e a grande utopia dos povos indígenas. E também dos teólogos que nos colocamos a serviço desses povos, a partir do Evangelho de Nosso Senhor.
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