Os missionários combonianos que trabalham em Bediondo, no Chade (centro da África) conhecem bem a língua local, e isso representa uma vantagem de todo tamanho. Sobretudo, ajuda muito no relacionamento com as pessoas. Em Bediondo, ficamos por quase duas semanas.
Fabrício era pura alegria. Afinal de contas, tinha chegado ao seu destino, enquanto para mim ainda faltava uma etapa. De qualquer forma, a espera não me pareceu muito longa, pois tive oportunidade de conhecer gente e ficar por dentro de muitas coisas.
Aproveitamos os dias de semana para visitar a região, encontrar pessoas e conhecer os lugares onde se desenvolvem as atividades paroquiais. No domingo, acompanhei Miguel a Bebopen, uma comunidade situada a uns 25 quilômetros da sede. Ali, celebramos a eucaristia ao ar livre e, em seguida, como é tradição, comemos boule, uma massa feita de fubá.
Em Bebopen, a grande atração ficou por conta de Jonathan, o filho de um casal de leigos alemães que integram a equipe missionária de Bediondo. É que as crianças estão acostumadas somente a ver brancos adultos. Assim, o pequeno Jonathan se tornou alvo da admiração de todos. Era um espetáculo vê-lo rodeado de crianças africanas.
Jonathan, em sua inocência infantil, não se assustou nem sentiu vergonha. Logo se pôs a brincar com as demais crianças, como se nada estivesse acontecendo. Crianças são sempre crianças em qualquer parte do mundo. Sua liberdade espontânea e sua falta de preconceitos nos ajudam a entender o que disse Jesus quando nos convidou a sermos como elas. Como o mundo seria diferente!
Minha estadia em Bediondo chegava ao fim. Como despedida, certa manhã saí com Carlos para percorrer o setor em que ele trabalha. Paramos num montão de povoados. É interessante perceber como é grande a acolhida do povo, especialmente quando você fala a língua dele. Aqui, o contato humano é fundamental. Você precisa gastar tempo com as pessoas, e essa é a chave para um bom trabalho pastoral.
Por fim, depois de um longo giro pelas missões combonianas, chego a meu destino definitivo: a missão de Doba, onde se encontram os padres Alexandre e Eugênio.
É uma missão bem diferente das demais. Primeiro porque pertence a outra diocese (o bispo é um comboniano italiano, dom Michele Russo) e, segundo, porque somos encarregados da paróquia da catedral – e isso supõe muitas diferenças em relação às paróquias rurais, tanto em termos pastorais quanto sociais e de relacionamento com o povo.
Eugênio trabalha na paróquia de Maybombay, que é quase do tamanho de toda a diocese de Bediondo. Enorme, com muitas comunidades cristãs e com problemas demais para ser cuidada por uma única pessoa.
Desde que cheguei, venho levando muito a sério a questão do estudo da língua ngambay. A experiência poderia ser qualificada de frustrante. A pessoa pode passar horas e mais horas estudando, para depois se dar conta de que os outros não entendem absolutamente nada do que ela diz. O ngambay é uma língua em que não basta aprender as palavras, é preciso aprender também a entonação correta de cada sílaba.
Porém, mais difícil ainda que as diferentes tonalidades é a maneira de se construir as frases. O conceito que se tem das coisas é totalmente diferente. Tudo gira em torno do corpo humano. Repetir o que eu digo se diz, em ngambay, "seguir as pegadas de minha voz". A copa de uma árvore é chamada cabeça, as folhas são orelhas e as raízes, pés. Para expressar alegria, devo dizer que o meu ventre, ou barriga, "está doce". E para dizer que acredito em alguém ou confio nele, tenho que "pôr meu ventre sobre ele".
O mais interessante são as palavras usadas nas celebrações litúrgicas. É verdadeiramente enriquecedor ver o sentido da vida e a confiança que essa gente deposita em Deus. Deus é "Aquele que tem os ossos fortes" (todo-poderoso), "O que tem o ventre branco" (bom, santo), "Aquele com quem fazemos soar os chifres" (a quem glorificamos), "Aquele que deixa para trás os nossos males" (nos perdoa) ou "Aquele que põe os olhos sobre a nossa cabeça" (intercede por nós, cuida de nós).
Quando você chega à missão pela primeira vez, tem que pôr o velocímetro no zero e voltar a nascer. Aqui, você de verdade se dá conta de que o caminho humano, cristão e vocacional se faz durante toda a vida. Quando alguém acredita ter chegado à meta, vê que o único que fez foi ter iniciado uma nova etapa.
Nesse período, toda a história da minha vocação foi se passando diante dos meus olhos como num lindo filme, sem um final preciso.
Quando me ordenei sacerdote, pensei que havia chegado à meta da minha vocação. Ao chegar depois a Madri, vi que precisava aprender a ser sacerdote e a viver em comunidade, e isso não se aprende em um dia, nem em um ano. Quando, depois de cinco anos de padre, com meu diploma de jornalista nas mãos, chegou a hora de eu partir, pensei que dessa vez a meta tinha sido alcançada. Enganei-me de novo.
Ao chegar à África, percebi que o que fiz foi começar mais uma etapa. Tenho que nascer de novo, como Nicodemos. É preciso recomeçar do zero, tanto mental quanto espiritualmente. Primeiro, com a língua. Depois, com a mentalidade. Por fim, com o clima, o calor, os insetos, as enfermidades.
A língua é difícil, como eu já disse. Não tem nada a ver com as línguas européias. Além da questão da entonação, há uma série de coisas que não existem em ngambay. Por exemplo, o condicional. Você não pode dizer uma frase do tipo "se chovesse, daria muita manga". É preciso dizer: "Chove, dá muita manga, mas não chove".
É uma situação bastante frustrante, porque, por causa da entonação, a pronúncia é bastante difícil. É normal eu passar a manhã inteira para aprender umas poucas frases e depois me acontecer o seguinte: digo o que aprendi para o primeiro chadiano que encontro, ele pára e fica me olhando. É como se quisesse dizer que o meu "francês" é muito esquisito e que não dá para entender.
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