México

Raízes negras

Estudos resgatam contribuição africana.


John Ross

Com 4 metros de altura, corpo robusto e pele escura, ele empunha um machado gigante no alto de um pedestal enfeitado com canas-de-açúcar de metal. Chama-se Yanga, o escravo negro que liderou uma revolta no século 17.

Hoje, Yanga dá as boas-vindas a quem chega à cidade, que leva o seu nome, nas montanhas de Veracruz. A lenda conta que ele era um príncipe dinka do Alto Nilo. Certa vez, para dar provas de sua valentia, lutou sem armas contra um um leão.

No entanto, estudiosos da escravidão africana nas Américas sustentam que Yanga provavelmente nasceu onde hoje é o Gabão, na África ocidental, tendo sido levado para o México logo que teve início o tráfico de escravos para o país.

Destinado às plantações de cana-de-açúcar que até hoje fazem parte do cenário da região, o escravo rebelde ganha as matas em busca da liberdade, junto com outros "cimarrones" (quilombolas), indo se refugiar no monte Citlaltépec, o pico mais alto do México.


Terras e liberdade – Durante quase quarenta anos, Yanga e uma centena de ex-escravos atacam tropas de mulas que transportam riquezas do Novo Mundo para a Espanha. Em 1608, a Coroa espanhola resolve enviar um exército para combatê-los.

Yanga e seu lugar-tenente, o angolano Francisco de la Matosa, levam a melhor. Expulsam os soldados espanhóis debaixo de uma avalanche de pedras e troncos de árvores.

Um ano depois, o vice-rei da Espanha concede terras e liberdade a Yanga e seus companheiros. Daí é que nasce San Lorenzo de los Negros, "o primeiro povoado negro livre das Américas", que a partir de 1932 recebe oficialmente o nome de Yanga.

De sua parte, "Papa Yanga" aceita o domínio da Igreja católica e passa a pagar tributos ao rei espanhol. Também promete devolver todos os escravos que escapassem a partir daquele momento, em troca de dinheiro.


Herança africana – O México é mais negro do que costuma admitir. De uns tempos para cá, a contribuição afro na construção do país começa a aparecer nos livros de história. Essa contribuição vem sendo valorizada desde os anos 80, graças a estudos sobre as raízes negras do povo mexicano.

Os primeiros negros chegam ao México junto com os conquistadores espanhóis – seis africanos faziam parte da expedição de Hernán Cortés. Foram sendo trazidos em maior número, na seqüência, assim que o bispo católico Bartolomeu de Las Casas, em meados do século 16, obteve da Coroa espanhola a proibição da escravidão indígena.

Em 1640 havia cerca de 116 mil escravos no país, e durante um século esse número aumenta de pelo menos mil a cada ano. Quando começa a luta pela independência, em 1810, os escravos nascidos no México somavam 624 mil, formando o terceiro grupo étnico mais numeroso, depois dos indígenas e dos mestiços.

A exemplo do que ocorreu no Sul dos Estados Unidos, os africanos foram separados em dois grupos: escravos de casa e escravos do campo. Os primeiros serviam a seus patrões, principalmente na Cidade do México, sendo considerados um símbolo de riqueza entre os espanhóis ricos. Já os escravos do campo se concentravam mais nas plantações de cana-de-açúcar e terras produtivas das encostas do monte Citlaltépec.

A vida dura nas plantações fez com que escravos fugissem para as montanhas. Muitos se dirigiram para uma região da costa do Pacífico, em Guerrero e Oaxaca. Ali, os afro-mexicanos construíram comunidades que até hoje mantêm viva a herança africana.


Negros na revolução – A independência do país, em 1821, põe fim à escravidão e a uma sociedade dividida por raças, como também ajuda a acabar, pelo menos oficialmente, com a discriminação por causa da cor da pele.

Tendo em vista os preconceitos contra o mexicano de pele mais escura, é bom lembrar que pelo menos dois pais da pátria – o sacerdote José Maria Morelos y Pavon e o segundo presidente do país, Vicente Guerrero – eram descendentes de africanos, da mesma forma que a maioria dos soldados que com eles combateram nas terras quentes do Sul do país.

Séculos de mestiçagem fizeram com que os negros quase desaparecessem da história mexicana. Entretanto, um estudo realizado pelo afro-estadunidense Ted Vincent revela que a revolução de 1910 – a primeira revolução popular do século 20 – foi realizada tanto por indígenas quanto por negros.

Trabalhando a partir de registros de nascimento do Arquivo Geral da Nação, Vincent demonstra que tanto Emiliano Zapata, o famoso herói "indígena" mexicano, quanto Lázaro Cárdenas, o mais querido presidente que o México já teve, possuíam antepassados africanos.


Terra do carnaval – Yanga, com o seu carnaval, é uma espécie de elo de ligação com a cultura negra do México, defendem Vicent e outros estudiosos mexicanos.

A festa acontece em agosto – e não às vésperas da Quaresma, como na maior parte do mundo, por razões comerciais, pois aumenta a venda de bebidas – e atrai estadunidenses negros bem como africanos. O embaixador da Costa do Marfim tem presença garantida todo ano. Éele quem coroa a rainha do carnaval.

Os peregrinos que chegam a essa Meca mexicana da cultura africana, porém, se decepcionam ao ver que o único cidadão negro do lugar é Yanga, a estátua que protege a entrada da cidade.

"A ausência de negros nos obriga a nos fazermos de negros", diz um comerciante do lugar. Mesmo assim, Vincent afirma que, para quem procura resgatar os valores da cultura negra, torna-se quase uma obrigação visitar Yanga.

Para os funcionários brancos da cidade, cujo brasão traz um escravo negro rompendo as correntes, a herança africana se transformou em motivo de orgulho cívico.

E também num negócio que dá dinheiro, numa cidade de 21 mil habitantes onde 5 mil viajam regularmente aos Estados Unidos para trabalhar: há até lapiseiras e isqueiros "Yanga" para vender. – Noticias Aliadas