"Em vez de um,
temos dois profetas"
Quem é o bispo Raúl Vera López, na opinião do padre Gonzalo Ituarte, da Comissão Justiça e Paz da diocese de San Cristóbal de Las Casas e secretário-executivo da Comissão Nacional de Intermediação (Conai):
– Dom Raúl é um dominicano como eu. Ficamos juntos um ano, e depois o mandaram estudar em Bolonha, na Itália, numa comunidade naquele tempo muito conservadora.
É um homem formado na escola de São Tomás de Aquino, com forte acento no papel mariano na Igreja, fiel a Roma, ao papa, às instituições eclesiásticas.
É um homem de fé. Foi mestre de noviços por oito anos. Tem segurança teológica e uma piedade ardente. Foi nomeado bispo exatamente por causa dessas suas qualidades.
Em 1988, foi enviado a uma diocese muito problemática, em Ciudad Altamirano, no estado de Guerrero, onde é grande a violência por parte dos narcotraficantes, e extrema a miséria. Uma diocese difícil, com fortes tensões entre os padres. Uma situação complicada, por causa da renúncia do bispo anterior.
Dom Raúl se aproxima das pessoas, promove a espiritualidade entre o clero e leva uma vida simples. Faz um bom trabalho e adquire fama de bispo forte, claro, seguro, conservador.
É exatamente o tipo que o núncio apostólico, dom Prigione, buscava para abrandar a ação de dom Samuel. Foi nomeado coadjutor com a tarefa de corrigir os "erros" da diocese de San Cristóbal e com todas as prerrogativas episcopais.
Ele chega com um pouco de pavor e uma boa dose de ceticismo, por causa das falsas informações que lhe tinham sido transmitidas. Prudente, observa. Os inimigos de dom Samuel o procuram para falar mal do bispo. Para isso, se servem inclusive de um sacerdote, Luís Mijangos.
Dom Raúl vai visitar as comunidades indígenas. Participa das reuniões dos catequistas e agentes de pastoral e das assembléias. Entra na selva, atravessa as matas, fica nas comunidades e acaba descobrindo o verdadeiro rosto da diocese de San Cristóbal e a personalidade de dom Samuel.
Há nesse contexto um episódio significativo. Certo dia, alguns indígenas o vêem lavando roupa num riacho e comentam: "Está aprendendo a ser bispo".
Ele vai se sentindo sempre mais ligado ao povo indígena, à história e cultura desse povo, ao seu empenho para viver a fé. Vê a vitalidade da diocese e o trabalho das pessoas empenhadas nos diversos ministérios.
Dom Raúl começa a viver com dom Samuel, escuta o que ele diz em seus sermões, discute com ele. Quando se faz de tudo para destituir dom Samuel, sob pressão dos ricos de Chiapas, dom Raúl fica do lado dele.
A uma certa altura, dom Samuel decide se defender: "Se o papa me manda sair daqui, eu saio. Se são os ricos que querem isso, não saio jamais".
Dom Raúl concorda.
Ele começa a ficar enamorado dessa gente, a sofrer junto, a se interrogar sobre as causas da miséria e da exploração.
Estamos no tempo da guerra dos indígenas contra o poder central. Dom Raúl visita as comunidades assediadas pelo exército mexicano e pelos grupos paramilitares pagos pelos senhores de Chiapas. Fica do lado do povo e entende ainda melhor a luta de dom Samuel em favor dos direitos humanos.
Ele se faz discípulo de dom Samuel e do povo, de tal forma que agora, em vez de um, temos dois profetas.
Temos um dominicano que está se tornando um verdadeiro e digno sucessor de Bartolomeu de Las Casas.
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