Gesto solidário

A casa é grande

Era véspera do Dia Internacional da Mulher...


Texto: Guilherme Salgado Rocha
Fotos: Paulo Pereira Lima

Neste 7 de março faz um ano que a vida de Maria Aparecida Pereira Lima mudou. A dela, a de sua família e, principalmente, a de João Carlos, um moreninho rechonchudo que, como um sopro de luz e alegria, entrou na casa da rua Ascenso Ferreira, em São Miguel Paulista, Zona Leste da cidade de São Paulo.

Faz um ano que Cida, membro da Pastoral Operária, aceitou o convite de uma amiga para ir à Penitenciária Feminina da Casa de Detenção do Carandiru, na festa em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, que seria comemorado no dia seguinte, 8 de março.

Cida entrou na penitenciária sem filhos e saiu de lá, três horas depois, "mãe" de João Carlos, filho de um presa, Eliane, que vivia naqueles dias um drama terrível.


Carta ao padre Júlio – Eliane foi presa quando estava grávida. Ganhou o moreninho João Carlos no hospital da Vila Nova Cachoeirinha e permaneceu apenas 48 horas ao lado do filho.

Havia a possibilidade, real e iminente, de vê-lo entregue a alguma instituição de caridade, onde seria adotado legalmente por uma família. Quando saísse da cadeia, caso o menino tivesse sido adotado, certamente não o teria de volta.

Presa, pouco podia fazer. Seus direitos estavam cerceados, inclusive os de mãe. Mandou uma carta ao padre Júlio Lancellotti, que trabalha junto às presas, e ficou aguardando uma resposta, que não vinha, não vinha e não vinha.

Pedia ao padre, na carta, que conseguisse uma família que ficasse com a guarda de João Carlos, e não a adoção. Poderia, assim, viver com o filho.

Não havia mais a quem recorrer: nem à família, nem ao pai.

Mas o problema era grande e claro: as famílias querem crianças para adoção, principalmente pelo aspecto afetivo. Como resistir a uma separação, após um ou dois anos?

Padre Júlio bem que tentou, mas nada havia conseguido.


Cida escuta – Quando viu o padre na festa de 7 de março do ano passado, Eliane, minutos antes de ter que retornar à cela, perguntou a ele se havia alguma novidade. Chorou, revoltou-se, entristeceu-se, quase se desesperou ante a resposta negativa.

Tudo contribuía para a tristeza de Eliane: não saber com quem ficaria o filho, um calor insuportável naquele salão lotado, a festa que terminava e, com o seu fim, a volta à rotina da cadeia, a impotência em não poder resolver, ela mesma, qual o destino da criança que havia gerado e dado à luz...

Estava sem ação: como mãe, mulher, nada, nada.

Mas, nos dois minutos seguintes, o que era lágrima virou festa. A angústia deu lugar à mansidão de alma. É que, sentada em uma cadeira perto de Eliane e do padre Júlio, sem qualquer ligação com o caso, Cida tinha ouvido a conversa.

Rapidamente – o tempo era curto –, quis saber mais detalhes. Ouviu a história e decidiu ficar com a guarda da criança – sem consultar a família.


Família aprova – Cida é solteira, tem 50 anos e mora com o pai (também João), duas irmãs (Toninha e Imaculada), uma sobrinha (a Evelyn, de 10 anos) e agora uma tia (Elvira, irmã de Seu João).

– Eu tinha que decidir na hora, não havia o que esperar. A Eliane estava ali, o padre Júlio, a figura do João Carlos, o drama... Tudo teria que ser muito rápido. Temi que o momento passasse, e a Eliane perdesse o menino.

Mas, Cida, decidir sem ouvir a família?!

– Tenho a grande felicidade de conhecer a minha família. Sei que eles aprovariam a minha decisão.

Para Seu João, o "avô", completando anos naqueles dias, a entrada de João Carlos na família foi "o maior presente de aniversário" que já recebeu em toda a sua vida.

Há uma procedente e ininterrupta paparicação com o bochechudo João Carlos, feita em revezamento, estilo todos por todos. Toninha, Imaculada, Evelyn, Elvira, Seu João, Toninha, Imaculada...


"Cabe todo mundo" – Várias festas acontecem lá nas bandas de São Miguel neste início de ano: o primeiro aniversário do Joãozinho (31 de janeiro), a lembrança dos dias 7 e 17 de março (chegada oficial do menino) e, agora, a formatura de Cida, que terminou o curso de Direito...

– João Carlos está muito bem, obrigada! Obrigada pelas orações, pelo carinho que tanta gente continua demonstrando, pelas visitas! Tantos são pais e mães desse menino...

E quando Eliane sair da cadeia?

– É um assunto que deixa todos aqui em casa preocupados. Já resolvemos que, se ela quiser, poderá vir morar conosco. A casa é grande, cabe todo mundo.

Uma vez por mês, João Carlos vai com Cida à cadeia, para ele e sua mãe se encontrarem.

Eliane acompanha, por isso, as primeiras palavras que o filho começa a balbuciar. A primeira – que novidade! – é "mãe", "mãe". Com tantas mães...

Olhos que brilham, João Carlos vive feliz.

E quanto amor à sua volta, hein, ô João bochechudo?



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Guilherme Salgado Rocha é jornalista, assessor de imprensa da CUT (Central Única dos Trabalhadores) Nacional e autor do livro Santo Dias, biografia do operário publicada pelas Editoras Salesianas.