Vivências

Religiosa
de fibra

Michael advoga pela justiça social.


No bairro do Sumaré, em São Paulo, um escritório de advocacia atende um público diferenciado, formado por gente de movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e Igreja. Ali, as pessoas perseguidas ou injustiçadas podem contar com a assessoria jurídica de profissionais de primeira.

À frente desse escritório estão a advogada Michael Mary Nolan e seu colega Luís Eduardo Greenhalgh. Michael, uma religiosa estadunidense da Congregação de Santa Cruz, chegou ao Brasil em 1968, e sete anos mais tarde ajudou a fundar a Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, junto com Greenhalgh.


Terras quilombolas – "Meu trabalho pastoral é a advocacia", revela Michael, que há quinze anos se formou em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e decidiu que essa seria a melhor forma de conciliar sua opção religiosa com a vida profissional.

São muitos os processos ligados à questão da terra que já passaram por suas mãos. Por exemplo, o de reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira/SP. Ou muitos outros, de assassinatos de líderes sindicais rurais.

O recente decreto do governo federal reconhecendo a comunidade de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, como antigo quilombo é uma das vitórias da advogada.

Michael conta que foram identificadas outras 55 comunidades negras na região (veja reportagem nesta edição). Seis delas, mencionadas pelo decreto, deverão ser as próximas a obter o reconhecimento oficial como terras quilombolas.

"O primeiro passo é reconhecer a área como quilombo, e o segundo é titular", explica Michael, numa referência ao artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, que assegura aos remanescentes de quilombos o reconhecimento da propriedade definitiva das terras em que vivem e trabalham.


Lideranças populares – Outros processos de gente da luta, assumidos pelo escritório, continuam em andamento na Justiça. É o caso, por exemplo, do processo envolvendo José Rainha, do Movimento Sem Terra, acusado de homicídio.

Ou ainda, da chacina dos sem-terra em Eldorado dos Carajás/PA (em 1996) e dos assassinatos do missionário jesuíta Vicente Cañas (em Jesuína/MT, em 1987) e de Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande/PB, em 1983.

No momento em que estava sendo feita esta matéria, a advogada estava cuidando de uma ação contra a reforma da Previdência e de uma outra, contra a empresa Rhodia, por ter contaminado uma área em Cubatão/SP, ameaçando a saúde dos trabalhadores.


Sede de justiça – Sobre a situação fundiária do país, a Irmã afirma que "o governo tem feito muito pouco e, mesmo assim, só quando pressionado". Questiona os números "virtuais" de assentamentos divulgados pelo governo e considera "mais reais" os apresentados pelo Movimento Sem Terra.

Alguma mudança no quadro de violência contra lideranças populares?

Michael acha difícil dizer que alguma coisa mudou. "Existem momentos em que a violência aumenta e outros em que diminui. Com certeza, a desigualdade social, que gera a violência, não mudou."

Lembrando o amigo sócio, que também é deputado federal, ela fala sobre a vontade de levar justiça a todos: "O Luís Eduardo costuma dizer que de derrota em derrota chegamos à vitória final". – "O São Paulo"