Teresa de Lisieux

História de um
coração
apaixonado

Primeiro centenário de vida e morte de Santa Teresinha do Menino Jesus (1897-1997), a menina que disse: "No coração da Igreja, minha mãe, serei o amor".


Pierre Rottet

O pesado portão do convento se abre lentamente, no dia 9 de abril de 1888, para deixar passar Teresa, 15 anos, a mais nova das cinco filhas vivas do casal Zélia e Luís Martin.

A menina se ajoelha para receber a bênção do pai. Ali estão a madre Maria de Gonzaga, a priora, e também o padre Delatroëtte, superior do carmelo, com seu mau humor de sempre. Onde já se viu uma postulante assim tão jovem?

"A responsabilidade é toda sua", ele adverte Luís Martin. O pai nem escuta. Está atento à filha que se afasta. Os passos dela ressoam no piso do corredor.

A madre superiora, as 25 carmelitas de Lisieux e o irredutível padre Delatroëtte nem imaginam que essa menina terá a ousadia de revolucionar as idéias religiosas de então, dominadas pelo jansenismo, que transforma Deus num rude justiceiro, causando medo e pavor.

Teresa iria romper completamente com essa imagem. Através dos seus escritos, ela ensinaria que Deus é misericórdia e amor. Faria isso com o coração e a linguagem de uma jovem apaixonada, amorosa. "Entrei no carmelo para salvar as almas e, sobretudo, para rezar pelos sacerdotes", ela dirá mais tarde, com o seu jeito simples de menina de sua época.


Celina e Paulina – Lisieux, ano de 1997. No coro da capela, a madre priora de hoje mostra a peça de madeira onde se sentava Teresa do Menino Jesus da Santa Face, como passou a se chamar a filha de Zélia e Luís Martin. Ali, ela se ajoelhava para a oração.

Maria Lucile explica que o carmelo sofreu algumas modificações depois de 1888. O jardim foi ampliado, a capela passou por reformas e o convento hoje conta com energia elétrica e aquecimento central. "Na época, apenas a sala comunitária era aquecida por uma lareira. Teresa passou muito frio por aqui."

A parede do convento é de tijolos vermelhos, o que é típico na região. No refeitório, as mesas de madeira estão colocadas em forma de "U", com banquinhos entre a parede e as mesas. Lá fora, um jardim... Um convento "pequeno e pobre", tal como o descreveu Maria Martin, uma das irmãs de Teresa, que entrou para o carmelo antes dela.

Maria Lucile lembra que as cinco filhas de Zélia e Luís Martin entraram para o convento. Há 48 anos no carmelo, conheceu bem duas delas, Celina e Paulina, ambas falecidas em idade avançada, nos anos 50.

Ela conta que a expressão das duas era sempre de encanto. Do jardim do convento, elas podiam ver a basílica de Nossa Senhora, situada na parte alta de Lisieux. Surpresas e ao mesmo tempo cheias de admiração, elas se perguntavam: "É por causa da nossa irmã que tudo isso foi construído?".

Humildes, muito simples, Celina e Paulina não se faziam idéia do brilho crescente de Teresa. Tudo o que tinham ouvido eram algumas alusões ao fervor popular.


"História de uma alma" – Pausa para permitir a Maria Lucile retomar o fio dos seus pensamentos, que parecem perdidos em algum ponto distante do passado, quando ela entrou no convento. "Celina e Paulina costumavam puxar o 'r', com o acento característico da região de Alençon, de onde era originária a família Martin. Teresa deve ter tido o mesmo acento."

Maria Lucile lembra de quando ouviu Celina contar, mais de uma vez, que Teresa, em 1895, recebeu a ordem de escrever as suas memórias. Dali nasceria a "História de uma alma", um texto que inicialmente nenhum editor quis publicar. Foram tiradas 2 mil cópias um ano após a morte de Teresa. Desde então, o livro nunca mais parou de ser editado, tendo até hoje sido traduzido em pelo menos sessenta idiomas.

"Para escrever a minha vida", diria um dia Teresa, "não preciso quebrar a cabeça. É como se eu estivesse pescando com um anzol. Escrevo o que me vem."

Diante da capela do carmelo, encostados às grades externas do edifício, dois mendigos tentam garantir o prato e a bebida do dia, apelando para a caridade dos peregrinos. Eles entenderam muito bem a importância estratégica do lugar.

São porém ignorados por um grupo de pessoas que saem da capela, onde estiveram por alguns minutos para uma rápida visita e uma oração diante de quase tudo o que sobrou das relíquias de Teresa. "Às vezes, o pessoal não colabora. Mas há dias em que a gente tira um bom trocado", revela um dos mendigos.


De Alençon para Lisieux – Ano de 1877. A pequena cidade de Lisieux, com seus 18 mil habitantes (hoje tem 25 mil), não escapa aos conflitos que assolam as cidades industriais da França, entre burguesia e operariado.

O mesmo acontece em Alençon, onde vivem os Martin, que, porém, não são gente de passar necessidade. O pai de Teresa deixou a relojoaria para assumir a administração do florescente negócio da esposa Zélia, uma pequena indústria têxtil. Trinta por cento dos têxteis franceses da época são produzidos pela manufatura da região.

No dia 27 de agosto desse ano, uma Teresa com 4 anos de idade se ajoelha e reza diante da cama onde a mãe acaba de falecer. É como se o mundo desabasse.

Depois, ela terá que enfrentar a mudança para Lisieux, onde a família vai morar a convite de um tio, chamado Guérin, um notável do lugar. Entra, assim, na bela residência dos "Buissonnets", e ali passará a segunda parte de sua infância.

Ninguém jamais conseguirá avaliar o peso que esse encontro brutal com a morte teve na vida de Teresa, escreve Guy Gaucher, bispo-auxiliar de Bayeux e Lisieux, na "História de uma vida: Teresa Martin", obra que ele publica para celebrar o centenário da morte da santa. Para Gaucher, "a sombra da morte recai sobre a primeira infância de Teresa, que é feita de amor, felicidade e alegrias vivas".

Na "História de uma alma", Teresa não dedicará mais que uma quinzena de páginas à sua infância em Alençon. Ela dirá que tudo lhe sorria sobre a terra, que encontrava flores a cada passo e que o seu caráter alegre contribuía para lhe tornar a vida agradável.

É o que lê hoje o bispo Gaucher, virando sobre a mesa as páginas de uma pasta contendo fotos de Teresa e do carmelo, tiradas por Celina.


"Imagem cor-de-rosa" – Afastada do centro de Lisieux, a dois passos da rodovia nacional que leva a Deauville e Trouville, a mansão dos "Buissonnets" revela a turistas e peregrinos um quadro mais verdadeiro que natural da casa onde viveu Teresa durante onze anos, até a sua entrada no carmelo: os quartos, as louças, as roupas..., e até as bonecas.

Residência rica do início do século 19, de tijolos vermelhos e janelas brancas, com um parque gramado e muita sombra: não falta nada do lugar onde Teresa viveu a adolescência, há mais de cem anos, nem mesmo o local onde ela pediu ao pai autorização para entrar no convento.

Transformada em museu, a casa nunca foi o refúgio de uma menina sem defeitos. Conta-se que Teresa era impaciente, tinha freqüentes ataques de cólera, sofria dos nervos. Era emotiva, sensível até às lágrimas... e amorosa. Passará por uma "completa conversão" na noite de Natal de 1886.

Estamos longe da imagem cor-de-rosa que pintaram da santa até os anos 60...


Vida no carmelo – Dia 8 de setembro de 1890. Com a idade de 17 anos, Teresa faz sua profissão religiosa, dezesseis dias antes da cerimônia pública de entrega do véu.

Para que esse dia se tornasse realidade, com uma boa dose de audácia, ela teve que enfrentar o bispo de Bayeux e, inclusive, o papa Leão 13, durante a famosa audiência romana concedida aos diocesanos de Bayeux, da qual participaram Luís, Celina e Teresa Martin.

No carmelo, levanta-se às 15 para as 5 no inverno e uma hora mais cedo no verão. Após a hora dedicada à oração da manhã, Teresa participa com as outras irmãs da reza do ofício.

Uma pausa antes da missa das 8 horas, o pequeno café da manhã logo depois das 9 e o trabalho, incluindo a lavagem de roupa num tanque que Teresa não aprecia muito no inverno, por causa do frio e da umidade.

Lá pelas 11, as Irmãs vão para o refeitório, onde almoçam, antes de gozar de uma hora de descanso, no salão comunitário. Ali, conversam, costuram, fazem tricô.

Seguem a oração das Vésperas e outras orações e leituras. Às 15 horas, o sino toca, e nesse instante as religiosas beijam o chão para lembrar a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. O trabalho recomeça e vai até as 17 horas, quando tem início o segundo momento de oração silenciosa do dia.

A tarde se encerra com um lanche no refeitório, às 18 horas, seguido de um breve momento de recreação, mais um tempo livre e a oração da Vigília. Chega finalmente a hora de dormir. É o tempo que resta para Teresa escrever sua "História de uma alma" e se dedicar à pintura.


Morte aos 24 anos – 30 de setembro de 1897. Teresa (ou "Little Flower", "Teresita", "Teresinha", conforme o idioma) morre com a idade de 24 anos, depois de muitos sofrimentos, causados por uma tuberculose pulmonar.

Nos instantes de sua morte, a vida pára no convento. As carmelitas rezam. Toca-se o sino, e a comunidade chega apressada. Teresa dirige o olhar para o crucifixo: "Oh, como eu o amo! Meu Deus, eu vos amo!".

Ajoelhadas, as Irmãs contemplam o rosto sereno de Teresa. Os olhos dela se fecham. Um sorriso no belo rosto. O adeus. Eram 19 horas e 30 minutos.

Sobre uma foto de adeus enviada a suas irmãs quatro meses antes, ela tinha escrito: "Vejo aquilo em que acreditei. Possuo aquilo em que depositei minha esperança. Estou unida Àquele a quem amei com toda a minha força".

Uma irmã que a conheceu revelaria mais tarde não ter nada a dizer a respeito dela, a não ser que era muito gentil, e tão apagada a ponto de não se fazer notar.

Segunda-feira, 4 de outubro de 1897. Um carro fúnebre, puxado por dois cavalos, sobe lentamente em direção ao cemitério da cidade, onde repousam as carmelitas falecidas. Não são mais de trinta as pessoas que acompanham o enterro. "Não morro, entro para a vida", tinha escrito Teresa.


De volta ao carmelo – Barulho de passos sobre as pedras do cemitério. Uma mãe se aproxima da parte reservada às carmelitas, acompanhada da filha pequena. Os turistas ainda não chegaram, porque é cedo.

No túmulo que mãe e filha hoje visitam, uma pedra com a inscrição: "Aqui repousava Santa Teresa de Lisieux antes de os seus restos mortais serem transladados para a capela do carmelo, no dia 26 de março de 1923".

A menina pergunta para a mãe: "Ué, dois túmulos para ela?".

Eram umas trinta pessoas a acompanhar o enterro, neste lugar, em outubro de 1897. Mais de 30 mil seguiriam o comboio fúnebre, no sentido inverso, na manhã de 26 de março de 1923.

Dessa vez, o carro era puxado por quatro cavalos. Uma multidão se aglomerava diante da capela do convento. Os coveiros contaram que, ao retirar o caixão do túmulo, sentiram um forte perfume de rosas.

No interior da basílica construída em 1929, diante da imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus, os fiéis acendem velas. Um casal de brasileiros reza em silêncio, durante longos instantes. Chegam peregrinos de várias partes para pedir uma graça, para dizer obrigado.

Atrás do edifício, onde estão enterrados os pais de Teresa, Luís e Zélia, que foram declarados veneráveis pelo papa João Paulo II em março de 1994, uma placa traz uma frase da santa: "O bom Deus me deu um pai e uma mãe mais dignos do céu que da terra".

A meiguice de uma jovem. Muito amor numas poucas palavras. – Apic


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